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Privatização de serviços essenciais

Segundo a Constituição, o serviço público, incluindo transporte coletivo, é incumbência do Estado, podendo ser concedido por licitação, conforme a doutrina define como atividade estatal prestada diretamente ou por terceiros sob direito público.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:52

Nos termos do art. 175 da CF cabe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou não, o regime de concessão ou de permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviço público.

Relativamente ao serviço de transporte coletivo local dispõe o art. 30, inciso V da CF que compete ao Município "organizar e portar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial".

Em função desses textos constitucionais a doutrina, superando as diversas posições antagônicas, pacificou o conceito de serviço público como sendo uma atividade do Estado (Poder Público) prestada diretamente ou por seus concessionários ou permissionários fornecendo uma comodidade material aos administradores, sob o regime jurídico de direito público.

Esses serviços públicos, ora assumem natureza utisingulicomo nos casos de taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia ou da prestação efetiva e potencial de serviços públicos (art. 145, II da CF), ora assumem a natureza utiuniversicomo nos casos de concessão, permissão ou autorização do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens referido no art. 223 da CF.

Além dos princípios aplicáveis à administração geral previstos no art. 37 da CF (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência) porque os serviços públicos estão inseridos no bolo da função administrativa do Estado, são aplicáveis princípios específicos adiante mencionados.

  1. Princípio da continuidade no sentido de que o serviço público não comporta interrupção, devendo ser prestado de forma contínua;
  2. Princípio da igualdade de sorte a ser prestadoo serviço público de maneira que respeite a isonomia entre os usuários do serviço. Esse princípio é também conhecido como princípio da neutralidade ou da uniformidade;
  3. Princípio da mutabilidade no sentido de que o serviço público deve se atualizar de conformidade com as inovações tecnológicas e às necessidades de sociedade moderna. Por isso esse princípio é conhecido como princípio da atualidade.

Na realidade, nenhuma das administrações das três esferas políticas vem observando a prescrição do art.175 da CF.

Serviços essenciais vêm sendo privatizados sem observância do regime de concessão ou permissão.

O Município de São Paulo, por exemplo, que operava o serviço de transporte coletivo de passageiros diretamente por meio da CMTC, a partir da gestão da Erundina foi simplesmente privatizado. As empresas de ônibus foram contratadas pela Prefeitura paulistana, inicialmente, remuneradas exclusivamente por quilômetros rodados ensejando o congestionamento de vias públicas por ônibus circulando semivazios. Isso não é concessão, nem permissão.

No Estado de São Paulo a SABESP acaba de ser privatizada. Na esfera da União as privatizações ocorrem a cada necessidade financeira do Estado consumido por fantásticas despesas correntes, notadamente, as de custeio em detrimento das despesas de capital cada vez mais escassas, comprometendo o crescimento do país no futuro

Esses serviços públicos privatizados não antedem aos princípios aplicáveis à administração pública.

A recente tempestade que recaiu sobre São Paulo deixou diversas regiões sem energia elétrica vários dias seguidos.

A Enel, distribuidora de energia elétrica na cidade de São Paulo, descumpriu o princípio da continuidade pelo prazo que deixou de ser razoável, restabelecendo a energia por critério seletivo, deixando em último lugar os bairros da periferia, descumprindo dessa forma o princípio da igualdade ou da neutralidade.

Mas, não é só. Quando um governo se livra da responsabilidade na prestação de serviço público o ente federativo a que pertence esse governo poupa a realização de despesas de monta.

Isso deveria refletir imediatamente na redução de impostos que existem exatamente para custear os serviços públicos.

Mas, os impostos continuam com o mesmo peso, antes e depois da privatização, quando não majorados.

A população pagante de impostos deixa de receber serviços públicos do Estado para passar a ser usuária desses serviços públicos mediante pagamento de tarifas escorchantes.

Onde há coerência da administração pública? O Estado que privatiza o serviço público deveria subsidiar em parte a tarifa cobrada por particulares. É o mínimo que o poder público deveria fazer.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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