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Breves considerações sobre a relativização da regra de impenhorabilidade de verba salarial

A Corte Especial do C. STJ admitiu "a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, independentemente da natureza da dívida a ser paga e do valor recebido pelo devedor, condicionada, apenas, a que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família".

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:52

O STJ, por meio da sua Corte Especial, pacificou a flexibilização da norma de impenhorabilidade das verbas de natureza salarial  independente da natureza da dívida, com a única condição fixada no sentido de que a medida constritiva não comprometa a subsistência do devedor e de seus dependentes, na oportunidade de julgamento dos Embargos de Divergência 1.874.222/DF. Assim, importante tecer breves considerações sobre a razão de ser de tais regras norteadoras do processo de execução e, agora, relativizadas.

 Os objetivos das regras de impenhorabilidade previstas no art. 833, incisos e parágrafos, do CPC, se fundam na preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da CRFB), com escopo de proteção ao mínimo existencial , vedando a penhora de bens básicos não só ao sustento do executado e seus dependentes como também os bens necessários ao desenvolvimento de uma vida digna.

Por isso em seu primeiro inciso, há vedação da penhora de bens inalienáveis, os quais tem por vezes objetivo de manutenção do mínimo existencial, v.g. o bem de família previsto pelo art. 1711 do Código Civil.

Entre os desdobramentos dos objetivos da impenhorabilidade legal, encontra-se o princípio da menor onerosidade, quando se veda a constrição de bens que podem representar agravamento da situação patrimonial do executado, caso dos incisos V e VII, já que tanto a penhora de ferramentas de trabalho como de materiais para obra em andamento representa provável agravamento da situação patrimonial do devedor.

Há, ainda, objetivo de viés coletivo, na preservação do interesse público, como das verbas relacionadas à saúde, educação ou assistência social (inciso IX), ou dos fundos partidários (inciso XI), verbas estas importante para o funcionamento dos partidos e suas atividades, imprescindíveis ao desenvolvimento democrático.

Por fim, o rol do art. 833, imputa como impenhorável as verbas de obra voltadas à incorporação imobiliária, de modo a preservar a função social da propriedade, o que vai ao encontro do patrimônio de afetação previsto pelo art. 31-A, caput, da lei 4.591/64.

Contudo, o próprio art. 833 prevê limites às regras de impenhorabilidade por meio de conceitos jurídicos indeterminados "Salvo de elevado valor" ou "ultrapassem as necessidades comuns", e critérios objetivos, situações em que deve prevalecer o interesse do devedor. Por isso, quando se trata de verba exequenda alimentícia flexibiliza-se a impenhorabilidade ante a necessidade de preservação da dignidade humano do próprio exequente (§ 2º). Noutro giro, quando a dívida tiver como fonte a aquisição do próprio bem, flexibiliza-se a impenhorabilidade para preservar o mercado (§ 1º), tendo em vista que o risco de execuções frustradas tolheria a circulação de bens e mercadorias ante a insegurança respectiva.

Com isso em mente, pode se dizer que a natureza jurídica do rol do art. 833 não é de restrição absoluta, guardando na própria lei exceções a sua aplicação, opinião que ostenta a doutrina de Luiz Fux1 . Em visão doutrinária divergente, Alexandre Câmara2  entende que o rol é absoluto em que pese não figurar o advérbio na letra da lei, sendo equivocada a flexibilização permitida pelo STJ, visto que qualquer alteração das regras de impenhorabilidade demandaria um procedimento legislativo, não jurisprudencial.

A divergência sobre a solidez dos casos de impenhorabilidade chegou ao STJ (Embargos de Divergência 1.874.222/DF) o qual, por meio da sua Corte especial fixou entendimento pela flexibilidade do rol das vedações de impenhorabilidade de valores inferiores a 50 salários-mínimos, mesmo que a verba exequenda não tenha natureza alimentar. No caso concreto, quando não houver outros bens aptos a satisfação da dívida, deve se verificar o quanto a penhora pretendida vai afetar a subsistência do executado, a fim de se preservar o mínimo existencial para este e seus dependentes, ao mesmo tempo que se protege a dignidade do exequente, representada na efetividade do processo executivo, independentemente da natureza jurídica da verba exequenda, que sendo alimentar, terá ainda mais relevância, como prevê o próprio art. 833, do CPC.

Esse entendimento flexível vai ao encontro com a principiologia do atual código de processo civil que fortaleceu o princípio da efetividade, como se depreende da exposição de motivos3. Contudo, sempre há o risco de excessos diante de decisões que permitam a penhora de verba impenhorável de modo a afetar o mínimo existencial. Por isso, urge que o legislador atue no sentido de modificar os critérios objetivos presentes no art. 833, com escopo de maior correspondência entre a situação da média salarial do brasileiro, sem perder de vista a louvável efetividade perquirida pelo atual CPC.

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1 Fux, Luiz. Curso de direito processual civil. - 6. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 798.

2 Câmara, Alexandre Freitas. Manual de direito processual civil  - 2. ed. - Barueri [SP]: Atlas, 2023. p. 755

3 "Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo." (Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 2015, pág. 22)

Bruno Brgança

VIP Bruno Brgança

Advogado. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em direito imobiliário pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Membro do Centro Para Estudos Empírico-Jurídicos (CEEJ)

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