Quarentena nas estatais
Estranho é o momento que estamos vivendo em termos de normalidade institucional, ou seja, um projeto legislativo em tramitação prevalece sobre a lei objeto de alteração parcial por chancela de um ministro do STF.
terça-feira, 12 de dezembro de 2023
Atualizado às 07:55
Tendo em vista a quebra da Petrobrás com o advento do episódio que ficou conhecido como "Petrolão", o presidente Michel Temer sancionou a lei 13.303 de 30 de junho de 2016, conhecida como Lei das Estatais, adotando medidas para fortalecer o compliance e a governança nas empresas do Estado (empresas públicas e sociedades de economia mista).
O art. 17 da Lei estabelece os seguintes requisitos mínimos para a indicação para os cargos de diretor e demais cargos nos seguintes termos:
"Art. 17. Os membros do Conselho de Administração e os indicados para os cargos de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretor-presidente, serão escolhidos entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento, devendo ser atendidos, alternativamente, um dos requisitos das alíneas "a", "b" e "c" do inciso I e, cumulativamente, os requisitos dos incisos II e III:
I - ter experiência profissional de, no mínimo:
a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou
b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos:
1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa;
2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;
3. cargo de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
c) 4 (quatro) anos de experiência como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista;
II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado; e
III - não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas do inciso I do caput do art. 1o da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar no 135, de 4 de junho de 2010."
O parágrafo 2º desse art. 17 vedou a indicação para o Conselho de Administração e para a Diretoria:
"I - de representante do órgão regulador ao qual a empresa pública ou a sociedade de economia mista está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo;
II - de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;
III - de pessoa que exerça cargo em organização sindical;
IV - de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a 3 (três) anos antes da data de nomeação;
V - de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade.
§ 3º A vedação prevista no inciso I do § 2º estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas."
Só que na calada da noite do dia 13 de dezembro de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou o PL 2896/22 reduzindo a quarentena de 36 meses para apenas 30 dias, mediante alteração dos arts 17 e 93 da lei 13.303/16.
Em 17 de março de 2023 o Ministro Ricardo Lewandowski, antes de deixar a Corte Maior, proferiu decisão monocrática na ADIn 7331 desobrigando a observância da quarentena de 36 meses.
Ou seja, antes mesmo da conversão do projeto legislativo aprovado pela Câmara em lei, a nova regra das estatais vem sendo aplicada.
Como o estatuto da Petrobrás, está de acordo com a lei vigente, lei 13.303/16, a Assembléia Geral da Petrobrás, realizada em 30 de novembro de 2023, aprovou, por maioria de 58%, a reforma estatutária para retirar a quarentena de 36 meses abrindo o caminho para o enfraquecimento do compliance e da governança nas empresas estatais.
O Presidente da Petrobrás declarou que essa proibição nem precisaria estar no estatuto da empresa, porque reflete a proibição legal que no seu entender não mais existe, apesar de o projeto legislativo aprovado pela Câmara não ter sido sancionado pelo Executivo.
O que existe até hoje é uma mera decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski com fundamento no projeto legislativo em tramitação.
Contudo, o Tribunal de Contas da União concedeu medida liminar para suspender a aplicação do estatuto na parte que eliminou a quarentena de 36 meses, no uso de suas atribuições constitucionais (art. 71 da CF).
Está com inteira razão o TCU, pois aquela decisão monocrática do ministro Lewandowski suspendendo a aplicação da quarentena de 36 meses precisa ser apreciada pelo Plenário do STF que deve guiar-se pela texto legislativo vigente.
Estranho é o momento que estamos vivendo em termos de normalidade institucional, ou seja, um projeto legislativo em tramitação prevalece sobre a lei objeto de alteração parcial por chancela de um ministro do STF. É a subversão do direito em todos os sentidos!
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.