Marco legal das garantias e protesto extrajudicial: as medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e a exceção ao princípio da rogação
O presente artigo tem como objetivo estudar o princípio extrajudicial da rogação no contexto das medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas, considerando as inovações incorporadas à lei 9.492/97, pelo Marco Legal das Garantias, a lei 14.711/23.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2023
Atualizado às 14:09
A lei 14.711/23 (BRASIL, 2023a), conhecida como Marco Legal das Garantias, ao dispor sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito, promoveu relevantes mudanças na lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), consequentemente, na atividade extrajudicial de protesto de títulos e outros documentos de dívidas. Dentre tais mudanças, se pontua as medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e ainda não canceladas (artigo 26-A, da lei de Protesto).
Tais medidas já haviam sido incorporadas ao protesto extrajudicial pelo Provimento CNJ 72/18 (BRASIL, 2018), estando atualmente concentradas entre os artigos 375 e 388, do Código Nacional de Normas da CNJ - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), o Provimento CNJ 149/23 (BRASIL, 2023b).
A normativa do CNJ menciona que o procedimento de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas terá início mediante requerimento do credor ou devedor. Contudo, o artigo 26-A, da lei de Protesto (BRASIL, 1997), apresenta diferença sensível em sua redação, deixando a entender a possibilidade de atuação de ofício do delegatário de serviço público de protesto.
Nesse cenário, pergunta-se: a redação do artigo 26-A, da lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), trazida pelo Marco Legal das Garantias (BRASIL, 2023a), é um caso de exceção ao princípio da rogação ou instância?
O princípio da rogação ou instância é aquele que condiciona a atuação do delegatário de serviço público a requisição das partes. De acordo com Loureiro (2021, p. 1423), via de regra, cabe ao interessado provocar a atividade do notário ou do oficial de registro.
Aplicado ao protesto, significa dizer que todo ato deve acontecer a requerimento do interessado, vedando-se, por conseguinte, a atuação do tabelião de protesto sem prévia provocação (KÜMPEL, FERRARI, VIANA, 2023, p. 395).
Tal princípio comporta exceções, podendo citar como exemplo o caso do artigo 25, da lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), que permite ao tabelião de protesto agir de ofício para retificar erros materiais (BUENO, 2023, p. 178), o engano de mera execução no serviço de protesto (CENEVIVA, 2010, p. 127).
Isto posto, em 27/6/18, o CNJ publicou o Provimento 72/18, dispondo sobre medidas de incentivo à quitação ou renegociação de dívidas protestadas, objetivando consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios (BRASIL, 2018).
Trata-se de ato pós-protesto, que fomenta a adimplência, facilitando o cancelamento do protesto, e que, de acordo com a sistemática estabelecida pelo Provimento CNJ 72/18 (BRASIL, 2019), atualmente artigos 375 ao 388 do Provimento CNJ 149/23 (BRASIL, 2023b), teria início mediante requerimento do credor ou do devedor, diretamente na serventia extrajudicial onde foi lavrado e registrado o protesto, sendo medida prévia e facultativa aos procedimentos de conciliação e mediação.
Atualmente, com a da lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), incluído pela lei 14.711/23, menciona o artigo 26-A, que se faculta ao credor, ao devedor e ao tabelião ou ao responsável interino territorialmente competente pelo ato, por intermédio da central nacional de serviços eletrônicos compartilhados dos tabeliães de protesto - CENPROT (BRASIL, 2023a).
Por meio das medias, faculta-se ao credor autorizar o tabelião a receber o valor da dívida já protestada, bem como indicar eventual critério de atualização desse valor, concessão de desconto ou parcelamento do débito, e ao devedor oferecer contrapropostas, por meio da CENPROT (BRASIL, 2023a).
Em caso de liquidação da dívida, o devedor ou interessado no pagamento deverá arcar com o pagamento dos emolumentos devidos pelo registro do protesto e seu cancelamento, dos acréscimos legais e das demais despesas, com base na tabela do protesto vigente no momento da quitação do débito, bem como do preço devido à CENPROT pelos serviços prestados, caso seja exitosa a renegociação, no momento da liquidação da dívida (BRASIL, 2023a).
Conforme o § 3º, do artigo em comento (BRASIL, 1997), a prática de todos os atos necessários às medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas é exclusiva e inerente à delegação dos tabeliães de protesto, diretamente ou por intermédio de sua CENPROT, vedada qualquer exigência que não esteja prevista na Lei de Protesto.
Logo, é possível observar que a redação dada ao artigo 26-A, da lei de Protesto (BRASIL, 1997), pelo Marco Legal das Garantias (BRASIL, 2023a), expressamente faculta ao tabelião de protesto, de ofício e a qualquer tempo, propor medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e ainda não canceladas, podendo praticar todos os atos necessários para tanto.
E essa exceção ao princípio da rogação ou instância se justifica, em muito, pela forma atual como os serviços do protesto extrajudicial são ofertados aos usuários.
Tem-se que, com a possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto, conforme o Provimento CNJ 86/19 (BRASIL, 2019), atualmente artigo 369 e seguintes do CNN/CN/CNJ-Extra, o Provimento CNJ 149/23 (BRASIL, 2023b), condicionou-se, via de regra, a percepção dos emolumentos necessários à manutenção da serventia extrajudicial e à própria prestação do serviço público, a um evento futuro e incerto, ficando evidente a necessidade do estabelecimento de metodologias capazes de preservar o equilíbrio econômico-financeiro do serviço público essencial para o tráfico creditício, que é o protesto extrajudicial (FRAGA, 2023a, p. 74).
Com a nacionalização do pagamento postergado pelos atos de protesto, os tabelionatos se encontram com um enorme estoque de protestos lavrados e registrados, mas ainda não cancelados, o que significa dizer que há uma enormidade de atos foram praticados, com emolumentos e demais despesas ainda não percebidas.
Conforme consta na 4ª edição do Cartório em Números (ANOREG-BR, 2022, pp. 100/102), considerando o ano de 2022 (o mais atual mencionado na publicação), os títulos e outros documentos de dívidas ainda protestados significam, aproximadamente, 75,8% dos públicos e 43,2% dos títulos e outros documentos de dívida privados. Há, então, um verdadeiro pré-sal em matéria de protesto, com um depósito nacional que acumula milhões de protestos lavrados e registrados, mas ainda não cancelados. De acordo com a 4ª Edição da Cartório em Números, considerando a somatória dois anos de 2020, 2021 e 2022, são aproximadamente 18.969.880 títulos e outros documentos de dívidas protestados e ainda não cancelados (ANOREG-BR, 2022, pp. 100/102).
Isto posto, seria o princípio da rogação excepcionado apenas quando o tabelião propõe tais medidas por intermédio da CENPROT? É que a leitura do caput do artigo 26-A (BRASIL, 1997) dá a entender ser assim. Contudo, seu § 3º (BRASIL, 1997) torna evidente que a prática de todos os atos necessários às medidas é exclusiva e inerente à delegação dos tabeliães de protesto, diretamente ou por intermédio de sua central nacional de serviços eletrônicos compartilhados. Ou seja, o tabelião pode agir de ofício, escolhendo se fará a proposição por meio da CENPROT ou não.
Outrossim, este autor já pontuava a respeito de duas situações que criavam barreiras burocráticas para execução plena das medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas, não trilhando os caminhos do incentivo e do aperfeiçoamento de mecanismos consensuais de solução de litígios, do desenvolvimento socioeconômico local e da desjudicialização: (1) a necessidade de certificados de capacitação de conciliador e mediador; e (2) a adoção facultativa por parte do prestadores do serviço público que é o protesto extrajudicial (FRAGA, 2023b, p. 195).
O segundo tópico já foi resolvido com a redação do artigo 26-A, da lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), dada pela lei 14.711/23 (BRASIL, 2023a), pois, uma vez feito o requerimento das medidas pelo credor ou pelo devedor, o tabelião não pode deixar de praticar o ato.
Quanto a primeira questão, o Provimentos do CNJ (BRASIL, 2023b) mencionam serem as medidas ferramentas prévias e facultativas aos procedimentos de conciliação e mediação. Porém, o § 3º, do artigo 26-A, da lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), veda qualquer exigência que não esteja prevista na Lei de Protesto, sendo a prática de todos os atos necessários às medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas exclusiva e inerente à delegação dos tabeliães de protesto, diretamente ou por intermédio de sua CENPROT.
E sob o risco de burocratizar procedimento que, em seu âmago, foi criado com a intenção de desburocratizar, não se pode exigir certificado de capacitação de conciliador ou mediador, para realizar medida de incentivo à quitação e renegociação de dívida, um ato que não é nem de mediação, nem de conciliação, mas sim de simples requerimento para cancelar o protesto, mediante autorização do credor para a quitação ou renegociação da dívida, segundo o estabelecimento de critérios simples e objetivos (FRAGA, 2023b, p. 198).
Feitas tais considerações, conclui-se que o artigo 26-A, da lei 9.492/97, incluído pela lei 14.711/23, ao excepcionar o princípio da instância ou rogação, permitindo ao tabelião agir de ofício e a qualquer tempo, para propor medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e ainda não canceladas, estabelece metodologia capaz de ajudar na preservação do equilíbrio econômico-financeiro do protesto extrajudicial.
Por último, mas não menos importante, é possível de se observar a necessidade de alteração do procedimento tratado nos artigos 375 ao 388, do CNN/CN/CNJ-Extra, o Provimento CNJ 149/23 (BRASIL, 2023b), atualizando-o com base no Marco Legal das Garantias, a lei 14.711/23 (BRASIL, 2023a).
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ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL. Cartório em números: atos eletrônicos, desburocratização, capilaridade, cidadania e confiança. Serviços públicos que nada custam ao Estado e que beneficiam o cidadão em todos os municípios do País. 4. ed. Brasília: ANOREG-BR, 2022. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2022/12/Carto%CC%81rios-em-Nu%CC%81meros-Edic%CC%A7a%CC%83o-2022.pdf. Acesso em: 10 dez. 2023.
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