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A vigência do convênio de repasse na lei nacional 14.133/21

O estudo busca investigar a relação entre convênios e contratos públicos, analisando a aplicação da expressão "no que couber" da lei Nacional 14.133/21, focando no art. 241 da Constituição Federal, interpretações doutrinárias, jurisprudenciais e sua relação com o direito contábil aplicado ao setor público, utilizando metodologia indutiva.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Atualizado em 15 de dezembro de 2023 14:21

1. INTRODUÇÃO

O objetivo geral deste estudo é verificar a relação existente, atualmente, entre os convênios e os contratos públicos, uma vez que se observa constante remissão de dispositivos legais dos contratos aos convênios, sem clareza quando a expansão da expressão "no que couber" prevista no art. 184 da lei Nacional 14.133/21.

Para melhor organizar o raciocínio, o objetivo específico foi centrado em estudar o art. 241 da Constituição Federal de 1988, os contornos doutrinários e jurisprudenciais dados a expressão "no que couber" e como os convênios são tratados pelo direito contábil aplicado ao setor público.

A metodologia utilizada é a indutiva, utilizando-se de conceitos preexistentes de contrato, convênio, consórcios públicos e transferência voluntária.

A conclusão, finalmente, é que o prazo de vigência dos convênios de repasse, quando utilizados como fonte de recurso de contratos, recebem igual tratamento, não havendo prazo de vigência do convênio em si, mas prazo para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas, devendo, antes de qualquer decretação de invalidade do ajuste, ser avaliado o custo total e estágio de execução física e financeira dos convênios.

2. O CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO NO ART. 241 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 permitiu a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarem por meio de lei os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a transferência total ou parcial de encargos essenciais à continuidade dos serviços transferidos (art. 241, CF).

De partida, nota-se que o constituinte fala de duas figuras, a significar a ausência de identificação entre elas. A própria Constituição diferenciou convênios e consórcios.

Percebe-se, ainda, que a autonomia administrativa e territorial dos Estados-membros e Municípios comporta temperamento tão somente quando observada manifesta exteriorização de vontade, ou seja, quando voluntariamente ele aceita a parceria, instrumentalizada por meio de convênios ou atos administrativos congêneres, sob pena de grave ameaça ao equilíbrio da Federação.

A referência do art. 241 a existência de leis dos diversos entes federados não traduz a vedação a edição de normas gerais por parte da União, algo natural as nações que impuseram a federação e estabeleceram interesses nacionais, regionais e locais.

3. A VIGÊNCIA DO CONVÊNIO NA LEI NACIONAL 14.133/21

Partindo da permissão constitucional contida no art. 241, a lei Nacional 14.133/21 impôs as suas regras, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, inteligência extraída do art. 184:

Art. 184. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.

A nova lei de licitações e contratos já difere da antiga ao acrescer a passagem "na ausência de norma específica" e lançar o regulamento ao Poder Executivo Federal, o que poderia gerar a interpretação que a União é quem iria regulamentar o dispositivo com imposição aos demais entes da federação.1

A interpretação merece temperamento. É que a Constituição Federal, ao impor a federação como cláusula pétrea, não permite que a União diga como os demais entes deverão regular atos na alçada de sua autogestão.

Mais. O parlamento nacional possui um caráter dúplice: é parlamento que legisla atos normativos nacionais e federais, este último vinculante apenas à União.

Por esta razão, o próprio legislador expôs que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução da lei Nacional 14.133/21, como se extrai do Art. 187.

Diga-se, o Poder Executivo de cada ente federativo poderá regulamentar o art. 184, mas não o fazendo, poderá utilizar-se dos regulamentos federais.

Para além da clareza ventilada pela lei Nacional 14.133/21, a lei deixou o mesmo vazio da lei Nacional 8.666/93, pois manteve a expressão no que couber, deixando ao exegeta uma centena de possibilidade.

Ou seja, certamente que alguns dispositivos dos contratos não serão aplicados aos convênios.

Em interpretação a lei Nacional 8.666/93, o STJ decidiu no recurso em mandado de segurança - RMS, nº 30.634 - SP que o "vínculo jurídico existente nos convênios não possui a mesma rigidez inerente às relações contratuais, daí porque o art. 116, caput, da lei 8.666/93 estabelece que suas normas se aplicam aos convênios apenas 'no que couber'.".

Estas são razões que fazem a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, p. 390), Hely Lopes Meirelles (2005, p. 398) e Edmir Netto de Araújo (2010, p. 729) entender que (a) os convênios não possuem compatibilidade com cláusulas de permanência compulsória, como a que impõe a restrição de prazos à vigência dos respectivos créditos orçamentários, e (b) o art. 116 da lei Nacional 8.666/93 não lançou os convênios no regime dos contratos instrumentais, bem como não fez remissão ao art. 57.

A professora Di Pietro (2018, p. 430) chega a dizer o artigo 116 da lei Nacional 8.666/93 não admite sua interpretação restritiva, alheia ao contexto de todo o ordenamento jurídico, enfatizando que "a inobservância do art. 116 somente será admissível nos casos de convênios que não implicam repasse de bens ou valores".

Valioso mencionar, seguindo esta linha de raciocínio, decisão do TC/SC2, para quem "o período de vigência do convênio pode ser compatível com os prazos estabelecidos no plano de trabalho previamente aprovado pelo convenente", não devendo ser levado em consideração "a regra do art. 57, incs. I e II, da lei Federal 8.666/93, sendo, porém, obrigatória a fixação de prazo de vigência (§3º do art. 57 da lei Federal 8.666/93)".

A vigência de prazo é expressa para contratos, não havendo previsão no parágrafo 1º do art. 116 da lei Nacional 8.666/93 e muito menos no art. 184 da lei Nacional 14.133/21 para os convênios. Nesta lei, a previsão é silente. Naquela, exige-se a previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas.

A lei Nacional 14.133/21 dá um indicativo de manutenção da interpretação já adotada na lei Nacional 8.666/93 quando faz referência aos convênios no art. 147, inciso VIII.3 Ou seja, para se pensar em nulidade da execução do contrato, antes deve ser avaliado o custo total e estágio de execução física e financeira dos convênios.4

Partindo, então, da premissa de que a nova lei apenas melhorou a redação da lei Nacional 8.666/93, podemos pensar que o convênio de repasse tem sua vigência atrelada ao contrato que financia. Ou seja, o convênio que financia uma obra, por exemplo, terá sua vigência pelo prazo necessário à conclusão do objeto.

O raciocínio é reforçado quando se lê o art. 25 da lei Complementar Nacional 101/00, onde se entende por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao SUS.

É transferência voluntária a entrega de recursos que não sejam obrigatórios na forma constitucional e legal.

O manual de contabilidade pública aplicada ao setor público - MCASP, evidencia que para o reconhecimento contábil, o ente recebedor (convenente) deve registrar a receita orçamentária apenas no momento da efetiva transferência financeira, pois sendo uma transferência voluntária não há garantias reais da transferência, uma vez que a concedente pode denunciar o convênio, retirando-se livremente do pacto (CARVALHO FILHO, 2007, p. 197). Por esse motivo, a regra para transferências voluntárias é o beneficiário não registrar o ativo relativo a essa transferência.

E ao definir as "Variações Patrimoniais Aumentativas", o MCASP inclui nas transferências e delegações recebidas as "transferências de convênios".

Perceptível que as transferências de convênios são, para o ente recebedor, fonte de custeio do objeto conveniado, que poderá ser adquirido via procedimento licitatório.

Por isso, como dito alhures, a lei Nacional 14.133/21 exige cautela na decisão de nulidade da execução do contrato, devendo, antes da decretação de invalidade do ajuste, ser avaliado o custo total e estágio de execução física e financeira do convênio.

Em que pese a lei Nacional 14.133/21 exigir adequação orçamentária como elemento descritivo do termo de referência, é proibido iniciar a execução do contrato sem, pelo menos, o financeiro que cubra a primeira medição, sob pena de despesa sem prévio empenho.

Neste trilho, as transferências de convênios (convênio de repasse) são, além de um ato cooperativo entre entes da federação, fonte de recurso de despesa pública, devendo, então, estar atrelado ao contrato que suportará.

Em sentido semelhante é o decreto Federal 11.531, de 16 de maio de 2023, que regulamenta o art. 184 da lei Nacional 14.133/21, quando impõe que "no ato de celebração do convênio [...], o concedente deverá empenhar o valor total previsto no cronograma de desembolso do exercício da celebração e registrar os valores programados para cada exercício subsequente, no caso de convênio ou de contrato de repasse com vigência plurianual [...]" (art. 8º), e como cláusula necessária que a vigência seja fixada de acordo com o prazo previsto para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas (art. 11, §3º, II).

Daí emerge a importante da releitura pelos Tribunais de Contas.

Ainda sob a batuta da lei Nacional 8.666/93, o TCU caminhou no sentido de prorrogar os prazos de convênio, mesmo vencido, quando configurado interesse público na continuação da parceria.

No acórdão 1131/09-Plenário, o Ministro Cedraz votou esclarecendo que quando não restar alternativa para atingir o interesse pública senão o de prorrogar o convênio, o ato deixa de ser discricionário e passa a ser vinculado, devendo a Corte de Contas determinar a prorrogação do ajuste, sob pena de se apurar a responsabilidade pela obra inacabada, indo ao encontro do art. 147, inciso VIII, da lei Nacional 14.133/21 e do art. 21 do decreto-lei 4.657/1942 (LINDB).

Portanto, a jurisprudência do TCU admite a prorrogação (a exemplo da Súmula 191 e do Voto constante do Acórdão 172/04 - Plenário).

A busca pela solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais se confirma com a permissão de continuidade do objeto pactuado, especialmente quando o convênio de repasse financia contrato de serviços não contínuos ou contratados por escopo, uma vez que não há prazo de convênio, mas prazo de execução do objeto pactuado, podendo ser alterado de comum acordo entre as partes, enquanto existir "interesses recíprocos", entendimento, como já dito, convergente com o decreto federal 11.531, de 16 de maio de 2023.

Nesta toada, a compreensão pela existência de vigência do convênio atrelado ao cumprimento do contrato que ele financia, visa permitir que a autoridade pública atue para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, conforme previsão do art. 30 do decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LINDB).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito administrativo recorrentemente impõe coragem aos operadores do direito na busca de soluções jurídicas viáveis para enfrentar os desafios.

No dia a dia do consultivo administrativista, a licitação, os contratos públicos e os convênios são os temas mais comuns.

Após a inclusão dos arts. 20 a 30 na LINDB pela lei 12.874/13, os Tribunais de Contas e a doutrina estão revendo seu entendimento e constatando a necessidade de resultado material, contrapondo-se ao excesso formal. Há, portanto, uma desconstrução do formalismo, regra tradicional na conduta administrativa, para a busca de resultados concretos, conduta mais atual e adequada a nova realidade do direito pós-moderno.

O prazo de vigência do convênio, por exemplo, é um dos temas que se concretiza na lei Nacional 14.133/21 e no regulamento federal (decreto federal 11.531, de 16 de maio de 2023).

Como síntese do exposto no presente estudo, são conclusões possíveis:

  1. O constituinte deixou a livre vontade dos entes federados disciplinarem por meio de lei a forma que se dará a transferência total ou parcial de encargos essenciais à continuidade dos serviços transferidos nos convênios de cooperação, não havendo, portanto, vedação constitucional para que um ente federado autorize outro a exercer sua competência executória, podendo um serviço local ser executado pelo Estado-membro ou vice-versa, quando voluntariamente ele aceite o encargo, instrumentalizada por meio de convênios ou atos administrativos congêneres, sob pena de grave ameaça ao equilíbrio da Federação.
  2. Os convênios de repasse (ou as transferências de convênios) são veículos para operacionalizar as transferências voluntárias, servindo de fonte de recurso para o ente recebedor e, quando financiam um contrato, devem ter sua vigência fixada de acordo com o prazo previsto para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas.
  3. O prazo de vigência dos convênios de repasse, quando utilizados como fonte de recurso de contratos por escopo, recebem igual tratamento, não havendo prazo de vigência do convênio em si, mas prazo de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega do objeto desejado.
  4. Por fim, os convênios de repasse (ou as transferências de convênios) são veículos para operacionalizar as transferências voluntárias e exigem da concedente e do convenente o dever de lançar a operação em suas respectivas contabilidades públicas.

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1 A Lei Nacional nº 8.666/1993 dizia que se aplicavam as disposições da Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração (Art. 116).

2 TCSC, Processo COM 04/03646740. Parecer:  COG  268/04.  Decisão:  2.492/2004.  Origem:  Secretaria de Estado da Fazenda.  Rel.  Cons.  Otávio Gilson dos Santos.  Data da Sessão: 08.09.2004.

3 Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos: [...] VIII - custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas.

4 O dispositivo caminha de mãos dados com o art. 21 do Decreto-lei nº 4.657/1942 (LINDB), já que ele exige das esferas administrativa, controladora ou judicial o dever de indicar de modo expresso as consequências jurídicas e administrativas da decisão de invalidação do ajuste, como é o caso do convênio.

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Thiago Alencar Alves Pereira

Thiago Alencar Alves Pereira

Procurador do Estado de Rondônia. Professor. Advogado. Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Univali-SC. Membro dos Institutos rondonienses de direito administrado (IRDA) e de processo (IDPR).

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