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Por contestar relação negocial e dívida existente, consumidora e seu procurador são condenados solidariamente ao pagamento de multa por litigância de má-fé

A consumidora buscava anular um débito de R$ 48,57, remover seu nome do cadastro de inadimplentes e receber R$ 10.000, mas a plataforma de pagamentos defendeu a validade da dívida e alegou exercício legítimo de seu direito de cobrança, requerendo a improcedência da ação judicial.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:54

Interessante decisão foi proferida pela magistrada da 5ª Vara Cível da Comarca de Canoas, RS, Dra. Marise Moreira Bortowski, no processo nº 5009494-12.2023.8.21.0008, envolvendo uma consumidora e uma plataforma de pagamentos.

Por meio da ação judicial, sem prejuízo da declaração de inexistência de débito no valor de R$ 48,57, buscava cumulativamente a consumidora a exclusão de seu nome no cadastro de inadimplentes e indenização por danos morais, estes pretendidos no montante de R$ 10.000,00.

Quando da apresentação de defesa, a plataforma de pagamentos postulou a reunião daquele processo com outras ações cujas matérias discutidas são idênticas e, no mérito, comprovou a relação negocial havida entre as partes e a origem da dívida, o que não foi objeto de impugnação pela consumidora. Ao final, requereu a improcedência da ação judicial pois, a seu juízo, a inscrição do nome da cliente junto aos órgãos protetivos de crédito configurava exercício regular de um direito de cobrança.

Diante deste contexto, para além de julgar improcedentes os pedidos formulados, acertadamente dispôs a decisão que em razão de falsear a verdade e por fragmentar desnecessariamente semelhante conteúdo em outras ações, mais especificamente nos processos nºs 5010668-56.2023.8.21.0008, 5006975-64.2023.8.21.0008, 5008029-65.2023.8.21.0008, 5012751-45.2023.8.21.0008, 5011751-10.2023.8.21.0008, 5007433-81.2023.8.21.0008 e 5008399-44.2023.8.21.0008, a consumidora e seu procurador fossem condenados solidariamente ao pagamento de multa por litigância de má-fé, arbitrada em 10% sobre o valor atualizado da ação.

Quanto ao ponto, não é demasiado destacar que a citada decisão, a despeito de condenar solidariamente a consumidora e seu procurador, não sugeriu que as manifestações formuladas no processo devessem primar pela melhor técnica, mas apenas que fosse reproduzido em juízo tão somente aquilo que ocorreu na seara fática, sem omitir ou alterar deliberadamente a verdade dos fatos. Sem esta conduta, e sequer poderia ser diferente, são menosprezados os mais elementares princípios que devem nortear as relações processuais

A propósito, processos como os que lançou mão a consumidora desnudam uma realidade: o ajuizamento de várias ações judiciais, tendo como pano de fundo o mesmo dano hipotético e que poderiam facilmente ser reunidas em apenas uma, e até mesmo a distribuição da mesma ação em comarcas distintas por alguns profissionais do direito, não só evidenciam reprovável conduta ética profissional e indisfarçável propósito de enriquecimento ilícito como também sobrecarregam cada vez mais o Poder Judiciário, que sabidamente possui um volume colossal de processos.

Não por outro motivo, sobre estas demandas generalizadas que conspiram para o quadro acima referido, desde os idos da década de 90 o saudoso Desembargador do TJ/RS, Décio Antônio Érpen, quando ainda se festejava o advento do CDC, já alertava que a chamada industrialização do dano moral acaba por propiciar ações judiciais efetivamente exageradas e que proporcionam uma desagregação social.1

Em julgamento que envolvia tema semelhante, que se deu igualmente naquele período2, o que demonstra que a conduta lamentavelmente viceja desde há muito e se perpetua no tempo, o mesmo doutrinador discorreu em seu voto que "O direito existe para viabilizar a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral sempre que houver um contratempo, vai culminar em truncá-la, mercê de uma criação artificiosa. Num acidente de trânsito, haverá dano material, sempre seguido de moral. No atraso do voo, haverá a tarifa, mas o dano moral será maior. Nessa nave do dano moral em praticamente todas as relações humanas não pretendo embarcar. Vamos atingir os namoros desfeitos, as separações, os atrasos no pagamento. Ou seja, a vida a serviço dos profissionais do direito".

Decisões desta natureza, a revelar a criteriosa análise e deliberação dos fatos submetidos ao magistrado, notadamente quando a ação judicial não possui qualquer substrato fático e se deu mediante a alteração da verdade dos fatos, com o nítido objetivo de obtenção de vantagem indevida, são dignas de registro pois respondem de forma contundente às partes envolvidas no processo e dão robustez à própria prestação jurisdicional.

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1 ERPEN, Décio Antônio. Dano Moral e a Desagregação Social. Revista Direito & Justiça da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, vol. 20/117.

2 TJ/RS, Ap. Civ. 596185181, 05.11.96, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Décio Antônio Erpen.

Mauro Somacal

Mauro Somacal

Sócio do escritório Ernesto Borges Advogados. Possui mais de 17 anos de experiência em contencioso de massa, com passagem por escritório de advocacia especializado em recuperação de crédito e, como consultor jurídico, atuou na representação dos interesses de empresa do segmento de equipamentos rodoviários e industriais. Aura nas áreas de Cível e Empresarial. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Cursou especialização em direito processual civil pelo IDC (Instituto de Desenvolvimento Cultural).

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