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O programa Emprega + Mulheres e o combate ao assédio no ambiente de trabalho

Importante relembrar que apesar das medidas impostas em lei possuírem caráter obrigatório apenas em organizações com CIPA, todos os empregadores devem estar atentos para adotar procedimentos internos de combate ao assédio no ambiente de trabalho.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Atualizado às 09:33

Em 21 de setembro de 2022 foi promulgada a lei 14.457, que institui o Programa Emprega + Mulheres e tem como objetivo promover inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho, através de incentivos ao aprendizado profissional, medidas de apoio relacionadas à parentalidade e à prevenção e combate ao assédio e outras formas de violência.

A Lei faculta aos empregadores adotar o pagamento do reembolso-creche aos empregados(as) que tenham filhos até 5 anos e 11 meses de idade; a manutenção ou subvenção de instituições de educação infantil pelos serviços sociais autônomos; a atribuição de vagas para atividades que possam ser realizadas através de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância; regime de trabalho a tempo parcial, horário de trabalho flexível para os trabalhadores que tenham filhos, enteado ou pessoa sob sua guarda até 6 anos de idade ou com deficiência.

Interessa a estudo a previsão contida no artigo 23 da Lei, que traz medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho:

Art. 23. Para a promoção de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho, as empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) deverão adotar as seguintes medidas, além de outras que entenderem necessárias, com vistas à prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho:

I - inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e às empregadas;

II - fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis;

III - inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA; e

IV - realização, no mínimo a cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações. 

§ 1º O recebimento de denúncias a que se refere o inciso II do caput deste artigo não substitui o procedimento penal correspondente, caso a conduta denunciada pela vítima se encaixe na tipificação de assédio sexual contida no art. 216-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ou em outros crimes de violência tipificados na legislação brasileira.

§ 2º O prazo para adoção das medidas previstas nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo é de 180 (cento e oitenta) dias após a entrada em vigor desta Lei.

A lei 14.457/22 tornou obrigatório a todos os empregadores com CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, adotar medidas concretas para o combate ao assédio e qualquer outra forma de violência no ambiente de trabalho.

 A primeira medida citada pela Lei é a inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e outras formas de violência nas normas internas da organização. Isso significa que cabe ao empregador a obrigação de criar normas de conduta com diretrizes claras para coibir essas práticas no ambiente de trabalho.

Apesar de se tratar de um assunto amplamente divulgado, é comum as pessoas terem uma compreensão equivocada ou imprecisa sobre o que é assédio moral e sexual. Por isso, é importante que a organização elabore um material que traga conceitos e exemplos de condutas que constituem os vários tipos de assédio e oriente os colaboradores sobre como agir diante dessas violações.

Essas normas de conduta a respeito de assédio podem ser dispostas em um Manual de Conduta, em um Código de Ética ou em qualquer outro documento interno que seja amplamente divulgado aos empregados. Ou seja, não basta incluir as regras num documento interno sem efetivamente divulgá-lo aos interessados: os colaboradores da organização.

Ainda sobre as regras de conduta a respeito do assédio sexual e outras formas de violência, a lei 14.457/22 determina que a organização deve fixar procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio moral, sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante.

A efetividade dos canais de denúncias é essencial para os colaboradores se sintam confortáveis e incentivados a utilizar o sistema, obtendo respostas objetivas à sua denúncia sem temerem, por exemplo, medidas de retaliação por parte de superiores hierárquicos.

Destacamos, nesse ponto, que a lei 14.457/22 também determina que as organizações devem garantir o anonimato dos denunciantes, ou seja, o colaborador não é obrigado a se identificar ao efetuar a denúncia sobre assédio moral, sexual e de outra forma de violência no ambiente de trabalho.

Entretanto, é imprescindível enfatizar que o anonimato não exclui por completo os riscos de identificação indireta do titular de dados pessoais. Mesmo que o nome do denunciante não seja revelado, outras informações pessoais podem ser coletadas, tais como o departamento de trabalho, o cargo ocupado, o endereço de e-mail ou o número de telefone utilizado para se comunicar com a organização entre outras informações fornecidas pelo denunciante com relação a situação fática.

Por essa razão, torna-se imperativo alinhar as práticas do canal de denúncias com as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para garantir a proteção desses titulares de dados. Assim, é crucial considerar o procedimento adotado para garantir o anonimato e implementar medidas de segurança que garantam que, mesmo na presença de informações indiretas, elas estejam seguras e acessíveis somente a indivíduos autorizados com uma justificativa legítima para o acesso.

Em termos de recomendações práticas, é fundamental dar especial atenção à utilização de sistemas que ofereçam ferramentas para o tratamento seguro dos dados, como firewalls, criptografia e autenticação multifatorial, a fim de proteger as informações referentes às denúncias. Além disso, é crucial limitar o acesso a essas informações apenas a pessoas que necessitam delas para conduzir a investigação. Por último, a implementação de uma política de segurança da informação abrangente, contendo diretrizes específicas para a proteção das informações relacionadas às denúncias, é de extrema importância para garantir a conformidade com a LGPD e a segurança desses dados.

Como dito anteriormente, o Programa Emprega + Mulheres determina que a inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas é obrigatória apenas às organizações com CIPA constituída, ou seja, aquelas que empregam mais de 20 pessoas e que estão enquadradas no grau 3 de risco (de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE, com correspondente Grau de Risco), com mais de 51 empregados no grau 2 de risco e com mais de 81 empregados a partir do grau 1 de risco, de acordo com o dimensionamento previsto na Norma Regulamentadora 5 do Ministério do Trabalho.

Dito isso, a lei 14.457/22 determina que os temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência devem ser incluídos nas atividades e nas práticas da CIPA. Com isso, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes passa a ter a obrigação de discutir e efetivar medidas relacionadas ao combate ao assédio em suas próprias práticas, esclarecendo os colaboradores sobre o conceito de assédio, como identificá-lo e como denunciá-lo.

Lembramos que a CIPA é constituída por representantes dos empregados e dos empregadores, sendo essencial que a Comissão trabalhe em conjunto com a organização para efetivar as medidas preventivas previstas nas atividades internas.

A própria lei 14.457/22 já traz a obrigação da adoção de procedimentos com o objetivo de efetivar essas medidas preventivas, com a realização, no mínimo a cada 12 meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho.

Convém destacar que o assédio sexual também é considerado crime, previsto no Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação:

Art. 216-A: Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

A pena prevista é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Para a legislação penal, portanto, o assédio sexual é definido como o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho, em que o agente utiliza sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter o que deseja. Ou seja, o assédio sexual é crime apenas quando o agressor é um superior hierárquico da vítima.

Contudo, qualquer tipo de constrangimento de conotação sexual deve ser coibido dentro do ambiente de trabalho, ainda que praticado entre colegas com a mesma hierarquia ou de áreas de atuação diferentes dentro da organização. Ou seja, toda conduta de natureza sexual não solicitada ou não correspondida, que tem um efeito desfavorável no ambiente de trabalho ou consequências prejudiciais para a vítima, é uma forma de violência, seja algum tipo de violência psicológica contra a mulher ou importunação sexual, por exemplo. Nesse caso, o assédio não é punido no âmbito criminal, mas deve ser coibido no ambiente de trabalho através da aplicação de penalidades previstas nas regras internas da organização, inclusive através de medidas punitivas previstas na CLT, tais como advertência, suspensão ou até mesmo a justa causa, justamente com o intuito de promover o exemplo de que tais condutas não serão, em nenhuma hipótese, toleradas.

Por fim, é necessário destacar que o Programa Emprega + Mulheres e, em especial, o artigo 23 da lei, que traz medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho, é uma pequena resposta a um problema social grave do Brasil, que é a violência contra a mulher.

De acordo com dados de pesquisa efetuada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública1, divulgada em março de 2023, 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022, o que seria a maior prevalência já verificada na série histórica.

O Fórum identificou os maiores níveis de violência por assédio sexual já relatados ao longo de todas as pesquisas. A comparar a atual pesquisa com os dados de 2021, foi identificado um crescimento de casos de assédio de nove pontos percentuais, passando de 37,9% para 46,7.

É de se concluir, portanto, que uma das melhores formas de combater o assédio é fornecendo informações claras, precisas e objetivas aos seus empregados, para que não só utilizem os meios disponíveis para denúncia, mas também para que tenham consciência e se sintam seguros para reconhecer as formas de violência no dia a dia no trabalho.

Além disso, importante relembrar que apesar das medidas impostas em lei possuírem caráter obrigatório apenas em organizações com CIPA, todos os empregadores devem estar atentos para adotar procedimentos internos de combate ao assédio no ambiente de trabalho, não estando, portanto, livres desta obrigação que deve ser amplamente divulgada e combatida.

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1 https://fontesegura.forumseguranca.org.br/mais-de-18-milhoes-de-mulheres-sofreram-alguma-forma-de-violencia-em-2022-mostra-pesquisa-do-forum-brasileiro-de-seguranca-publica/#:~:text=S%C3%A3o%20mais%20de%2021%2C5,Sa%C3%BAde%2C%20fica%20em%2027%25. Acesso em 04/10/2023.

Camila Gbur Haluch

Camila Gbur Haluch

Advogada no escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Especialista em Direito do Trabalho, com experiência em litígios trabalhistas e civis e assessoramento de empresas e organizações da sociedade civil em temas trabalhistas.

Beatriz de Oliveira Moraes

Beatriz de Oliveira Moraes

Advogada de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Integrante da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. Cursando MBA Cybersecurity: Governance & Management pela FIAP.

Aline de Freitas Tesljuk Jimenez

Aline de Freitas Tesljuk Jimenez

Advogada de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados).

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