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Estado será obrigado a fornecer tratamento de custo milionário para criança com câncer

Justiça reconhece que é dever do Estado fornecer a uma criança o tratamento quimioterápico para Neuroblastoma, independentemente do valor envolvido.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Atualizado às 13:16

Em uma decisão marcante, o TJ/PE reiterou o dever legal do Estado em garantir tratamentos de saúde adequados a seus cidadãos, especialmente por meio do SUS. Essa determinação respalda a essência do acesso universal à saúde, consagrado na Constituição Federal, e reforça a responsabilidade do Estado em fornecer cuidados médicos cruciais para todos os indivíduos, independentemente de sua condição financeira.

Neste contexto, a justiça pernambucana foi acionada por uma família que estava em busca de tratamento para uma criança de apenas 5 anos de idade, que se trata de um Neuroblastoma na rede pública de saúde. O tratamento, bastante agressivo mas crucial para salvar a vida da menor, precisa ser feito com a ministração do medicamento Betadinutuximabe (Qarziba).

O Betadinutuximabe, embora reconhecido por sua eficácia no tratamento do Neuroblastoma, é uma terapia de alto custo - cujo ciclo de aplicação alcança valores superiores a R$ 3 milhões - e não está disponível nos serviços de saúde públicos. Diante dessa realidade, a família da criança buscou amparo na justiça para assegurar que o Estado cumpra com sua obrigação legal de prover o tratamento necessário. O caso, portanto, destaca a interseção entre o direito à saúde e a necessidade urgente de tratamento para condições graves.

Ao analisar o caso, o juiz do Núcleo de Justiça 4.0 de Saúde da Infância e Juventude do Recife ponderou que o laudo médico apresentado pela família da menor é claro, no sentido de que "a não realização do tratamento levará a criança a óbito", e que não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito das decisões médicas:

"Recorrendo-se ao princípio da universalidade e da dignidade da pessoa humana, considerando que o que se busca preservar é a vida digna, importante consignar que não cabe ao Poder Judiciário determinar qual tratamento deve ser dispensado aos pacientes, eis que cabe ao profissional de saúde que os assistem, sob sua inteira responsabilidade, avaliar e apontar qual o tratamento adequado a que deve ser submetido o enfermo, cabendo ao profissional competente (médico especializado) definir as diretrizes clínicas necessárias a fim de garantir qualidade de vida e condições de restabelecer a saúde do paciente, em razão de condições impostas de forma objetiva, estabelecendo o procedimento como melhor - e mais seguro - meio de solucionar o problema de saúde, sendo certo que tal indicação deverá ser compatibilizada com os mais atualizados estudos de eficácia medicamentosa, baseando-se, sobretudo, nos postulados da medicina por evidência, de modo a prestigiar a política pública em detrimento de procedimentos alternativos, quando aqueles disponibilizados nos protocolos clínicos sejam suficientes e indicados para a recuperação da saúde do enfermo."

Ademais, apontou que mesmo estando diante de um tratamento de altíssimo custo e que não é fornecido pelo SUS, "deve-se ponderar que limitações orçamentárias não podem eximir a responsabilidade do ente político em fornecer o tratamento de saúde que pode salvar a vida do cidadão", e complementa dizendo que:

"É dever do Estado zelar pela tutela do direito à saúde a todos os cidadãos, sendo oportuno ressaltar que a execução das políticas de saúde é feita pelo Sistema Único de Saúde - SUS, criado pela Lei 8.080/90, cujo art. 2º elucidou que a saúde é um direito fundamental do ser humano, incumbindo ao Estado prover as condições ao seu pleno exercício."

Por fim, em se tratando de colisão de direitos, o Tribunal entendeu que deve sempre prevalecer o direito à vida:

"Cabe ao estado (lato sensu) garantir, como fundamento da sua própria existência, a dignidade da pessoa humana, sendo este claramente o substrato do pedido autoral. (art. 1º, III da CF). Presente, portanto, a probabilidade do direito (fumus boni iuris). Quanto ao segundo requisito autorizativo da tutela antecipada, qual seja, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mostra-se cristalina a sua presença, o que presume a urgência e premência do tratamento. Ou seja, verifica-se a possibilidade, caso não seja deferida a medida, de sério risco à integridade física do postulante. Assim, presente, também, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), de modo que deve ser conferida primazia ao direito à manutenção da saúde da menor."

E assim, diante de tudo, reconheceu o dever do Estado de Pernambuco em fornecer a medicação em caráter de urgência, conforme:

"De acordo com a documentação médica acostada aos autos (ID. em regime de urgência), constato que a medicação prescrita é adequada e necessária ao tratamento da paciente, que, por sua vez, demonstrou a solicitação frustrada da medicação junto à Secretaria de Saúde (ID. 151329154), fato reconhecido pelo próprio requerido.

Em vista dos fatos apresentados, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o ESTADO DE PERNAMBUCO forneça/disponibilize à menor, no prazo de 5 dias a contar da intimação da presente decisão, o medicamento BETADINUTUXIMABE, nos termos da prescrição médica colacionada sob ID. 151329156. 

Em virtude da provisoriedade da presente medida judicial, a continuidade/prestação do tratamento está condicionada à apresentação periódica de relatório médico (laudo evolutivo e circunstanciado) sobre eventual progresso no estado de saúde da autora.

O não cumprimento da obrigação ora determinada importará no bloqueio, via SISBAJUD, dos valores necessários à aquisição do fármaco, de acordo com a prescrição médica, que deverá ser atualizada trimestralmente (após o efetivo início do cumprimento da obrigação / entrega da medicação)."

Portanto, a decisão do Tribunal foi fundamentada no entendimento de que a saúde é um direito fundamental, e a falta do medicamento comprometeria seriamente as chances de recuperação da criança. Portanto, o Estado de Pernambuco está agora compelido a disponibilizar o Betadinutuximabe conforme a prescrição médica, reafirmando o compromisso legal com a vida e o bem-estar dos cidadãos.

Essa determinação judicial destaca não apenas a importância do acesso a tratamentos especializados, mas também ressalta a necessidade de assegurar que o SUS cumpra seu papel fundamental na garantia do direito à saúde para todos os brasileiros. O caso reforça a importância do sistema jurídico em equilibrar o acesso universal à saúde e os recursos limitados do sistema público, visando sempre a preservação da vida e a promoção do bem-estar social.

Além disso, a decisão ressalta a urgência de uma revisão mais ampla das políticas de acesso a tratamentos de alto custo, visando garantir que, em situações semelhantes, os pacientes não se vejam compelidos a recorrer ao sistema judicial para garantir o acesso a medicamentos essenciais.

Esse caso específico destaca ainda a luta constante de famílias diante de doenças raras e a necessidade de um sistema de saúde mais ágil e adaptável às complexidades das condições médicas, especialmente quando se trata de crianças cujas vidas dependem da prontidão e eficiência do sistema de saúde pública.

Evilasio Tenorio

VIP Evilasio Tenorio

Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA - Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.

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