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O eSocial e a inexigência de multa de mora nas contribuições vinculadas a ações trabalhistas

O eSocial exige a multa de 20% sobre valores de condenações e acordos trabalhistas, baseado na lei 8.212/91, que estipula o recolhimento imediato das contribuições previdenciárias, independentemente do momento em que a empresa toma ciência da obrigação.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Atualizado às 08:32

O eSocial está parametrizado para exigir o recolhimento da multa de mora de 20% sobre o valor pago a título de condenações e acordos trabalhistas. Essa parametrização, ao que tudo indica, tem como base o que determina o §2º do artigo 43 da lei 8.212/91:

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. 

(...) § 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. (Incluído pela lei 11.941/09).

Ou seja, independentemente do momento em que a empresa tem ciência da obrigação do recolhimento das verbas requeridas pelo Reclamante, e cuja certeza e liquidez é dada por acordo ou pela decisão judicial trabalhista, a Receita Federal considera que são devidas as contribuições previdenciárias e de terceiros desde o momento da respectiva prestação de serviço.

O empregador, por sua vez, ao efetuar o lançamento dos valores de remuneração definidas como devidas no processo trabalhista, no eSocial, depara-se com a geração automática do valor acrescido da multa de mora no limite de 20% e juros SELIC.  

Entretanto, é bastante questionável a legalidade da exigência do acréscimo da multa de mora, considerando-se como devidas as contribuições desde a prestação do labor.

Isso porque não se trata de pagamento a destempo efetuado pelo empregador, que antes da Reclamatória ou não tinha ciência que devia valores ao Reclamante, ou não fez o pagamento das verbas no vencimento da respectiva obrigação.

Nesse caso, é defensável que a mora, tratando-se de pagamento no curso do processo trabalhista, somente ocorrerá após o decurso do prazo outorgado para pagamento da condenação ou do acordo trabalhista. Antes desse momento, não há base jurídica para a cobrança da multa moratória, incidente sobre o principal das contribuições, uma vez que não se trata de pagamento espontâneo e sim de recolhimento em decorrência de determinação judicial, com prazo fixado de cumprimento.

Sobre o momento da incidência da multa de mora, o TST já teve a oportunidade de consolidar o seu entendimento, consoante o item IV da Súmula TST nº 368, que dispõe:

IV - Considera-se fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de créditos trabalhistas reconhecidos ou homologados em juízo, para os serviços prestados até 4.3.2009, inclusive, o efetivo pagamento das verbas, configurando-se a mora a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação (art. 276, "caput", do decreto 3.048/99). Eficácia não retroativa da alteração legislativa promovida pela MP 449/08, posteriormente convertida na lei 11.941/09, que deu nova redação ao art. 43 da lei 8.212/91.

O posicionamento sumular dispõe que as contribuições previdenciárias devem ser calculadas com base na data em que o trabalho foi realizado, com acréscimo de juros de mora. Contudo, a multa moratória somente é devida a partir do exaurimento do prazo dado para pagamento, após a liquidação do valor devido, e se descumprida a obrigação.

Essa sistemática tem guarida no artigo 276 do decreto 3.048/91 (Regulamento da Previdência Social), cujo caput determina que nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Nessa hipótese, apesar do fato gerador das contribuições, vinculada à reclamatória trabalhistas, ocorrer na prestação do respectivo labor, o vencimento do tributo somente ocorrerá no dia dois do mês seguinte ao da respectiva liquidação judicial. Antes disso, não há mora por parte do empregador.

Reforça essa sistemática, o disposto no §4º do citado artigo que dispõe que contribuição do empregado no caso de ações trabalhistas será calculada, mês a mês, aplicando-se as alíquotas devidas, observado o limite máximo do salário-de-contribuição, mas sem determinar o acréscimo moratório, caso haja o pagamento no prazo estabelecido pelo seu caput.

Isso significa que as contribuições previdenciárias têm o seu fato gerador vinculado época em que o empregado prestou os serviços ao empregador, independentemente de quando ele recebeu os seus direitos trabalhistas. Contudo, o vencimento dessas contribuições, quando lançadas no curso do processo trabalhista, somente ocorre no prazo determinado pela Justiça do Trabalho. E o descumprimento desse prazo específico que determina a incidência da multa moratória.

Essa orientação é reforçada pelo item V da mesma súmula:

V - Para o labor realizado a partir de 5.3.2009, considera-se fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de créditos trabalhistas reconhecidos ou homologados em juízo a data da efetiva prestação dos serviços. Sobre as contribuições previdenciárias não recolhidas a partir da prestação dos serviços incidem juros de mora e, uma vez apurados os créditos previdenciários, aplica-se multa a partir do exaurimento do prazo de citação para pagamento, se descumprida a obrigação, observado o limite legal de 20% (art. 61, § 2º, da lei 9.430/96).

Se a decisão judicial trabalhista, no exercício da competência de constituição do crédito tributário, nos termos do §3º do artigo 114 da Constituição Federal, efetuou a liquidação do valor devido e, também, o das contribuições sem o acréscimo da multa de mora, caberia à União Federal questionar nos próprios autos. E, não, pretender através da parametrização do sistema eSocial coagir o contribuinte a declarar e recolher os valores de multa de mora.

Poder-se-á arguir, também, que se trata de uma espécie de denúncia espontânea, porque o contribuinte somente estará confessando a contribuição previdenciária naquele momento no eSocial, e efetuando o recolhimento da respectiva contribuição. Sendo que nos termos do artigo 138 do CTN não é devida a multa moratória. Mas a parametrização do eSocial também impede a aplicação do instituto da denúncia espontânea, restringindo o direito legalmente assegurado ao contribuinte.

Tendo em vista esse contexto, provavelmente restará aos contribuintes buscar junto ao Judiciário o seu direito de estarem dispensadas da obrigação de incluir no eSocial informações de condenações e acordos trabalhistas, até que a Receita Federal deixe de cobrar automaticamente, por meio do sistema, multa de 20% de mora sobre valores de contribuições sociais e previdenciárias. Bem como, o reconhecimento da ilegalidade da exigência dos valores da penalidade moratória.

Alessandro Mendes Cardoso

Alessandro Mendes Cardoso

Sócio do Rolim Goulart Cardoso Advogados. Doutor em Direito Público (PUC/MG) e Mestre em Direito Tributário (UFMG).

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