MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Água de graça no restaurante e bares fechando mais cedo: do que deveriam se ocupar os vereadores e deputados?

Água de graça no restaurante e bares fechando mais cedo: do que deveriam se ocupar os vereadores e deputados?

Em pesquisa do Datafolha publicada no início do mês, a população de São Paulo aponta 16 problemas que a atormentam: saúde, segurança, educação, transportes, falta de creches, Cracolândia, aumento da população de rua, drogas, desemprego, etc.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Atualizado às 14:55

Na cidade de São Paulo, a Câmara de Vereadores aprovou e o prefeito sancionou lei municipal que obriga restaurantes a fornecer água filtrada de graça a seus clientes. Tanto em primeira instância como no Tribunal de Justiça, a lei foi declarada inconstitucional. A Prefeitura apelou ao STF e ela está para ser julgada em definitivo. Sem esperar pela decisão, a Assembleia Legislativa do Estado elaborou e aprovou outra lei, no mesmo sentido e com os mesmos equívocos. Sancionada pelo governador, os efeitos da lei foram suspensos pelo TJSP em menos de 24 horas ao considerar "relevante o argumento relacionado à violação à livre iniciativa, o que já foi reconhecido pelo C. Órgão Especial em demanda similar, ajuizada pela mesma parte, contra a lei 17.453/20 do Município de SP, que dispunha sobre a oferta gratuita de "Água da Casa"".

Pois bem, as empresas em geral oferecem produtos e serviços no mercado, cada qual tentando fazê-lo com a melhor relação preço qualidade possível. No restaurante, o dono tem um mix de produtos e procura distribuir sua necessidade de receita colocando preços adequados em cada um deles.  Já fornece diversos desses produtos sem cobrar: azeite, açúcar, sal, guardanapos etc., procurando agradar o cliente, que escolhe onde é melhor tratado. Neste aspecto, destaque-se, a concorrência é violenta e quem não se preocupa com essa forma de atendimento,  fecha as portas.

O primeiro mandamento de um pequeno negócio, que não tem crédito, não tem reservas, é ter receita maior que a despesa, ou, no fim do mês o infeliz investidor não conseguirá pagar os trabalhadores, fornecedores, fiscos (de três níveis), agua, energia, gás e meia centena de outros itens de custos, no mínimo. Quando quebram, mais que o investidor, saem prejudicados o nível de emprego, a arrecadação de tributos, a população, até o PIB.

Trata-se de uma tarefa complexa e ninguém melhor do que o dono para saber distribuir custos pelo mix, e ninguém sabe menos sobre isso que um deputado. Aliás, por que não se preocuparam em fazer um estudo? Avaliar o impacto? Como o restaurante tem que equilibrar despesas e receita, o que ele deixar de faturar com água, terá que ser acrescido em outro produto, e quem consumir este, pagará por aquele que consome a água, quiçá o mesmo cliente irá pagar em outro produto. Idem no fornecimento de certos outros produtos, como por exemplo, por ou não toalha de qualidade na mesa.

Portanto, a gentiliza de servir água sem que o cliente peça, ou por uma toalha de qualidade, fornecer manobrista etc., deve ser do proprietário que conhece e procura sempre agradar seu cliente.

Digamos que a lei é também algo esdrúxula: o Estado vende a água ao restaurante e quer obrigá-lo a fornecê-la de graça e filtrada. E neste ponto, mais uma anomalia: a lei é clara ao obrigar esse mesmo Estado a servir água saudável nas torneiras. Quem ler a justificativa da lei percebe que ela não é nada saudável. Ou seja, grande parte da população estaria sendo envenenada por partículas de chumbo e outros componentes? Mas sigamos, esperando que os deputados não resolvam determinar que os restaurantes tenham que também fornecer feijoada e sobremesa de graça. Afinal, se água pode...

ALÉM DE INJUSTA, A LEI É INCONSTITUCIONAL

Para evitar esse tipo de demagogia, para preservar o aperfeiçoamento do mercado, para estimular investimentos e empreendimentos, a Constituição Federal prevê o direito de o empresário gerir a empresa no mercado com autonomia, reservando intervenções desse mesmo Estado para situações imprescindíveis e relevantes. 

Nota-se na Carta Magna a importância dada à livre iniciativa, à liberdade econômica, à proteção da concorrência, normas estas atropeladas constantemente por vereadores e deputados pelo país.

Se há alguma dúvida sobre a constitucionalidade da lei, a Assembleia, órgão tão caro para o contribuinte, deveria pelo menos esperar a decisão do STF. E ir cuidando dos grandes problemas que tanto preocupam à população. Sem alternativa, a ABRASEL terá que procurar o Judiciário para defender o setor.

GUERRA A DIONÍSIO

Neste último dia 4, nesta mesma SP, a Câmara dos Vereadores volta a discutir aumento de multas e fechamento de bares mais cedo. A guerra aos bares, locais de sociabilidade, de amizade, de divertimento, fundamentais para a saúde mental, é algo constante. 

Fechar mais cedo, restringir atividade, aumentar as multas já exacerbadas, são formas comuns. Certos sujeitos excessivamente conservadores sempre odeiam bares. Eles acreditam que o mundo tem que ser um vale de lágrimas para que mereçamos o céu e, portanto, o bar é um antro de perdição, melhor seria imitar certos países árabes, proibindo a bebida e fazendo as mulheres andarem de burca.

Em pesquisa do Datafolha publicada no início do mês, a população de São Paulo aponta 16 problemas que a atormentam: saúde, segurança, educação, transportes, falta de creches, Cracolândia, aumento da população de rua, drogas, desemprego etc. É mais ou menos o que apontam os turistas internacionais pesquisados nos aeroportos, quando estão para deixar o país. À pergunta sobre o que acharam ruim, alinham algumas das complicações acima e incluem ainda poluição e trânsito. E quando perguntados sobre o que mais gostaram, esses mesmos turistas, sempre citam em primeiro lugar gastronomia e vida noturna. Então, do que deveriam estar cuidando os deputados?

No caso dos bares e restaurantes, pequenas empresas, poderiam se preocupar com a saúde delas. O setor é a maior fonte de empregos no país, especialmente do primeiro emprego. São milhares de estabelecimentos fragilizados, pendurados nos bancos devido a empréstimos tomados nos dias de pandemia,  e impossíveis de serem pagos após a explosão dos juros, fato demonstrado em sucessivas pesquisas da ABRASEL. Milhares quebraram e milhares ainda quebrarão se nada for feito.

Há ainda o gravíssimo drama da má distribuição de renda. Os donos de bares e restaurantes já descobriram que o maior gargalo para o crescimento do setor e a sobrevivência da empresa é ter clientes. Mas como ter clientes num país onde apenas 16% das famílias ganham mais de R$ 4 mil por mês? Onde a média de ganho mensal das pessoas não chega a R$ 1.500,00? Onde há 40 milhões de trabalhadores informais?

Sim, é mais difícil resolver grandes problemas da economia, da saúde, da segurança, da habitação, então é mais cômodo decidir que restaurantes devem dar água de graça, mesmo sem que o cliente peça ou fechar bares mais cedo.

Percival Maricato

VIP Percival Maricato

sócio do Maricato Advogados Associados

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca