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Acesso a medicamento: a garantia do direito social à assistência farmacêutica junto ao plano de saúde

Os direitos que o paciente pode reivindicar junto ao seu plano de saúde quando o médico prescrever determinado medicamento.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:36

De início, entende-se por assistência farmacêutica o conjunto de ações e de serviços que visem a assegurar a assistência terapêutica integral e a promoção, a proteção e a recuperação da saúde nos estabelecimentos públicos e privados que desempenhem atividades farmacêuticas, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao seu acesso e ao seu uso racional.

Esta é a redação do art. 2º da lei 13.021/14, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas.

Partindo dessa premissa, tem que o acesso a medicamentos essenciais é um dos pilares fundamentais do direito social à saúde, assegurado pela Constituição Federal de 1988.

A saúde é um direito constitucional de todo cidadão sendo responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não excluindo nesta esfera os beneficiários de planos de saúde.

A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, traz as regras que devem ser observadas pelas operadoras e os limites em relação à responsabilidade pelo custo de tratamentos, sendo a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é responsável por regulamentar temas não abrangidos pela legislação.

De acordo com a lei, a obrigatoriedade de cobertura a medicamentos se dá em casos específicos:

  1. durante a internação hospitalar do beneficiário;
  2. na quimioterapia oncológica ambulatorial;
  3. no caso de medicamentos antineoplásicos orais para uso domiciliar;
  4. medicamentos para o controle de efeitos adversos;
  5. medicamentos adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplásico oral e/ou venoso.

Contudo, na citada lei há disposição (art. 10) sobre a obrigatoriedade de cobertura de tratamento pelo plano de saúde de toda e qualquer doença listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID.

Ainda, a mesma lei disciplina que a assistência à saúde prevista na norma compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e a recuperação, manutenção e reabilitação da saúde. 

Ou seja, em sendo a doença coberta, o tratamento deve ser coberto pelo plano de saúde, até mesmo no que diz respeito ao fornecimento do medicamento prescrito pelo médico.

Feitas essas considerações, este artigo tem como objetivo orientar sobre direitos em relação ao acesso a medicamentos junto aos planos de saúde, por meio da assistência farmacêutica.

O direito social à assistência farmacêutica no plano de saúde

Como é de conhecimento, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Assim, a Constituição obriga o Estado brasileiro a perseguir um modelo de atenção à saúde capaz de oferecer acesso universal ao melhor e mais diversificado elenco de ações e serviços de saúde que possa ser custeado para todos, igualmente, e para cada um, isoladamente, quando circunstâncias extraordinárias assim o exigirem.

Dessa maneira, o sistema de saúde brasileiro tem cobertura universal do sistema público e livre atuação da iniciativa privada, de modo que coube aos planos de saúde fornecerem a assistência à saúde de forma suplementar.

Nesse cenário, a saúde suplementar é, portanto, o conjunto ações e serviços desenvolvidos por operadoras de planos e seguros privados de assistência médica, sem qualquer vínculo com o SUS.

Ainda que sem vínculo com o sistema público de saúde, a saúde suplementar desenvolve suas atividades tendo como principal objetivo auxiliar na garantia do acesso da população a saúde, por meio do uso do plano de saúde.

Assim, se no âmbito da saúde pública a assistência farmacêutica engloba um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial, o mesmo há de ocorrer na saúde suplementar.

Tanto assim é que a lei 9.656/98, a lei dos planos de saúde, trouxe como premissa que  a assistência prevista na Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde. 

É a redação do art. 35-F da lei 9.656/98.

No mais, o art. 8º da Resolução Normativa da ANS 465/21 assegura os medicamentos possuem cobertura obrigatória se houver indicação do profissional assistente:

Art. 8º  Nos procedimentos e eventos previstos nesta Resolução Normativa e seus Anexos, se houver indicação do profissional assistente, na forma do artigo 6º, §1º, respeitando-se os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde, fica assegurada a cobertura para:

(...)

III - taxas, materiais, contrastes, medicamentos, e demais insumos necessários para sua realização, desde que estejam regularizados e/ou registrados e suas indicações constem da bula/manual perante a ANVISA ou disponibilizado pelo fabricante.

 Neste contexto, observa-se que se encontra inserido na saúde suplementar a assistência farmacêutica, por meio de conjunto de ações e de serviços que visem a assegurar a assistência terapêutica integral e a promoção, a proteção e a recuperação da saúde nos estabelecimentos públicos e privados.

Do exposto, negar determinado medicamento é, por consequência, negar o direito social à assistência farmacêutica, e mais, é negar a própria existência contratual da assistência à saúde firmada entre usuário e plano de saúde.

As operadoras de planos de saúde funcionam como garantidoras do Estado no que diz respeito ao acesso à saúde, tendo o dever de zelar pela norma constitucional de direito à saúde.

A garantia do acesso à saúde, a toda evidência, é a garantia do próprio direito à vida, como assegura o artigo 5º da Constituição Federal, de modo que a atuação subsidiária das entidades privadas na efetivação de políticas de saúde abre possiblidades à consecução exitosa do direito fundamental à saúde.

Quando se trata de negativa de fornecimento de medicamento ao argumento de ausência no Rol da ANS.

O fundamento mais comum utilizado pelos planos de saúde para negar o fornecimento de determinado medicamento é da ausência de previsão no Rol da ANS.

Esclarece, de início, que Rol de procedimentos e eventos em saúde é uma lista de consultas, exames, cirurgias e tratamentos que os planos de saúde são obrigados a oferecer, conforme cada tipo de plano de saúde - ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência ou odontológico.

Entretanto, ainda que um determinando tratamento ou medicamento não conste no rol, se houver indicação médica justificando a necessidade do uso da medicação, o plano não pode negar a cobertura.

Isso porque, o § 12 do art. 10 da lei 9.656/98, incluído pela lei 14.454/22, estabelece que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, não sendo, portanto, taxativo.

A alteração promovida pela lei 14.454/22, ao incluir os § 12 e § 13 ao art. 10 da lei 9.656/98, estabeleceu critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quais sejam:

  • comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
  • recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec); ou
  • exista recomendação de, no mínimo, 1 órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Sendo que, na grande maioria dos casos, quando o médico prescreve determinado tratamento medicamentoso, via de regra há o preenchimento desses requisitos, quer seja pela comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde ou quer seja pela recomendação de, no mínimo, 1 órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional.

E assim sendo, mesmo que não previsto no rol da ANS, nasce assim o dever de cobertura pelo plano de saúde.

Reforça todo o dito o enunciado do Conselho Nacional de Justiça, no FONAJUS:

ENUNCIADO Nº 73 A ausência do nome do medicamento, procedimento ou tratamento no rol de procedimentos criado pela Resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e suas atualizações, não implica em exclusão tácita da cobertura contratual.

Desse modo, o fato de estar ou não no Rol da ANS não é único fator a se considerar quanto ao dever de cobertura pelo plano de saúde.

Quando se trata de negativa de fornecimento de medicamento ao argumento que se trata de uso domiciliar

Os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde.

Por certo, a cobertura do plano de saúde não é universal, sendo autorizada a restrição de cobertura de determinadas doenças ou procedimentos.

Contudo, em certos casos, não é razoável e revela-se abusivo limitar a realização de determinado tratamento ao argumento de se tratar de uso domiciliar quando a doença possui cobertura contratual.

É comum as operadoras de saúde negarem o fornecimento da medicação para ao argumento que se trata de uso domiciliar, o que é excluído de sua obrigação consoante o disposto no artigo 10, inciso VI da Lei 9656/98.

De início, como de igual modo há o disposto no artigo 10, inciso VI da lei 9656/98, também há o disposto no artigo 35-F do mesmo diploma.

Assim, na ponderação das normas, prevalece a que mais beneficia o consumidor, a luz do disposto no Código de Defesa do Consumidor:

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

No mais, é sedimentado que havendo cobertura para determinada enfermidade, não se mostra razoável a exclusão do seu tratamento, o que inclui a assistência farmacêutica necessária.

Por certo, a assistência à saúde que alude o art. 1o da lei dos planos de saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, o que nos leva ao entendimento que o fornecimento de medicamentos para tratar a doença constitui uma das forma de assegurar essa assistência.

Isso é o que disciplina o artigo 35-F da lei dos planos de saúde:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1o desta lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta lei e do contrato firmado entre as partes.

A saúde suplementar cumpre propósitos traçados em regras legais e infralegais. Assim sendo, não se limita ao tratamento de enfermidades, mas também atua na relevante prevenção.

A exclusão da cobertura do produto farmacológico nacionalizado e indicado pelo médico assistente para o tratamento da enfermidade significaria negar a própria essência do tratamento, desvirtuando a finalidade do contrato de assistência à saúde.

Nesse sentido os tribunais brasileiros:

Diabetes Mellitus tipo 1. Prescrição médica acerca da necessidade tratamento com Bomba de insulina. Negativa de cobertura sob a alegação de que se trata de tratamento domiciliar e não previsto no rol de procedimentos da ANS. Recusa abusiva. Doença de cobertura obrigatória. Ausência de demonstração, pelo plano de saúde, acerca da existência de outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol para o tratamento do paciente. Insumos (sensor e insulina) indispensáveis ao tratamento. Cobertura obrigatória. (...). (TJ/SP - AC: 10231962420208260602 Sorocaba, Relator: Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Data de Julgamento: 19/7/23, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/7/23)

Portanto, a negativa, por si só, de tratar de medicamento de uso domiciliar, não retira o dever de cobertura pelo plano de saúde, sendo, portanto, exigível que o paciente tenha a assistência à saúde assegurada.

O que é recomendável constar na prescrição médica

No relatório médico a ser enviado ao plano de saúde é orientado constar obrigatoriamente:

  1. o objetivo na realização do tratamento
  2. quadro clínico no paciente
  3. histórico clínico do paciente com a descrição de todos tratamentos antes realizados
  4. a imprescindibilidade na realização do tratamento
  5. a urgência/emergência na realização
  6. o risco de não realização
  7. a inexistência de substituto terapêutico
  8. a comprovação de eficácia de uso segundo a literatura médica.
  9. orçamento

A orientação acima se dá baseado no enunciado de Direito da Saúde do CNJ:

ENUNCIADO Nº 15 As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira - DCB ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional - DCI, o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante a justificativa técnica.

E mais:

ENUNCIADO Nº 67 As informações constantes do receituário médico, para propositura de ação judicial, devem ser claras e adequadas ao entendimento do paciente, em letra legível, discriminando a enfermidade pelo nome e não somente por seu código na Classificação Internacional de Doenças - CID, assim como a terapêutica e a denominação genérica do medicamento prescrito.

O entendimento do judiciário acerca do fornecimento de medicamentos pelo plano de saúde

O entendimento firmado pelo judiciário é no sentido de que, embora as operadoras de planos de saúde possam, com alguma liberdade, limitar a cobertura, a definição do tratamento a ser prestado cabe ao profissional de saúde, de modo que, se o mal está acobertado pelo contrato, não pode o plano de saúde limitar o procedimento terapêutico adequado.

STJ: Em diversos julgados, o STJ tem reiterado que os planos de saúde não podem se eximir de fornecer medicamentos prescritos pelo médico, desde que haja previsão contratual para tal. Mesmo que o medicamento não conste no rol da ANS, se a prescrição for fundamentada e atender à necessidade do paciente, o plano deve fornecê-lo. 

TJ/SP: O TJ/SP já decidiu que a recusa de cobertura de medicamentos prescritos pelo médico é abusiva, violando a finalidade do contrato de plano de saúde. A decisão também ressalta a responsabilidade das operadoras em garantir a saúde do beneficiário.

TJ/RJ: Em casos de recusa de cobertura, o TJ/RJ tem entendido que o paciente não pode ser prejudicado pela exclusão de determinado medicamento do rol da ANS. A decisão destaca que a negativa deve ser fundamentada e pautada na análise da necessidade médica do paciente.

TJ/DFT: O entendimento é que se deve compreender que a garantia constitucional à saúde é de importância ímpar, visto que está intrinsecamente relacionada ao bem maior protegido pelo direito, que é a vida. Por isso, as operadoras não podem impor limitações que descaracterizem a finalidade do contrato de plano de saúde. Dessa forma, a negativa de cobertura configura ato ilícito (de fundo contratual) por parte da operadora do plano de saúde, razão pela qual a tutela concedida foi confirmada pelo magistrado.

Conclusão

A cobertura obrigatória da assistência suplementar à saúde abrange, caso haja indicação clínica, os insumos necessários para a realização de procedimentos cobertos, incluídos os medicamentos, sobretudo os registrados ou regularizados na ANVISA, imprescindíveis para a boa recuperação terapêutica do usuário. (arts. 35-F da lei 9.656/98 e 6º, § 3º, 8º, III da RN 465/21 da ANS).

Aline Vasconcelos

VIP Aline Vasconcelos

Advogada especialista em Saúde Suplementar, com atuação há 15 anos em assessorias de empresas e na defesa de beneficiários em questões relacionadas a planos de saúde.

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