MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Cobrança de crédito oriundo de ACC: execução ou pedido de restituição?

Cobrança de crédito oriundo de ACC: execução ou pedido de restituição?

Giovanna Ramos Fachini e Luiz Eduardo de Oliveira Filho

Com o aumento dos requerimentos de recuperações judiciais, as formas de cobrança de dívidas de empresas em recuperação são questões cada vez mais frequentes.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:32

Um tema que tem gerado preocupação entre os credores detentores de créditos advindos de adiantamento ao contrato de câmbio - ACC, é a possibilidade, ou não, de ajuizar execução de título executivo extrajudicial quando o devedor estiver em recuperação judicial.

Embora seja incontroverso que esse tipo de crédito não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, conforme preceitua o art. 49, § 4.º, da lei 11.101/05, alguns Tribunais de Justiça têm entendido que a cobrança desse crédito deve ocorrer por meio de pedido de restituição, nos termos do art. 86, II, da lei 11.101/05.

Esse entendimento teve origem no precedente estabelecido pela 3.ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1723978 - PR (2018/0032745-8), de 22.3.23. Nesse caso, o STJ entendeu por manter a extinção da execução devido à suposta inadequação da via eleita.

Diante disso, enquanto alguns Tribunais de Justiça, como o TJ/SP (v.g. AC n. 1075577-26.2021.8.26.0100, 13.ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Nelson Jorge Júnior, j. 9.8.23), têm concluído pelo prosseguimento da execução de título executivo extrajudicial, outros, como o TJ/RS (v.g. AI n. 5148708-28.2022.8.21.7000, Terceira Vice-Presidência, Rel.: Lizete Andreis Sebben, j. 12.9.23), têm seguido pela necessidade de apresentação de pedido de restituição ao juízo recuperacional.

Observa-se, entretanto, uma possível confusão entre os institutos da falência e da recuperação judicial.

É incontroverso que, estando diante de um processo falimentar, e sendo o crédito oriundo de aditamento de contrato de câmbio, a via adequada para a satisfação do crédito, nos termos do art. 86, II, da lei 11.101/05, é por meio do pedido de restituição. Por outro lado, esse entendimento não deveria ser aplicado à recuperação judicial, por alguns motivos.

Primeiramente, devido à ausência de previsão legal para a apresentação de pedido de restituição na recuperação judicial, eis que o art. 86, II, da lei 11.101/05 está dentro do capítulo que trata exclusivamente de falências.

Neste sentido é o art. 85 da lei 11.101/05, que dispõe que "o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição".

Fala-se em pedido de restituição na falência, pois, a partir de sua decretação, nos termos do art. 99, VI, da lei 11.105/05, o devedor não poderá mais praticar qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, os quais serão geridos pelo administrador judicial, sob a prévia autorização do juízo. Nos termos do art. 108 da lei 11.101/05, ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens.

Tal procedimento não ocorre na recuperação judicial, uma vez que, neste caso, o administrador judicial não assume a função de gestor dos bens da empresa, que continuam sendo geridos por seu administrador. Tampouco há arrecadação de bens, que continuam à disposição da devedora, salvo para o caso de alienação ou oneração de bens ou direitos de seu ativo não circulante, que prescindem de autorização judicial ou da Assembleia-Geral de Credores, nos termos do art. 66 da lei 11.101/05.

Assim, apesar de a recuperação judicial e a falência estarem previstas na mesma Lei, tratam-se de institutos completamente distintos, cuja lógica jurídica e procedimental não se confunde e, portanto, deve ser preservada.

Não bastasse, embora não haja previsão expressa na lei 11.101/05 quanto ao procedimento adequado para a cobrança de créditos, em se tratando de recuperação judicial e de ACC, especificamente, o art. 75, caput e § 2.º da lei 4.728/65 é expresso ao determinar que "o contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva".

A doutrina parece se inclinar a este entendimento, sendo que, segundo Fábio Ulhoa Coelho (Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperações de Empresas. Saraiva, 7. ed. p. 282), "na antiga lei de falências, o pedido de restituição era manejável tanto na falência como na concordata do comprador de mercadorias. Na lei atual, ele cabe apenas no caso de quebra. Embora haja paralelismos possíveis e frutíferos entre a concordata e a recuperação judicial, as diferenças entre os dois institutos obstam qualquer interpretação no sentido de se estender a esta última o pedido de restituição".

No mesmo sentido, Manoel Justino Bezerra Filho (Lei de Recuperação de Empresas e Falência. lei 11.101/05 Comentada artigo por artigo. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 231) entende que "mesmo estando o adiantamento de contrato de câmbio fora do alcance da recuperação, ainda assim não será possível o pedido de restituição, por ausência de previsão legal - a possibilidade de pedido de restituição para tal tipo de crédito apenas existe para o caso de falência (inc. II do art. 86). Ou seja, como o crédito não está sujeito aos efeitos da recuperação, o credor por ACC pode ajuizar e prosseguir normalmente com o processo de execução, com as limitações do caput do art. 6.°".

Desta forma, seja por ausência de previsão legal, seja pela incompatibilidade de procedimento, não se deve exigir a apresentação de pedido de restituição aos credores que pretendam reaver o seu crédito oriundo de adiantamento ao contrato de câmbio, mesmo que o devedor esteja em recuperação judicial.

Giovanna Ramos Fachini

Giovanna Ramos Fachini

Advogada no escritório Medina & Guimarães. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina e pós-graduanda em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá.

Luiz Eduardo de Oliveira Filho

Luiz Eduardo de Oliveira Filho

Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio Educacional. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Advogado do escritório Medina Guimarães Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca