Revisão da vida toda: voto-vista do ministro Zanin nos embargos de declaração do INSS e modulação de efeitos
O STF retomou o julgamento dos embargos de declaração do INSS no processo da revisão da vida toda com a apresentação do voto-vista do Ministro Zanin, que determina o retorno do processo ao STJ.
quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Atualizado às 09:17
O julgamento dos embargos de declaração opostos pelo INSS no Tema 1102 da repercussão geral, onde foi consagrada a tese da revisão da vida toda, teve prosseguimento a partir do dia 23/11/23, com a disponibilização do voto-vista do Ministro Cristiano Zanin, que havia pedido vista tão logo apresentado o voto do Ministro Relator, Alexandre de Moraes.
O voto do Ministro Zanin apresenta 2 pontos cruciais: a) acolhe a alegação de que houve violação à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal) e, assim, determina o retorno do processo ao STJ, para novo julgamento; b) caso vencido no item referente à reserva de plenário, adota um terceiro modelo de modulação de efeitos da decisão proferida no Tema 1102, ainda mais restritivo que os anteriores já indicados nos votos dos Ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Analisaremos adiante estes dois pontos.
I. Alegação de violação à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal)
O artigo 97 da Constituição Federal estabelece a chamada cláusula de reserva de plenário para declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
No caso concreto, discute-se se a decisão proferida pelo STJ no Tema 999, onde se reconheceu a revisão da vida toda, estaria a afrontar esse dispositivo constitucional.
Para esse raciocínio, também se faz relevante trazer à baila a Súmula Vinculante 10, do STF:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
O Ministro Relator, Alexandre de Moraes, no que foi acompanhado pela Ministra Rosa Weber em sua antecipação de voto, consignou que não ocorreu violação à cláusula de reserva de plenário, contida no artigo 97 da Constituição Federal.
Com efeito, argumentou que o STJ não declarou inconstitucionalidade de norma jurídica, limitando-se à mera fixação de interpretação da legislação federal, o que não configura violação ao artigo 97 do Texto Constitucional, conforme jurisprudência assentada no STF.
O Ministro Zanin, por sua vez, adotou interpretação oposta.
Reconheceu, inicialmente, que no acórdão do Tema 1102 da repercussão geral houve omissão em relação à questão da alegada violação ao art. 97 da Constituição Federal, a qual reconheceu configurada.
Segundo o Ministro Zanin, no julgamento do Tema 999 o STJ, através de órgão fracionário (1ª Seção), declarou a inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da lei 9.786/99, ainda que não o tenha feito literalmente, mas a partir da tese de afastar a aplicação desses dispositivos legais.
Nestes termos, teria o STJ realizado, ainda que indiretamente, controle de constitucionalidade.
Conforme razões contidas em seu voto-vista, a omissão quanto à violação do art. 97 do Texto Constitucional já teria sido reconhecida pelos Ministros Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Por tudo isto, aplicou efeitos infringentes excepcionais ao julgamento dos embargos de declaração opostos pelo INSS, reconhecendo a violação ao art. 97 da Constituição Federal, determinando também o retorno dos autos ao STJ, para que ocorra novo julgamento da tese da revisão da vida toda, observada agora a cláusula de reserva de plenário.
O Ministro Barroso de imediato aderiu ao voto-vista, e agora se aguarda o prosseguimento do julgamento com os votos dos demais Ministros da Corte.
Com a devida vênia, não consideramos que este é o entendimento mais adequado ao caso em tela, tendo em vista, na mesma linha do que já decidido pelos Ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber, que o STJ não declarou inconstitucionalidade de norma jurídica, limitando-se à mera fixação de interpretação da legislação federal, o que não configuraria violação ao artigo 97 do Texto Constitucional, conforme iterativa jurisprudência do STF.
A adoção do entendimento desposado pelo Ministro Zanin pode acarretar enorme prejuízo aos aposentados, seja pelo simples prolongamento para o término do julgamento da tese da revisão da vida toda, seja pela possibilidade real da tese ser rechaçada em nova apuração no âmbito do STJ.
II. Modulação de efeitos e marco temporal
Caso vencido em seu entendimento sobre a violação da cláusula de reserva de plenário, o Ministro Zanin já indicou os termos pelos quais considera deva ocorrer a modulação de efeitos dos processos envolvendo a revisão da vida toda.
O Ministro Zanin divergiu parcialmente dos critérios de modulação de efeitos apontados anteriormente pelos Ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Apontou, como premissa de seu raciocínio, que houve, no julgamento do Tema 999 no STJ, e no Tema 1102, no STF, verdadeira viragem jurisprudencial, com alteração substancial do entendimento até então realizado na esfera judicial sobre o tema da revisão da vida toda.
Nesse sentido, indicou que a constitucionalidade dos artigos 2º e 3º, da lei 9.786/99, já havia sido declarada no âmbito da ADI 2.111/MC, cujo julgamento de mérito está por ser retomado e vai também nesse rumo da improcedência da ação, com manutenção da constitucionalidade daqueles dispositivos legais.
Diante desses parâmetros, estabeleceu como marco temporal para a aplicação da tese da revisão da vida toda a data da publicação da ata de julgamento do Tema 1102 pelo STF, ou seja, 13/12/22. Fixou a sua tese modulatória nos seguintes termos:
"por razão de segurança jurídica, na esteira dos arts. 926 e 927 do CPC, modular os efeitos da decisão, atribuindo efeitos ex nunc, a contar da publicação da ata de julgamento, qual seja, 13/12/22, sem qualquer ressalva, restando expressa a impossibilidade de (a) revisão de benefícios previdenciários já extintos; (b) rescisão das decisões transitadas em julgado que, à luz da jurisprudência dominante, negaram o direito à revisão, aplicando, porém, a cláusula rebus sic stantibus para as parcelas posteriores a 13/12/22, que devem ser corrigidas de acordo com a tese fixada neste processo; e (c) revisão e pagamento de parcelas dos benefícios quitadas à luz e ao tempo do entendimento então vigente, vedando-se por consequência o pagamento de parcelas pretéritas;"
Em síntese, vislumbra-se os seguintes dados de seu julgamento: a) marco temporal para os efeitos financeiros da revisão da vida toda a partir de 13/12/22; b) inexistência de ressalvas da modulação de efeitos para as ações em curso; c) impossibilidade de ações rescisórias relativas a decisões que negaram a aplicação da tese da revisão da vida toda, excetuados os efeitos financeiros a partir de 13/12/22 (item que não ficou suficientemente claro do voto-vista); d) exclusão dos benefícios extintos.
Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.