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O Código de Defesa do Consumidor não é aplicado na compra e venda de insumos agrícolas

Celso Umberto Luchesi e Priscila Télio

A posição que será defendida neste artigo é a de que as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor não se aplicam no caso de compra e venda de insumos agrícolas. Tal conclusão será suportada pela doutrina e também pela jurisprudência mais recente, especialmente do STJ.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Atualizado em 25 de maio de 2007 08:41


O Código de Defesa do Consumidor não é aplicado na compra e venda de insumos agrícolas

Celso Umberto Luchesi*

Priscila Télio*

A posição que será defendida neste artigo é a de que as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) não se aplicam no caso de compra e venda de insumos agrícolas. Tal conclusão será suportada pela doutrina e também pela jurisprudência mais recente, especialmente do STJ.

Para adentrar ao tema propriamente dito, é importante entender os conceitos jurídicos de fornecedor e consumidor.

O fornecedor de bens e/ou serviços está definido no artigo 3º do CDC, como toda a pessoa humana, jurídica ou entes despersonalizados que exercem uma atividade típica e profissional, mesmo que irregular, de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização, mediante a remuneração direta ou indireta, de serviços e/ou bens no mercado de consumo.

Não é considerado fornecedor, entretanto, aquela pessoa, física ou jurídica, que eventualmente aliena um bem ou preste um serviço sem caráter de habitualidade ou profissionalidade.

Vamos atentar agora para o conceito de consumidor.

O artigo 2º do CDC definiu o consumidor da seguinte forma: toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como "destinatário final".

Para muitos doutrinadores, o mencionado artigo 2º adotou de forma expressa o conceito econômico de consumidor.

Neste sentido, o Professor José Geraldo Brito Filomeno entende que: "o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata bens prestação de serviços como destinatário final, pressupondo-se que assim age para atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Ed. Forense, págs. 26/27).

Aprofundando este ponto, constatamos que existem duas grandes teorias acerca do tema, quais sejam: (i) maximalista e (ii) finalista.

Segundo a teoria maximalista, destinatário final é o destinatário fático do produto ou serviço, ou seja, aquele que o retira e o consome ou utiliza. Enfim, esta teoria dá uma interpretação ampla ao artigo 2º do CDC, pois não leva em conta a destinação econômica dada ao objeto.

Por outro lado, para a teoria finalista, consumidor é aquele que adquire ou utiliza o bem ou serviço e não repassa os custos de sua aquisição para terceiros. Portanto, neste caso o consumidor é visto como elo final da cadeia produtiva, pois adquire o bem ou serviço privativamente e não como intermediário.

Melhor explicando, consumidor é a pessoa que adquire o bem ou serviço como destinatário final fático e econômico. Então, destinatário final é aquele que retira o bem para simplesmente utilizá-lo e/ou consumi-lo e não aquele que adquire o bem para utilizar em algum tipo de processo produtivo.

Há controvérsia sobre a aplicação destas teorias em casos concretos. A nosso ver, a teoria correta para definir o consumidor é a finalista.

Isso porque, a teoria finalista é mais restrita e parte de um conceito econômico de consumidor. Ou seja, não basta ser o destinatário final fático do bem ou serviço, mas também o consumidor deve ser o destinatário final econômico.

O produto ou serviço não pode ser reutilizado ou fazer parte do processo produtivo, pois o consumidor não pode ser o profissional ou empresa que incorpora ou utiliza o produto ou serviço como parte de sua cadeia produtiva.

Por meio da aplicação desta teoria, a proteção do Código de Defesa do Consumidor se restringe apenas a pessoas vulneráveis que adquirem bens e/ou serviços como destinatários fáticos, ou seja, os verdadeiros consumidores, aqueles que realmente podem ser considerados como hipossuficientes e não agentes que adquirem um bem ou serviço para revender ou transformar em bem de produção.

Acreditamos que se admitirmos a teoria maximalista, estaríamos contrariando o objetivo maior do Código de Defesa do Consumidor, por meio dos artigos 2º e 4º, inciso I, que é a proteção do consumidor vulnerável e hipossuficiente.

No caso específico apontado no título deste artigo, a realidade aponta que excetuados os pequenos produtores dedicados à agricultura familiar e os que se dedicam à agricultura de subsistência, a atividade agrícola hoje em dia é altamente especializada. O grande produtor rural conta com tecnologia de ponta, planta mediante prévio planejamento e conta com assistência técnica especializada prestada por empresas de serviços gerenciadas por engenheiros agrônomos. Por esses motivos, o grande produtor rural, muitas vezes proprietário ou arrendatário de diversas áreas não pode ser considerado hipossuficiente na relação de consumo. Os insumos agrícolas não são utilizados pelos produtores rurais para o consumo próprio e sim para integração no processo produtivo. O resultado do trabalho na lavoura, ou seja, a colheita é vendida a terceiros. Em outras palavras, os insumos agrícolas são utilizados como "bem de produção".

O produtor, então, não é o destinatário final das mercadorias adquiridas pelas empresas fornecedoras de insumos agrícolas e, conseqüentemente, não é o verdadeiro consumidor.

Como já dito acima, para se distinguir quem é realmente consumidor em determinado negócio, há que se levar em consideração a figura do destinatário final da mercadoria. O destinatário final nada mais é do que aquele que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente ao utilizá-lo (destinatário final fático) ou aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico).

Não se pode dizer que é destinatário final aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ao contrário, está transformando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção.

No caso da produção agrícola, independente da cultura, ela necessita de terras, sementes, insumos agrícolas (fertilizantes, defensivos, herbicidas, entre outros), mão-de-obra, além de outros fatores para o desenvolvimento da atividade.

Os insumos adquiridos são essenciais para a viabilização da lavoura. São inseridos na cadeia de produção. O resultado da colheita é vendido a entrepostos, intermediários, indústrias e tradings.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, pacificou esta questão no sentido de que a compra e venda de insumos agrícolas não é relação de consumo. O acórdão foi proferido em sede de Conflito de Competência nº 64.524 pela Ministra Relatora Nancy Andrighi e publicado em 09/10/2006:

"Conflito positivo de competência. Medida cautelar de arresto de grãos de soja proposta no foro de eleição contratual. Expedição de carta precatória. Conflito suscitado pelo juízo deprecado, ao entendimento de que tal cláusula seria nula, porquanto existente relação de consumo. Contrato firmado entre empresa de insumos e grande produtor rural. Ausência de prejuízos à defesa pela manutenção do foro de eleição. Não configuração de relação de consumo - A jurisprudência atual do STJ reconhece a existência da relação de consumo apenas quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não na hipótese em que este é alocado na prática de outra atividade produtiva. - A jurisprudência do STJ entende. ainda que deva prevalecer o foro de eleição quando verificado o expressivo (porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora do contrato celebrado entre as partes. Conflito de competência conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 33ª VARA Cível DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP, suscitado, devendo o juízo suscitante cumprir a carta precatória por aquele expedida. (CONFLITO DE COMPETÊNCIA N° 64.524 - MT (2006/0123705-0) RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI EMENTA, DJ 09/10/2006)". (g.n.).

É importante destacar alguns trechos deste importante julgado:

b) Da existência de relação de consumo entre produtor rural e empresa fabricante de insumos agrícolas.

(...)

O levantamento histórico da jurisprudência do STJ demonstra que, até meados de 2004, a 3ª Turma tendia a adotar a posição maximalista, enquanto que a 4ª Turma tendia a seguir a corrente finalista, conforme levantamento transcrito no voto-vista que proferi no CC nº 41.056/SP, julgado pela 2ª Seção em 23.06.2004.

Entre os acórdãos da 3ª Turma ali citados, há dois que apresentam relevo para a presente hipótese.

O primeiro deles, o Resp nº 208.793/MT, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 01.08.2000, com base na teoria maximalista, entendeu existir relação de consumo entre produtor rural e empresa fornecedora de adubo, pois a utilização deste pelo agricultor representaria o fim da cadeia produtiva relativa ao fertilizante, nos termos da seguinte ementa:

(...)

Tais acórdãos são, claramente, fundados na teoria objetiva ou maximalista, pois levam em conta, apenas, a destinação final fática do produto ou serviço, e não sua destinação fática econômica, que, tanto na hipótese da compra do adubo, quanto na hipótese da compra de colheitadeira, é a de incrementar a atividade produtiva do agricultor.

Contudo, em 10.11.2004, a 2ª Seção, no julgamento do Resp nº 541.867/BA, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro (DJ de 16.05.2005), acabou por firmar entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista , em situação fática na qual se analisava a prestação de serviços de empresa administradora de cartão de crédito a estabelecimento comercial. Naquela oportunidade, ficou estabelecido que a facilidade relativa à oferta de meios de crédito eletrônico como forma de pagamento devia ser considerada um incremento da atividade empresarial, afastando, assim, a existência de destinação final do serviço.

(...)

Na presente hipótese, verifica-se que a empresa forneceu ao produtor rural 'diversos produtos', nos termos da petição de arresto a fls. 16/24, sendo que sua área de atuação é, especificamente, a de defensivos agrícolas (fls. 17).

Nesses termos, e adotando-se o entendimento atual da 2ª Seção que provocou a superação daqueles precedentes da 3ª Turma supra referidos, não há como se ter por configurada uma relação de consumo. Defensivos agrícolas guardam nítida relação de pertinência com a atividade agrícola direcionada ao plantio de soja, pois entram na cadeia de produção desta e contribuem diretamente para o sucesso ou insucesso da colheita como verdadeiros insumos.

(...)

Levando-se em conta que a função precípua do STJ é pacificar o entendimento a respeito da interpretação da Lei Federal, e em que pese minha ressalva pessoal, é de se ter por superados os precedentes da 3ª Turma que aplicavam, em relações jurídicas semelhantes à presente, a disciplina protetiva do CDC, em face do atual entendimento restritivo que vigora quanto à necessidade de destinação final fática e econômica do produto ou serviço.

(...)

Nesses termos, e adotando-se o entendimento atual da 2ª Seção que provocou a superação daqueles precedentes da 3ª Turma supra referidos, não há como se ter por configurada uma relação de consumo. Defensivos agrícolas guardam nítida relação de pertinência com a atividade agrícola direcionada ao plantio de soja, pois entram na cadeia de produção desta e contribuem diretamente para o sucesso ou insucesso da colheita como verdadeiros insumos .

Percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça adotou a teoria finalista, que leva em consideração a destinação econômica do produto. Isso porque, os defensivos agrícolas guardam nítida relação de pertinência com a atividade agrícola direcionada ao plantio, pois entram na cadeia de produção desta e contribuem diretamente para o sucesso ou insucesso da colheita como verdadeiros insumos.

Assim alcançamos o final de nossa exposição, concluindo que a compra e venda de insumos agrícolas não está regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, mas sim pelas regras previstas pelo Código Civil (artigos 481 e seguintes), que disciplinam o contrato de compra e venda.

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*Advogado(a) do escritório Luchesi Advogados






 

 

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