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Solução de Consulta sobre ex-tarifário para bens usados ignora marco legal do regime e regra de competência

A Solução de Consulta Cosit 174 reacendeu a discussão sobre a importação de bens usados no regime de ex-tarifário, levantando questões legais sobre a viabilidade dessa prática, anteriormente debatida em 2019.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Atualizado às 10:51

O regime de ex-tarifário consiste na redução temporária da alíquota do imposto de importação de bens de capital - BK, de informática e telecomunicação - BIT, assim grafados na Tarifa Externa Comum do Mercosul - TEC, quando não houver a produção nacional equivalente. Com a publicação da Solução de Consulta Cosit 174, de 11 de agosto de 20231 uma discussão que permeou o ano de 2019 voltou à tona: a possibilidade de se importar bens usados sob o regime de ex-tarifário.

Sob esse contexto, o presente artigo discutirá, mediante o conceito do regime de ex-tarifário, bem como as decisões judiciais que permearam a sua regulamentação, até que ponto pode ser considerada legal a importação de bens usados sob o referido regime.

Para tanto, o presente artigo se dividirá em 3 partes: a exploração da definição e regulação do regime de ex-tarifário ao longo do tempo, a análise da Solução de Consulta Cosit 174/23, e quais as suas implicações atualmente.

Regulamentação ex-tarifário

O regime de ex-tarifário se caracteriza como instrumento excepcional e temporário de redução tarifária (ou seja, do imposto de importação) para importação de BK e BIT que não são produzidos nacionalmente.

Para a presente análise, pode-se considerar três grandes marcos temporais na regulamentação do regime ex-tarifário: antes, durante e após a vigência da Portaria ME 309/19. No entanto, antes de se passar a análise de cada uma das regulamentações, cabe apresentar ao leitor uma introdução ao regime, na lei interna brasileira e nas normativas do Mercosul.

O regime tem a intenção de promover a atração de investimentos no País, uma vez que desonera os aportes direcionados a estruturação ou renovação de plantas industriais. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços - MDIC a importância desse regime consiste em três pontos fundamentais2:

  • Viabiliza aumento de investimentos em BK e BIT que não possuam produção equivalente no Brasil;
  • Possibilita aumento da inovação por parte de empresas de diferentes segmentos da economia, com a incorporação de novas tecnologias inexistentes no Brasil, com reflexos na produtividade e na competitividade do setor produtivo.
  • Produz um efeito multiplicador de emprego e renda sobre segmentos diferenciados da economia nacional.

O regime foi consolidado por meio de decisão do Conselho de Mercado Comum - CMC do Mercosul-que reúne os líderes dos países membros do bloco-e sob uma perspectiva de exceção às regras da Tarifa Externa Comum - TEC, dando flexibilidade para que os membros pudessem reduzir as suas alíquotas de importação para a atração de investimentos.

Particularmente, o regime ex-tarifário foi instituído a partir da Decisão MERCOSUL/CMC/DEC 34/03, a qual estabeleceu no art. 1º do seu Anexo que:

Art. 1 - Se estabelece um Regime Comum de Importação de Bens de Capital novos, suas partes, peças e componentes, classificados nos códigos identificados como "BK" na Nomenclatura Comum do MERCOSUL, não produzidos nos Estados Partes do MERCOSUL. 

Desde então o regime foi internalizado pelo Brasil e seus pares, bem como teve a sua vigência renovada por algumas vezes, sendo a atual vigência do próprio regime prevista para o ano de 2025.

Antes da Portaria ME 309/19 vigia a Resolução CAMEX 66/14, que além de estabelecer as regras procedimentais para a análise dos pedidos, também definia claramente o escopo de aplicação da redução tarifária imposta pelo regime, por meio do seu art. 1º, §3º:

Art. 1º A redução da alíquota do Imposto de Importação de BK, de BIT, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na TEC como BK ou BIT, poderá ser concedida na condição de Ex-tarifário, em conformidade com os requisitos e procedimentos estabelecidos nesta Resolução.

[...]

§3º A redução da alíquota do Imposto de Importação prevista no caput poderá ser concedida, exclusivamente, para bens novos.

Já a Portaria ME 309/19, publicada no Diário Oficial da União - DOU em 26 de junho de 2019, retirou a exclusividade do regime para bens novos, restringindo a concessão do ex-tarifário apenas aos "sistemas integrados" e às autopeças sem produção nacional, vez que possuem instituto próprio:

Art. 1º A redução da alíquota do Imposto de Importação de Bens de Capital, de Informática e de Telecomunicações, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na TEC como BK ou BIT, poderá ser concedida na condição de Ex-tarifário, em conformidade com os requisitos e procedimentos estabelecidos nesta Portaria.

(.)

§ 2º A redução da alíquota do Imposto de Importação prevista no caput não será aplicável para "sistemas integrados".

§ 3º A redução da alíquota do Imposto de Importação prevista no caput não poderá ser aplicável, ao amparo desta Portaria, às autopeças sem produção nacional, devendo os interessados, nesses casos, obedecerem aos requisitos e procedimentos definidos para a lista de autopeças constante dos anexos da Resolução 102, de 17 de dezembro de 2018, da Câmara de Comércio Exterior.

No entanto, em 30 de agosto de 2023, cerca de dois meses após a entrada em vigor da Portaria ME nº 309/2019, foi publicada a Portaria ME nº 324/2019, que regulamentou os arts. 13, 14 e 15 da portaria anterior.

Referida portaria estabeleceu em seu artigo 3º que os pleitos de concessão de ex-tarifário bens usados receberiam recomendação técnica de indeferimento, conforme artigo transcrito abaixo:

Art. 3º Receberão recomendação técnica de indeferimento os pleitos de concessão de ex-tarifário para bens usados.

Ou seja, na prática, a Portaria ME 324/19, tal como a Resolução CAMEX 66/14, proibiu a concessão do regime de ex-tarifário aos bens usados.

Porém, dado que essa proibição somente veio quase dois meses depois da vigência da nova regulamentação do regime, diversas dúvidas foram levantadas acerca dos pedidos de concessão que ocorreram entre a publicação da Portaria ME 309/19 e da Portaria ME 324/19.

Em outras palavras, seria possível importar BIT ou BK usados no interregno da Portaria ME 309/19 e Portaria ME 324/19?

Tal questão foi enfrentada pela Solução de Consulta Cosit 122/20, a qual será melhor detalhada na seção seguinte, mas que na prática entendia pela permissividade de importação de BIT ou BK usados sob o regime de ex-tarifário na vigência da Portaria ME 309/19.

No entanto, restou patente que após a Portaria ME 324/19 pleitos de ex-tarifário para bens usados não seriam aprovados.  

Após a mudança do governo federal em 2023, houve a publicação no DOU de 18 de agosto de 2023 da nova regulamentação do regime de ex-tarifário mediante a Resolução GECEX 512/23. Tal resolução alterou novamente os parâmetros para concessão do ex-tarifário.

Agora, com o novo rito, a restrição para concessão do regime não só manteve a restrição do regime para bens novos (excluindo-se os bens usados), como também se excluiu de seu escopo bens de consumo, sistemas integrados e autopeças sem produção nacional, conforme arts. 2º e 18º, transcritos abaixo:

Art. 2º A redução da alíquota do Imposto de Importação de Bens de Capital, de Informática e de Telecomunicações, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na Tarifa Externa Comum - TEC como BK ou BIT, poderá ser concedida na condição de ex-tarifário, em conformidade com os requisitos e procedimentos estabelecidos nesta Resolução.

§ 1º A redução de alíquotas de Imposto de Importação de que trata esta Resolução é concedida aos bens propriamente ditos, e não a requerentes determinados.

§ 2º A redução da alíquota do Imposto de importação prevista no caput não se aplica a:

  1. sistemas integrados;
  2. bens usados;
  3. bens de consumo; [...] (g.n.)

Art. 18. Serão indeferidos pela Secretaria de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio, Serviços, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços os pleitos de concessão de Ex-tarifário:

  1. quando comprovada a existência de produção nacional de bem equivalente;
  2. quando se referirem a bens usados ou a BIT bens de consumo; ou [...] (g.n.)

Portanto, com a nova Resolução restou mantida a proibição de concessão de regime ex-tarifário para bens usados.

Além disso, a portaria anterior previa outros aspectos que poderiam ser observados pela SDIC ao elaborar os pareceres relativos aos pleitos. Porém, com a nova norma, esses requisitos passaram a ser necessariamente observados para apuração de produção nacional, sendo eles:

  • isonomia com bens produzidos no Brasil, inclusive quanto ao atendimento às leis e regulamentos técnicos e de segurança;
  • investimentos em andamento para a produção nacional de bens equivalentes;
  • capacidade de produção nacional de bens equivalentes; e
  • políticas públicas e medidas específicas destinadas a promover o desenvolvimento industrial.

Destaca-se que a maioria das mudanças trazidas pela Resolução Gecex 512/23 visam diminuir a quantidade de ex-tarifários vigentes, mostrando verdadeiro compromisso com a proteção da indústria doméstica e com o desenvolvimento industrial do país.

O que diz a Solução de Consulta Cosit 174/23

No dia 18 de setembro de 2023, publicou-se no DOU a Solução de Consulta Cosit 174/23, que se detinha a responder se a utilização do regime de ex-tarifário se daria somente para incorporação de bem (BIT ou BK) em ativo imobilizado, ou se poderia ser também utilizado para importação para revenda.

Durante a análise do questionamento, a RFB analisou, ainda, a aplicabilidade do regime para bens novos ou usados, conforme, inclusive, está resumido em sua ementa:

Assunto: Imposto sobre a Importação - II

IMPORTAÇÃO DE BENS DE CAPITAL. EX-TARIFÁRIO. BENS NOVOS E USADOS. INCORPORAÇÃO AO ATIVO IMOBILIZADO. REVENDA.

A redução da alíquota do imposto de importação resultante de ex-tarifário concedido nos termos da Portaria ME 309/19, dentro do prazo de vigência do ato concessório, é aplicável tanto à importação de bens novos quanto de usados, sejam eles destinados a compor o ativo imobilizado da empresa importadora ou revendidos.

Dispositivos Legais: lei 3.244/57, art. 4º; decreto 11.428/23, art. 6º, inciso IV; Portaria ME 309/19, e Portaria 324/19, da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação. (g.n.)

Insta destacar que o fundamento de tal decisão sobre a importação de bens usados partiu da Solução de Consulta Cosit 122/20, a qual trouxe como pilar fundamental a lei 3.244/57, que dispõe sobre a reforma da tarifa das alfândegas e dá outras providências, dentre as quais a possibilidade de isenção total ou parcial do imposto de importação na ocasião de não existir "[...] produção nacional de matéria-prima e de qualquer produto de base, ou a produção nacional desses bens for insuficiente para atender ao consumo interno [...]", conforme art. 4° da referida lei.

Além disso, a RFB se pautou na alteração da norma nacional relativa ao ex-tarifário, quando da sucessão da Resolução Camex 66/14, pela Portaria ME 309/19, observou-se que não mais constaria como requisito à concessão do ex-tarifário que o bem importado seja novo, abrindo-se, portanto, em teoria, a possibilidade de importação de bens usados mediante regime de ex-tarifário.

Tal entendimento perdurou até a publicação da Portaria ME 324/19, que vedou expressamente a importação de bens usados sob o regime de ex-tarifário.

Em relação ao questionamento principal da Solução de Consulta Cosit 174/23, sobre a possibilidade de utilização do regime de ex-tarifário para importação de bem para revenda, a referida solução aduz que "[...] não se vislumbra, nas disposições legais e normativas antes referidas, nenhuma norma condicionando a aplicação do ex- tarifário ao destino que será dado ao bem: se revenda ou integração ao ativo imobilizado", e complementa:

[...] pode-se afirmar que, para os fins da legislação do imposto de importação, os bens de capital, novos ou usados, importados com redução de alíquota do imposto de importação em razão de ex-tarifário a eles concedidos, que correspondam integralmente à descrição constante do ex-tarifário outorgado nos termos da Portaria ME nº 309, de 2019, e desde que o ato de concessão do regime de ex-tarifário esteja vigente, podem ser objeto de revenda.

Portanto, sob a nova Solução de Consulta resta patente que o entendimento da RFB é que na vigência da Portaria ME 309/19, a importação de bens usados sob o benefício do regime de ex-tarifário era possível.

No entanto, conforme se analisará adiante, tal entendimento não tem razão de ser, uma vez que uma análise mais atenta à matriz legal do regime de ex-tarifário é suficiente para formar entendimento diverso.

O que entendemos sobre a utilização de ex-tarifários para bens usados

O ponto de partida desta análise sobre a Solução de Consulta poderia ser a comparação entre as normas que regulamentam o regime de ex-tarifário, perpassando-se a Resolução Camex 66/14, a Portaria ME 309/19, a Portaria ME 324/19 e a Resolução GECEX 512/23, a fim de identificar quais seriam as restrições para a utilização do regime para importação de bens usados.

Nesse sentido, uma análise estrita e literal dessas normas, e à luz da lei 3.244/57, conduziria ao reconhecimento de que na vigência da Resolução Camex 66/14 havia vedação expressa à importação de bens usados, que não mais subsistiu durante a vigência da Portaria ME 309/19 e foi reinserida na Portaria ME 324/19, bem como mantida na Resolução GECEX 512/23.

Seria possível, inclusive, realizar exercício argumentativo no sentido de dizer que as vedações à concessão de ex-tarifário para bens usados seria ilegal, porquanto se trate de restrição criada por norma infralegal sem que a lei 3.244/57 haja disposto de qualquer forma sobre essa restrição, ou mesmo delegado ao Poder Executivo competência para fazê-lo.

Não obstante, o nosso entendimento é que uma análise tão somente dessas normas desconsidera a legislação que, de fato, incorporou o regime de ex-tarifário ao ordenamento jurídico brasileiro: decreto 5.078, de 11 de maio de 2004, que executa o 48° Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica 18 do Mercosul-e que, dentre outras medidas, cria o regime de ex-tarifário no Brasil mediante a incorporação da já mencionada Decisão MERCOSUL/CMC/DEC 34/03.

E não poderiam o legislador ou a Administração Pública brasileira negar vigência ao art. 1º do Anexo da referida Decisão, que é taxativo no sentido de estabelecer "um Regime Comum de Importação de Bens de Capital novos, suas partes, peças e componentes, classificados nos códigos identificados como "BK" na Nomenclatura Comum do MERCOSUL, não produzidos nos Estados Partes do MERCOSUL".

Portanto, a interpretação correta é que, mesmo na ausência de menção específica a item novo ou permissão expressa de importação de bem usado, o arcabouço legal que regula e regulamenta o regime de ex-tarifário no Brasil-e no Mercosul-veda expressamente a importação de bens usados ao amparo do regime.

Assim, entendemos que nem mesmo no interregno entre a Portaria ME 309/19 e a Portaria ME 324/19, houve qualquer permissão legal para importação de bens usados ao amparo do regime. Destaca-se que a própria fundamentação das Soluções de Consulta sobre este tema silenciam completamente sobre o decreto 5.078/04.

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1 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Solução de Consulta Cosit nº 174, de 11 de agosto de 2023. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 754, 18 set. 2023. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=133460. Acesso em: 8 out. 2023.

2 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS. O que é o Ex-tarifário. Brasília, 28 jan. 2016. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/competitividade-industrial/ex-tarifario/o-que-e-o-ex-tarifario. Acesso em: 30 set. 2023.

Pedro Passos

Pedro Passos

Advogado na Barral, Parente e Pinheiro Advogados.

Eduardo Blom

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Advogado na Barral, Parente e Pinheiro Advogados.

Celso Figueiredo

Celso Figueiredo

Advogado na Barral, Parente e Pinheiro Advogados.

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