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Novos paradigmas estabelecidos pela ADPF 828 para as desocupações coletivas

O direito à moradia é reconhecido em diversos instrumentos internacionais e na Constituição Federal como um direito social fundamental. Embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, durante a pandemia, o modelo "Housing First" ganhou destaque ao enfatizar que o acesso a uma moradia digna é fundamental para garantir outros direitos.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Atualizado às 10:37

INTRODUÇÃO

O direito à moradia consta expresso em diversos diplomas internacionais, tais como o art. 25.1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 11.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Resolução n. 4 da ONU, entre outros.

No âmbito nacional, consta expresso na Constituição Federal, em seu art. 6°, tratando-se de um direito social e, portanto, de um direito fundamental.

É certo que a doutrina constitucional não hierarquiza os direitos fundamentais, não existindo, ao menos abstratamente, um direito fundamental superior ao outro, devendo-se utilizar a técnica da ponderação, em caso de conflitos entre direitos fundamentais no caso concreto.

Apesar desse consenso, com o surto pandêmico, o necessário isolamento e a imprescindível campanha do "Fique em Casa", ganhou força o modelo "Housing First", de origem estadunidense, que surgiu na década de 901, e que se trata de "uma inovação relativamente recente em políticas públicas e serviços sociais para pessoas em situação de rua (...)2", a qual parte da premissa de que o acesso à moradia digna é pressuposto básica para o acesso aos demais direitos.

E isso ficou evidenciado com a pandemia de Covid-19: como exigir que pessoas em situação de rua praticassem o isolamento? Como exigir que famílias inteiras ficassem confinadas em casas de único cômodo, como ocorre com frequência nas favelas e comunidades?

É sabido que, por força da separação dos poderes, a política urbana é matéria do Poder Executivo, sendo este o Poder responsável por garantir acesso à moradia digna a todos. Sabe-se, também que, apesar disso, o Poder Executivo brasileiro, em geral, é ineficiente e não cumpre com tal dever, o que justifica a atuação do Poder Judiciário, sobretudo em situações extremas, como foi durante o auge da pandemia e no período pós-pandêmico, haja vista a crise sanitária, econômica e social vivenciada no Brasil em decorrência da Covid-19, agravada pela irresponsável gestão à época.

Em razão disso, o STF, provocado através da propositura da Arguição de Descumprimento de Poder Fundamental - ADPF n. 828 pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSOL e Outros, determinou a suspensão dos despejos coletivos durante a pandemia de Covid-19, mantendo dessa forma até 31 de outubro de 2022, estabelecendo um regime de transição após o escoamento desse prazo.

O objetivo desse artigo é, justamente, analisar os novos parâmetros trazidos por esse regime transitório. Para tanto, far-se-á um breve resumo sobre o instrumento da ADPF em si; após, serão trazidas as hipóteses autorizativas de intervenção do Poder Judiciário junto às políticas públicas, fixadas na ADPF 45; por fim, será feito um resumo da ADPF 828, trazendo-se ao trabalho os parâmetros então fixados para os conflitos coletivos de moradia, seguido de uma breve conclusão.

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL:

A ADPF é uma espécie de ação que visa ao controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, sendo abstrato por não se referir a um caso concreto, e concentrado em razão de a competência para julgá-lo ser do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, §1°, CF.

De acordo com a lei que regulamenta a ADPF - lei Federal 9882/99 - o objetivo desta ação é "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público3". Ainda, o inciso I, do parágrafo único, do art. 1° dessa lei, dispõe expressamente que também será cabível ADPF "quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição", tem, em verdade, caráter residual, pois a ADPF somente pode ser proposta quando incabível as demais ações objetivas (ADI, ADC e ADO) e é a única dentre elas que pode ser utilizada para fins de controle de lei municipal4 e de lei anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, o que evidencia a sua subsidiariedade.

Nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes, entende por "(...) "preceitos fundamentais englobam os direitos e garantias fundamentais da Constituição, bem como os fundamentos e objetivos fundamentais da República, de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais"5.

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1 Disponível em: https://scielosp.org/article/physis/2021.v31n1/e310116/pt/. Acesso em 21 nov. 2023.

2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_Primeiro. Acesso em 21 nov. 2023.

3 Art. 1°, caput.

4 Quanto às leis municipais, é importante fazer a ressalva de que é cabível a propositura de ADI no âmbito estadual, cuja competência para julgamento é do respectivo Tribunal de Justiça, mas o parâmetro para o controle constitucional é a respectiva Constituição Estadual, podendo ser utilizada norma da Constituição Federal como parâmetro, desde que esta seja de reprodução obrigatória.

5 Cit. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/10/edicao-1/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental

Ariel Bianchi Rodrigues Alves

Ariel Bianchi Rodrigues Alves

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FDRP-USP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduado em Auditoria Governamental pela Universidade Estácio de Sá. Atuou como advogado cível e tributário entre 2016 e 2020. Exerceu cargo de Auditor de Controle Interno Municipal entre janeiro de 2020 e setembro de 2023. Atual servidor público do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e assistente de desembargador.

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