NLLC: vedação de "privatização às avessas"
O artigo 48 da NLLC aborda a confusão entre público e privado, exemplificando situações que regulam a moralidade e a livre iniciativa, impedindo práticas que desvirtuem o poder público. Estas regras visam evitar a apropriação indevida e a atuação disfarçada do setor público.
sexta-feira, 17 de novembro de 2023
Atualizado às 11:14
O artigo 48 da NLLC prevê hipóteses que seriam óbvias em países com grau civilizatório avançado mas relevantes e necessárias em acanhadas urbes onde a confusão público/privado viceja feito tiririca.
Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Gilberto Freyre (casa Grande e Senzala) continuam atuais como radiografias da promiscuidade sociológica de nosso país.
O rol de hipóteses do artigo do novo Códex Licitatório trata da confusão público/privado entre licitante e poder público. Não é possível interpretar-se que seria um rol exaustivo, mas sim um rol meramente exemplificativo já que a criatividade para a promiscuidade estatal não tem limites.
Em síntese, as 6 hipóteses exemplificativas do artigo 48 regulamentam o princípio da moralidade e, ainda, o princípio da livre iniciativa.
As regras preveem a vedação à "encampação" informal, bem como a figura do "controlador de fato" em que se transformaria o poder público não houvessem tais proibições.
As hipóteses visam vedar a "privatização às avessas", ou seja a utilização pessoal das empresas privadas por parte de administradores públicos de reduzida probidade administrativa e elevada sanha pecuniária.
O uso pessoal do (s) administrador (es) restaria configurado caso pudesse indicar pessoas como se a empresa foi sua (inciso I), pudesse amesquinhar pisos salariais, burlando o princípio da legalidade (inciso II) ou, ainda, pudesse contornar o princípio da necessidade de concurso público criando vínculo de fato com o empregado da empresa (inciso III).
A hipótese do inciso V trata da burla ao princípio da licitação, utilizando a empresa para objeto distinto da licitação ocorrida, prejudicando a livre concorrência já que outros licitantes sequer puderam participar da licitação camuflada em seu objeto real. Trata-se de "dissimulação licitatória" semelhante à regra do inciso III. Enquanto este último inciso contorna a regra do concurso o inciso IV coíbe contornar a regra da licitação.
Já os incisos IV e VI tratam das hipóteses de inversão da livre concorrência com a transferência de riscos para o poder público no inciso IV e "estatização branca" da gestão da empresa privada imiscuindo-se o poder público na esfera privada como se fosse pública.
Governos autoritários, de esquerda e de direita, sempre acenam para stalinismos e fascismos com intervenções inoportunas e demagógicas no mercado.
"Tabelamento de óleo diesel" ou sua oferta com subsídios são medidas já vistas em governos dos dois matizes ideológicos que apelam ao populismo e tentam "revogar" a lei da oferta e da procura tão passível de ser revogada quanto a lei da gravidade ou as leis físicas de Issac Newton.
Não é possível, por exemplo, limitar os lucros da empresa (hipótese não prevista expressamente no artigo 48) ou estabelecer critérios de gestão. Da mesma forma e seguindo a mesma lógica, não pode haver "blindagem" da empresa com a transferência pura e simples de seus salários para a administração pública que seria uma "seguradora de oscilações salariais".
Faz parte do risco do negócio a assunção de riscos com a consequente impossibilidade deste "seguro salarial" a ser prestado pelo Poder Público bem como da impossibilidade de limitação de lucros. As duas hipóteses decorrem do risco inerente ao negócio: lucros e prejuízos.
Tanto a intervenção stalinista de limitação de lucros quanto a socialização dos prejuízos são resquícios autoritários dos períodos coloniais e reminiscência do modelo "Casa Grande/Senzala" de gestão da coisa pública como se fosse coisa "privada" de alguns.
Sobre a impossibilidade de vinculação do salário pago pela licitante vencedora a jurisprudência sob a égide da moribunda lei de licitações já indicava sua vedação. Assim:
"Ementa: ORDINÁRIA - Contrato Administrativo - Dissídio Coletivo - Reajuste de salário - Fato que não pode ser considerado imprevisível, capaz de alterar o contrato, nos termos do art. 65 da lei 8.666/93 - Sentença reformada - Inversão do ônus da sucumbência e dos honorários advocatícios - Recurso provido" (Apelação 0169847-59.2007.8.26.0000, Relator: Peiretti de Godoy, Campinas, 13ª Câmara de Direito Público, data do julgamento: 5/8/09-grifos nossos).
No tema da vedação à interferência estatal na organização das atividades econômicas das empresas já decidiu o C. STF, na pena do ministro Luiz Fux (ADPF 449):
"O exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional." (grifos nossos).
As hipóteses de vedação ao "nepotismo transverso" não são novidades no sistema licitatório sendo mera reiteração mais detalhada do previsto no artigo 9ª da lei 8.666/93.
Outras hipóteses não previstas expressamente na NLLC seria a já citada limitação de lucros, a exigência de contratação de determinadas pessoas e outros exemplos que a criatividade "Macunaíma" não encontra limites nem mesmo no céu azul anil.
Prevê o mencionado texto legal:
"Art. 48. Poderão ser objeto de execução por terceiros as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou da entidade, vedado à Administração ou a seus agentes, na contratação do serviço terceirizado:
- indicar pessoas expressamente nominadas para executar direta ou indiretamente o objeto contratado;
- fixar salário inferior ao definido em lei ou em ato normativo a ser pago pelo contratado;
- estabelecer vínculo de subordinação com funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado;
- definir forma de pagamento mediante exclusivo reembolso dos salários pagos;
- demandar a funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado a execução de tarefas fora do escopo do objeto da contratação;
- prever em edital exigências que constituam intervenção indevida da Administração na gestão interna do contratado.
Parágrafo único. Durante a vigência do contrato, é vedado ao contratado contratar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de dirigente do órgão ou entidade contratante ou de agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação."
Em resumo: o artigo 48 da NLLC faz uma espécie de profilaxia às doenças sociológicas radiografadas por Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, prevendo hipóteses exemplificativas de comportamentos que dariam vida eterna à confusão entre público e privado.