Nova portaria de avaliação interesse público - Análise comparativa entre os marcos regulatórios
A Portaria SECEX 282/23 substitui procedimentos anteriores para avaliar medidas antidumping e compensatórias, buscando equilibrar os benefícios e prejuízos dessas medidas comerciais ao considerar o interesse público e seus impactos nos agentes envolvidos.
terça-feira, 19 de dezembro de 2023
Atualizado às 07:57
1. Em 17/10/23, foi publicada a Portaria SECEX 282/23 (Nova Portaria), a qual estipula novo procedimento administrativo a ser seguido em avaliações de Interesse Público de medidas antidumping e compensatórias, em substituição à Portaria SECEX 13/20 e à Portaria Secex 237/23.
2. O mecanismo de avaliação de interesse público visa ponderar os benefícios gerados pela aplicação de medidas de defesa comerciais em face aos potenciais prejuízos provocados aos agentes afetados direta e indiretamente com a aplicação das medidas.
3. Atualmente não há disposição acerca da avaliação de interesse público no Acordo Antidumping ou no Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, ficando a previsão a cargo da legislação nacional de cada País Membro tratar do assunto.
4. No Brasil, a avaliação de interesse público está prevista no art. 3º do decreto 8.058/13 e no art. 4º do decreto 10.839/21, os quais regulamentam os procedimentos administrativos brasileiros relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping e compensatórias. Estes dispõem que, em razão de interesse público, o Governo Brasileiro pode determinar (i) a suspensão da exigibilidade da medida de defesa comercial; (ii) a aplicação de direito definitivo em valor diferente do recomendo; ou (iii) a não aplicação de medida provisória.
5. Conforme prática internacional e legislação que regula a matéria, o mecanismo de IP deveria ser aplicado de forma eventual e excepcional; no entanto, nos últimos anos passou a ser obrigatória nas investigações antidumping e de medidas compensatórias operadas no Brasil, por força da Portaria SECEX 13/20.
6. Haja vista a mudança de cenário, analisaram-se os dados disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, a fim de se verificar a variação na utilização do mecanismo de interesse público e seus resultados. O recorte analítico abrange os anos 2012, ano em que se institucionalizou o processo de análise de interesse público no país com a criação do Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público - GTIP, até o final do ano de 2022, limite de disponibilização dos dados.
7. Considerando o período de 2012 a 2019, antes da vigência da Portaria SECEX 13/20, foram encerradas 89 avaliações de interesse público, entre investigações originais e revisões de final de período.
8. Dessas investigações, 37 avaliações resultaram na manutenção da medida (42%); 30 avaliações resultaram na suspensão ou na prorrogação da suspensão de uma medida aplicada (34%); 14 avaliações resultaram na alteração ou na prorrogação da alteração de uma medida (16%); e 8 avaliações resultaram na extinção da medida (9%).
9. Em análise ao período de 2020 a 2022, após vigência da Portaria SECEX 13/20, verificou-se que também foram encerradas 89 (oitenta e nove) avaliações de interesse público, das quais: 54 resultaram na manutenção da medida (61%); 13 resultaram na suspensão ou na prorrogação da suspensão de uma medida aplicada (15%); 9 foram encerradas sem julgamento do mérito (10%); 8 resultaram na extinção da medida (9%); e 5 resultaram na alteração ou na prorrogação da alteração de uma medida (6%).
Figura 1 - Avaliações de interesse público (valores absolutos)
Fonte: SECEX. Elaboração: BPP.
Figura 2 - Avaliações de interesse público (%)
Fonte: SECEX. Elaboração: BPP.
10. Comparando-se ambos os períodos (antes e depois da vigência da Portaria 13/20), pode-se notar um aumento significativo em termos percentuais de investigações que resultaram na manutenção da medida, que aumentou de 42% para 61% (aumento de 19 p.p.).
11. Ademais, também houve queda nas suspensões e prorrogações das suspensões de medidas, de 34% para 15% (queda de 19 p.p.), bem como uma queda nas avaliações que resultaram na alteração ou prorrogação da alteração de uma medida de defesa comercial, de 16% para 6% (queda de 10 p.p).
12. Assim, observa-se natural aumento proporcional no número de avaliação de interesse público durante os três anos de vigência da Portaria 13/20, em comparação ao período de vigência de oito anos do normativo que a antecedeu. No entanto, o que se percebe é que, apesar do aumento avalições de interesse público, em 61% dos casos apreciados houve a prevalência da determinação de manutenção da medida conforme a investigação antidumping.
13. Isso, porque, apesar de a avaliação de interesse público ter se tornado obrigatória nas investigações originais, este nem sempre esteve presente para justificar alguma interferência na medida aplicada. Tal fato se reflete no resultado das avaliações de interesse público, que pouco interferiram na aplicação da medida de defesa comercial durante a vigência da Portaria 13/20.
14. Antes de sua publicação, 58,4% das avaliações de interesse público encerradas resultaram na suspensão, alteração ou extinção de uma medida de defesa comercial, visto que tal procedimento somente era iniciado quando havia indícios da existência de efeitos negativos da aplicação de uma medida.
15. Contudo, com a publicação do normativo e com a obrigatoriedade da abertura de avaliação de interesse público, o índice de interferência da avaliação de interesse público caiu para 29,2%.
16. Dessa forma, percebe-se que a avaliação de interesse público se tornou menos eficiente enquanto instrumento capaz de influenciar a aplicação de uma medida de defesa comercial, sobrecarregando o governo e as partes interessadas em um processo complexo e moroso que na maioria das vezes resulta na manutenção da medida de defesa comercial conforme recomendada.
17. Ante tal cenário de aumento considerável de avaliações de Interesse Público encerradas, em março de 2023 foi publicada a Portaria Secex 237/23, que retirava a obrigatoriedade da realização de avaliações de interesse público anteriormente prevista.
18. Ato contínuo, em outubro de 2023, foi publicada a Nova Portaria, a qual manteve a não-obrigatoriedade das avaliações de interesse público e alterou principalmente o momento de abertura da avaliação, tanto em relação ao prazo quanto à motivação.
19. Anteriormente, a Portaria 13/20 estipulava a necessidade de se iniciar avaliação de interesse público de forma concomitante à abertura de investigação antidumping ou de medida compensatória, salvo em processos de revisão. Apesar de serem investigações independentes, inclusive com premissas de análise distintas, estavam correlacionadas quanto à obrigatoriedade da análise paralela. O que acontecia na prática é que a medida antidumping/compensatória sequer havia sido aplicada e ainda assim exigia-se análise de interesse público. Ou seja, apesar das premissas e critérios de análise utilizados, o mercado doméstico não havia efetivamente percebido quaisquer efeitos da aplicação da medida para que então pudessem ser avaliados seus efeitos práticos.
20. A Nova Portaria, por outro lado, determina que avaliações de interesse público sejam iniciadas em até 45 dias após a publicação da Resolução GECEX que determinar a aplicação, a prorrogação ou a alteração de medida antidumping ou compensatória (art. 7º). Apesar da possibilidade de imediata solicitação de abertura da avaliação de interesse público após a publicação da Resolução GECEX, a avaliação não será aberta de ofício e deverá ser solicitada pelas partes interessadas no prazo previsto.
21. Assim, os efeitos produzidos pela aplicação da medida de defesa comercial deixarão de ser analisados ao longo da investigação antidumping ou medidas compensatórias e passam a ser supervenientes à aplicação da medida.
22. Tal alteração mostra-se positiva, haja vista que a obrigatoriedade da instauração de avaliação de Interesse Público pari passu à investigação antidumping e de medidas compensatórias mostrou-se pouco efetiva. Isso, porque, das 89 investigações finalizadas, apenas 13 delas resultaram em suspensão do direito por interesse público, cerca 15%. Em igual sentido, as avaliações que resultaram na alteração ou na extinção da medida aplicada representam 6 e 9%, respectivamente.
23. Portanto, as mudanças relativas a não-obrigatoriedade na instauração da avaliação (alterada anteriormente pela Resolução SECEX 232/23) e à modificação do momento da abertura da análise, podem ser vistas com bons olhos, uma vez que buscam aumentar a celeridade e economia processual, bem como realizar análise mais fidedigna a realidade de mercado.
24. Contudo, há que se avaliar se o prazo máximo de apenas 45 dias da aplicação da medida de defesa comercial será um período razoável para auferir os efeitos gerados pela medida em análise de interesse público.
25. Ainda em análise comparativa, a Nova Portaria mantém a previsão de abertura de avaliação de interesse público por questões econômico-social (art. 3, inciso I) - relacionada a aferição dos impactos da medida na cadeia de produção, distribuição, venda e consumo a montante e a jusante - e adiciona nova modalidade: a avaliação de interesse público pautada na interrupção do fornecimento do produto doméstico (art. 3, inciso II).
26. Não prevista anteriormente, a alteração está relacionada à abertura de investigação no caso de interrupção, total ou parcial, da fabricação e do fornecimento por produtora nacional do produto doméstico similar (art. 3º, inciso II). Concede-se, inclusive, exceção nesse caso quanto ao prazo de abertura da avaliação, sendo permitido o protocolo a qualquer tempo, enquanto perdurar a interrupção, englobando até mesmo o curso da investigação de defesa comercial (art. 8º).
27. Em suma, a Nova Portaria tende a selecionar casos em que as avaliações de interesse público sejam efetivamente necessárias, bem como permite maior autonomia procedimental em relação às investigações de defesa comercial.
28. Ante toda a análise, a alteração da Portaria pode ser vista como forma de conferir apoio à indústria doméstica e objetividade ao processo de aplicação de medidas de defesa comercial, vez que se busca aprimorar a celeridade e a segurança jurídica dos processos administrativos.
29. A nova Portaria entrará em vigor em 1 de janeiro 2024 e, na prática, ainda é cedo para precisar os efeitos das alterações propostas. Contudo, espera-se que haja a redução de casos e maior efetividade nas avaliações por interesse público, sendo instauradas apenas quando houver indícios materiais de potencial dano causado pela aplicação de medidas comerciais.
Eduardo Blom
Advogado na Barral Parente Pinheiro Advogados.
Julia Pillati
Advogada no escritório Barral, Parente e Pinheiro Advogados.
Maria Eduarda Hajjar Milki
Advogada do escritório Barral, Parente e Pinheiro Advogados.