A abusividade da negativa por parte do plano de saúde em cobrir tratamento de emergência alegando carência contratual
Os contratos de plano de saúde oferecem assistência médica, mas frequentemente incluem cláusulas de carência, estabelecendo um período de espera para o beneficiário utilizar certos procedimentos. A lei 9.656/98 permite a imposição de carências, com limites estabelecidos para evitar abusos pelas administradoras dos planos.
segunda-feira, 13 de novembro de 2023
Atualizado às 14:08
Os contratos de plano de saúde são uma forma de garantir assistência médica e hospitalar aos consumidores, proporcionando-lhes acesso a serviços de saúde de qualidade. No entanto, é comum que esses contratos contenham cláusulas de carência, estabelecendo um período de espera para que o beneficiário possa usufruir plenamente dos serviços oferecidos pelo plano.
A carência nos contratos de plano de saúde é o tempo que o beneficiário deve aguardar para poder utilizar determinados procedimentos médicos ou hospitalares. Essa cláusula é estabelecida com o objetivo de evitar o chamado "uso imediato" do plano, ou seja, a adesão de um indivíduo apenas quando necessita de um tratamento específico, sem contribuir financeiramente para o sistema.
A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, permite a estipulação de prazos de carência nos contratos de plano de saúde. No entanto, é importante ressaltar que essa permissão não é absoluta, pois a própria lei prevê limites máximos a serem observados pelas administradoras dos planos de saúde.
Quais são os limites que as cláusulas de carência devem observar?
Como mencionado, de acordo com a lei 9.656/98, existem limites para a aplicação da cláusula de carência nos contratos de plano de saúde.
Para partos a termo, excluídos os prematuros e decorrentes de complicações no processo gestacional, o prazo máximo de carência é de 300 dias. Já para doenças e lesões preexistentes, o prazo máximo é de 24 meses.
No entanto, é importante destacar que a legislação estabelece que nos casos de urgência e emergência, a cobertura deve ser oferecida a partir de 24 horas após a contratação do plano. Isso significa que, mesmo que exista uma cláusula de carência no contrato, nos casos de risco imediato à vida ou lesões irreparáveis, o beneficiário tem direito à cobertura desde o momento da contratação.
A abusividade da negativa em casos de urgência ou emergência sob o pretexto de carência contratual
A jurisprudência tem se posicionado de forma clara quanto à abusividade da cláusula de carência nos casos de urgência ou emergência. O STJ, por meio da súmula 597, estabeleceu que a cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nessas situações é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.
Essa posição do STJ está em consonância com os princípios consumeristas da boa-fé objetiva e função social dos contratos de seguro e assistência à saúde. Afinal, em situações de urgência ou emergência, a vida e a integridade física do beneficiário estão em risco iminente, não sendo razoável impor um período de espera para a utilização dos serviços de saúde.
Ocorre que, na prática, muitas operadoras tentam burlar esse posicionamento, na medida em que negam a cobertura do tratamento sustentando que não se trata de urgência ou emergência, ignorando as determinações médicas e, por vezes, chegando ao absurdo de sugerir o encaminhamento do paciente para o SUS, com o objetivo de se escusar de suas obrigações contratuais e legais.
De maneira errônea e totalmente de má-fé, alguns planos de saúde também tentam descontinuar o tratamento, alegando que a emergência ou urgência é voltada somente para o tratamento ambulatorial que não engloba cirurgias ou outros procedimentos decorrentes, o que configura um absurdo sem pretendentes já que é de fácil percepção chegar ao entendimento de que a não realização de qualquer procedimento cirúrgico decorrente de uma condição de emergência pode ser fatal e levar o paciente a óbito.
Para exemplificar esse tipo de situação, imagine que você contrate um plano de saúde, mas durante o período de carência sofre alguma comorbidade, como uma colecistite aguda, apendicite ou até um parto de urgência, e tenha que ser submetido a um tratamento médico-hospitalar emergencial, poderia o plano de saúde recusar uma cirurgia de urgência alegando que o tratamento emergencial se restringe a ministração de remédios para dor ou a realização de exames? óbvio que a resposta somente pode ser negativa, mas, por incrível que pareça, várias administradoras de plano de saúde negam atendimentos emergenciais dessa maneira.
Nesse ponto, faço uma crítica contundente a esse tipo de postura, pois ignorar recomendações médicas que indicam a urgência do tratamento se recusando a dar continuidade ao tratamento quando o paciente necessita realizar um procedimento mais complexo pode levar a perda de vidas, justamente o que a legislação acima mencionada buscou preservar ao estabelecer que a cobertura de tratamentos emergenciais deve ser oferecida a partir de 24 horas.
O que fazer diante da recusa indevida do plano de saúde em cobrir um tratamento de urgência ou emergência alegando carência contratual?
Caso o plano de saúde se recuse indevidamente a autorizar o tratamento do segurado nos casos de urgência ou emergência, além da reversão da negativa da cobertura por meio de uma decisão judicial obtida em caráter liminar para obrigar o plano a custear o tratamento imediatamente, ainda é possível a condenação da operadora por dano moral, na medida que essa recusa indevida agrava a situação de aflição e angústia do segurado, comprometendo sua saúde física e psicológica.
Cumpre ressaltar nesse ponto que o poder judiciário deve manter uma postura firme frente a esse tipo de situação, considerando que as indenizações de danos morais decorrentes de casos de negativa de atendimento por planos de saúde merecem ser fixadas em um quantum que ultrapasse, no mínimo, duas vezes o valor do tratamento do qual o paciente necessitou, pois esse tipo de postura por parte das administradoras de planos de saúde prejudica não apenas os indivíduos diretamente afetados, mas também mina a confiança na justiça e no sistema de saúde como um todo.
Em síntese, em casos que envolvem risco de vida, tal como nos decorrentes das situações tratadas no presente artigo, deve-se afastar o raciocínio que possibilite a redução dos interesses em jogo a critérios meramente econômicos, sendo imprescindível que haja uma postura firme por parte do judiciário, com vistas a inverter essa realidade.
Conclusão
A cláusula de carência nos contratos de plano de saúde é uma prática comum, visando evitar o uso imediato do plano por parte dos beneficiários. No entanto, nos casos de urgência ou emergência, essa cláusula é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação, conforme estabelecido pela súmula 597 do STJ.
A legislação e a jurisprudência têm se posicionado de forma a proteger os direitos dos consumidores, garantindo-lhes acesso imediato aos serviços de saúde nos casos de risco iminente à vida ou lesões irreparáveis. A recusa indevida do plano de saúde nesses casos pode acarretar condenação por dano moral, considerando o impacto negativo na saúde física e psicológica do segurado.
Portanto, é fundamental que os consumidores estejam cientes de seus direitos e busquem amparo legal caso se deparem com situações de recusa indevida por parte dos planos de saúde. A proteção à vida e à saúde deve ser prioridade, e a abusividade da cláusula de carência nos casos de urgência ou emergência é um importante conquista para os beneficiários de planos de saúde.
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