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Práticas para a boa gestão pública na aquisição de bens e a responsabilidade dos agentes públicos

Carolina dos Santos Pela e Débora Morais Patrocínio

A lei 14.133/21 rompeu a lógica do preço como principal critério definidor da seleção de propostas em licitações, abrindo espaço para a sustentabilidade como um objetivo basilar a ser ponderado nas contratações pelo setor público.

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Atualizado às 08:16

Das boas práticas de gestão a serem adotadas pela Administração Pública

Embora todas as fases das licitações possuam relevância fundamental para o bom desempenho do procedimento e do contrato que dele decorrerá, na seara das contratações públicas, há a necessidade de valorar maior importância à fase interna das licitações.

Atento à necessidade de maior atenção ao planejamento nas licitações para extinguir - ou, ao menos, minimizar - as consequências de contratações falhas, o legislador cuidou de inserir, no art. 5º da lei 14.133/21, o planejamento como um princípio norteador das Licitações e Contratos Administrativos.

De igual sorte, o art. 12, VII, do mesmo diploma legal tratou do denominado plano anual de contratações, documento gerencial que auxilia no planejamento das contratações de determinado órgão, assim como outros dispositivos esparsos tratam do estudo técnico preliminar e sua obrigatoriedade nas contratações.

Ao comentar o princípio inserto na novel legislação, o doutrinador Eduardo de Carvalho Rêgo (RÊGO, 2020, p. 25) ensina que o princípio do planejamento "vem a lumepara garantir que não sejam empreendidas licitações aventureiras, sem o devidoplanejamento", e que, nesta etapa da fase interna,"a Administração Pública identificará e justificará a necessidade do objeto a ser licitado e formalizará a autorização para abertura do certame".

Feitas essas ponderações, deve ser observado o adequado planejamento para que o pretenso objeto a ser licitado não extrapole as reais necessidades do contratante, além de que, caso seja levada a efeito, não culmine prejuízo passivo à Administração, sendo consentâneo com os objetivos e demais princípios a serem observados nos procedimentos licitatórios, em especial, a busca da proposta mais vantajosa e o desenvolvimento nacional sustentável.

Assim, é imprescindível o planejamento das licitações observando a identificação da demanda, a adequação dessa demanda ao mercado e às tecnologias disponíveis, bem como a verificação da disponibilidade orçamentária a esse planejamento. A atenção a essa etapa inicial é o que efetivamente coíbe procedimentos com resultados ineficientes, minimizando eventuais danos durante o certame e também durante a gestão e fiscalização dos contratos.

Com o fito de que sejam evitados certames que ensejem o prejuízo passivo da Administração, faz-se imprescindível o planejamento, em especial (mas não se resumindo a) um estudo técnico preliminar (ETP) bem embasado e construído. Isso porque, o estudo técnico preliminar, como dispõe o art. 6º, XX, da lei 14.133/21, dentre outras funções essenciais que possui, "caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução".

Nesse espeque, é por meio de um estudo técnico preliminar que reúna levantamento de dados e análises concretas que poderá se identificar o objeto a ser licitado e se esse objeto atende - e em que medida atende - à real necessidade do contratante, de modo a não permitir que sejam instaurados certames que veiculem objeto (seja no aspecto qualitativo ou quantitativo) que esteja além ou aquém da necessidade do contratante.

Do respeito ao padrão de sustentabilidade previsto na legislação federal

A lei 8.666/93 preconiza, em seu art. 3º, que dentre outros parâmetros e princípios a serem observados nos procedimentos licitatórios - e, consequentemente, nos contratos públicos -, há o dever de promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Trata-se de previsão inserida com o advento da lei 12.349/10, cuja promulgação traduziu o rompimento de um padrão até então observado no âmbito das licitações, qual seja, o da busca pelo menor preço sem a atenção a parâmetros igualmente importantes, como a sustentabilidade.

Corroborando a quebra de paradigma e a necessidade de que nas licitações sejam observados padrões que respeitem a sustentabilidade, o legislador cuidou de inserir na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 14.133/21) que o processo licitatório tem por objetivos "assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto" e "incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável", respectivamente nos incisos I e II do art. 11.

Da leitura atenta da novel legislação, o que se extrai é que além de práticas para o incentivo do desenvolvimento nacional sustentável, as "propostas mais vantajosas" a serem selecionadas não mais se resumem àquelas que apresentem o menor custo financeiro imediato para a Administração Pública, mas aquelas cujo ciclo de vida do bem ou do serviço é observado e condiz com as reais necessidades do Contratante.

Não por outra razão, o art. 34, §1º, da lei 14.133/21 ratificou a necessidade de adoção de práticas sustentáveis ao consignar que "os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, sempre que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento".

A respeito do tema, o doutrinador Eduardo de Carvalho Rêgo (RÊGO, 2020, p. 26), em obra coordenada pelo administrativista Joel de Menezes Niebuhr, leciona que:

O princípio do desenvolvimento nacional sustentável aplicado às licitações públicas decorre da ideia de que é preciso observar critérios sociais, ambientais e econômicos nas contratações públicas. Ou seja, a consideração de tais valores pode acabar redundando na flexibilização de outros princípios igualmente constantes no ordenamento jurídico, tais como o princípio da economicidade. (grifo nosso)

Assim, rompeu-se a lógica do preço como principal critério definidor da seleção de propostas, abrindo-se espaço para a atenção à sustentabilidade como um objetivo basilar a ser alcançado, de modo que a proposta mais vantajosa não necessariamente será a mais barata.

Da eventual responsabilização funcional e patrimonial dos agentes públicos que participaram do processo licitatório pelos prejuízos advindos da realização do contrato administrativo

Eventuais atos comissivos e omissivos que desrespeitem os princípios gerais durante a fase interna da licitação podem vir a gerar irregularidades, na medida em que se deveria ter ocorrido o adequado planejamento do procedimento licitatório, sempre considerando os possíveis impactos (positivos e negativos) no contrato administrativo a ser celebrado.

O art. 82 da lei 8.666/93 prevê a responsabilidade funcional (administrativa) dos agentes públicos quando praticarem atos em desacordo com os preceitos do diploma legal, sem prejuízo de responsabilização civil e criminal.

Assim, é clarividente a possibilidade de responsabilização funcional dos agentes envolvidos na fase interna do certame, mormente porque agiram de modo contrário aos interesses da Administração, afrontando, dentre outros, os princípios do desenvolvimento nacional sustentável, da legalidade e da eficiência.

Ao comentar o dispositivo citado (art. 82), o doutrinador Marçal Justen Filho (MARÇAL, 2019, RL-1.17) leciona que:

O sujeito investido na função pública tem o dever de adotar todas as cautelas para evitar a infração à lei. Portanto, a consumação de uma infração é acompanhada de uma presunção de imprudência, imperícia ou negligência. Se o agente administrativo tivesse atuado com observância das posturas inerentes ao desempenho da sua função, não teria ocorrido a infração: é o que se presume.

De igual forma, os agentes que colaboraram para a contratação prejudicial ao erário podem - e devem - ser responsabilizados patrimonialmente. Trata-se de corolário lógico da responsabilidade civil que pode ser atribuída aos agentes públicos no exercício de suas funções, que, na lição de Justen Filho (2019) "pode resultar no dever de compor perdas e danos com recursos próprios e pessoais".

Sem prejuízo das considerações já expostas, vale acrescentar, ainda, a possibilidade de responsabilização funcional e patrimonial dos agentes públicos que participam do processo licitatório uma vez que praticaram ato ímprobo, a rigor do que dispõe o art. 10 da lei 14.230/21 (Nova Lei de Improbidade Administrativa), que trata dos atos de improbidade, comissivos ou omissivos, que causam dolosamente prejuízo ao erário.

Ademais, a boa gestão e fiscalização dos contratos administrativos necessariamente perpassa por uma cadeia de atos que, de uma só vez, visem a atender o interesse público em observância ao princípio constitucional da eficiência.

A respeito do princípio da eficiência na Administração Pública, o administrativista José dos Santos Carvalho Filho (2019, CARVALHO FILHO, p. 105) leciona que consiste na "procura de produtividade e economicidade e (...), a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional".

Ainda, o doutrinador ressalta que "a eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes".

Assim, a eficiência está intrinsecamente relacionada aos atos praticados pelos agentes públicos e à forma organizacional em que se estrutura a Administração. Não sendo observado igualmente o princípio da eficiência, os agentes podem ser responsabilizados pela má gestão e fiscalização dos contratos.

Diante do exposto, conclui-se que os procedimentos licitatórios, cujos objetos sejam a aquisição de bens, devem se coadunar com o interesse público e com os princípios norteadores dos atos administrativos e das licitações, a saber, o princípio da legalidade, da eficiência e do desenvolvimento nacional sustentável.

Ademais, é necessário romper a lógica adotada pelos agentes públicos de que a aquisição de bens por valor abaixo ao do mercado traduza economicidade e proposta mais vantajosa, pois, como externado, não há que se falar em economicidade quando há evidente afronta à sustentabilidade.

Nesse sentido, o rompimento dessa lógica deve perpassar pela adoção do adequado planejamento dos procedimentos licitatórios durante sua fase interna, em especial com atenção para o estudo técnico preliminar, pelo qual é possível identificar as necessidades do contratante e a correlata solução que atenda ao interesse público e, logicamente, não importe em afronta aos princípios que norteiam os atos da Administração Pública.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília.

BRASIL. lei 14.133, de 01 de abril de 2021. Brasília.

BRASIL. lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Brasília.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas Ltda., 2019.

FURTADO, Madeline Rocha. A gestão e a alimentação escolar: um bom exemplo no Município de Boa Vista. Fórum de Contratação e Gestão Pública - Fcgp, Belo Horizonte, p. 60-68, jul. 2019.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord). Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Florianópolis: Zênite, 2020.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Precedentes no Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Carolina dos Santos Pela

Carolina dos Santos Pela

Advogada do Escritório Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados e Especialista em Direitos e Garantias Fundamentais pelo Centro Universitário Espírito-Santense - FAESA.

Débora Morais Patrocínio

Débora Morais Patrocínio

Advogada e assessora na Procuradoria-Geral do Município de Vila Velha, no Estado do Espírito Santo, e Especialista em Direito Administrativo pela PUC-Minas.

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