(IN)viabilidade do creditamento de PIS e Cofins sobre gastos com publicidade online
A interpretação restritiva da RFB e a necessidade de maior compreensão do mercado digital na aplicação do conceito de insumo definido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial 1.221.170.
quarta-feira, 25 de outubro de 2023
Atualizado em 26 de outubro de 2023 14:26
Não é novidade que a jurisprudência consolidada no CARF e no Judiciário é a de que a tomada de créditos de PIS e COFINS sobre a aquisição de insumos, prevista no art. 3º, inc. II, das lei 10.637/02 e 10.833/03, deve seguir os critérios da essencialidade e da relevância.
Também não é novidade que o conceito de insumo foi definido pelo STJ no julgamento do REsp 1.221.170 em 2018, e consiste, em síntese, nos "bens e serviços essenciais e relevantes no processo produtivo ou na prestação de serviços, bens e serviços sem os quais a atividade da empresa não poderia ser desenvolvida".
A caraterização de um bem ou serviço como insumo, nessa ordem de ideias, depende da relação entre o bem ou o serviço, a empresa e o processo produtivo ou de prestação de serviço. Teoricamente, a análise é feita caso a caso e deve incluir as peculiaridades de cada empresa e de seus processos. Entretanto, existe uma resistência ou até mesmo uma dificuldade da Receita Federal do Brasil - RFB e do CARF em compreender as necessidades de empresas que atuam no mercado digital.
Em 2021, a RFB, por meio da Solução De Consulta COSIT 32/21, analisou os gastos com marketing de uma empresa de serviços de limpeza de móveis que não possuía estabelecimento físico acessível aos clientes, que eram captados exclusivamente por publicidade online, e respondeu pela impossibilidade do creditamento sobre gastos com publicidade. Na referida solução de consulta a RFB admitiu que a ausência de estabelecimento físico aumenta a importância da publicidade, mas afirmou que isso não tornaria a publicidade essencial ou relevante.
Em fevereiro deste ano, a RFB publicou a Solução de Consulta COSIT 43/23, na qual analisou o caso de um contribuinte que desenvolve atividades e análises "voltadas à concessão de crédito pessoal", uma espécie de intermediador entre a pessoa que deseja o empréstimo e o banco. Trata-se de contribuinte que também não possui estabelecimento físico aberto ao público, atuando exclusivamente em plataformas eletrônicas. No caso citado também se buscava o creditamento de PIS e COFINS, mas sobre gastos realizados para a obtenção do contrato, gastos com link dedicado, e não com publicidade e propaganda.
Tal contribuinte que propôs uma abordagem diferente, um novo enquadramento de gastos, mas o entendimento final do Fisco não se alterou, deixando de analisar a estrutura de contribuintes que atuam no mercado digital. Confira-se os pontos mais relevantes desta Solução de Consulta, e observe-se como a RFB ignora a realidade do mercado digital e, por consequência, a importância do link dedicado.
"(...) a contratação pela consulente de link patrocinado, à luz do inciso II do caput do art. 3º da lei 10.637, de 2002, e do inciso II do caput do art. 3º da lei 10.833, de 2003, não pode ser considerada insumo daqueles serviços, tendo em vista os critérios de:29.1 essencialidade - o fato de o link de acesso à página eletrônica da pessoa jurídica não figurar dentre os primeiros resultados de uma pesquisa na internet não impede a execução dos serviços relacionados às etapas preparatórias à contratação de empréstimos financeiros, tampouco privam-lhes de qualidade, quantidade e/ou suficiência do serviço prestado; e 29.2 relevância - a utilização de link patrocinado, que tem por efeito fazer figurar o link de acesso à página da pessoa jurídica dentre os primeiros de uma pesquisa na Internet, não integra o processo de prestação do serviço relacionado à etapa preparatória à contratação de empréstimos financeiros, ainda que pelas singularidades da cadeia produtiva ou por imposição legal."
Fica claro que mesmo com as diferentes abordagens dos contribuintes (despesa para obtenção do contrato ou publicidade e propaganda), a atuação exclusiva no meio digital não é capaz de influenciar a visão da RFB no que se refere a aplicação dos critérios de essencialidade e relevância.
Em 2021 o CARF julgou o 'caso da NETFLIX', que representou um marco na evolução da "jurisprudência administrativa". Em que pese o resultado do julgamento ter sido desfavorável ao contribuinte, não podemos deixar de destacar o voto vencido, quando, pela primeira vez, a realidade do mercado no qual o contribuinte estava inserido foi analisada pelo órgão julgador.
Na primeira parte do acórdão o Relator analisou um relatório apresentado pelo contribuinte que demonstrou a relação direta entre o aumento da publicidade e aumento do número de assinantes. O citado relatório foi essencial para demostrar o chamado teste de subtração/adição, que consiste em retirar o produto ou serviço que se pretende classificar como insumo do processo produtivo e aferir se o processo se tornou impossível ou drasticamente comprometido.
Basicamente o teste de subtração serve para demostrar se o produto ou serviço é essencial ou relevante e, no caso em tela, o teste foi apresentado pelo contribuinte e devidamente analisado pelo julgador. Confiram-se alguns trechos do voto:
"O "teste da subtração" que se pretende realizar, como já mencionado, deve ser realizado a partir de uma análise da adição dos serviços e assim aferir a diferença da performance da empresa diante do incremento da publicidade, o que permitirá inferir a influência dela no desempenho, estabelecendo, por indução, a mesma.
Inicialmente é necessário ater-se que a Recorrente é uma empresa cuja atividade consiste em, basicamente, angariar clientes para assistir aos produtos cinematográficos da NETFLIX.INC, ou seja, alugar um direito de terceiro, intento para o qual a publicidade demonstra-se relevante.
O "termo de constatação" elaborado pela KPMG (e-fls. 437 e seguintes) abrangeu os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 e apontou alguns fatos, quais sejam:
- No período compreendido pelo Termo de Constatação houve variação positiva de receita e um aumento no número de assinantes.
- No mesmo período houve um aumento das atividades denominadas Publicidade, Marketing e Propaganda - PMP.
- As despesas com as atividades denominadas PMP correspondem à 49% das despesas da Recorrente e totalidade das despesas relacionadas à venda de produtos. Estes números demonstram que dentre todas as formas existentes para promover a venda de produtos a Recorrente utiliza tão somente estratégias de publicidade, marketing e propaganda, e que estas despesas equivalem à praticamente metade de todas as despesas da empresa, e que se for subtraída inviabiliza toda a atividade empresarial indubitavelmente disruptiva por ela realizada. É importante ressaltar que o teste da subtração deve ser realizado em relação à "atividade da empresa" e muito embora possa até ser hipoteticamente possível que ela entregue os "filmes" sem as referidas despesas com propaganda, ela demonstra que tornaria a atividade inviável. Mutatis mutandi, seria possível que as indústrias não utilizassem caminhões para o transporte de insumos dentro do estabelecimento, ou rádios para a comunicação, aliás, invenções de cerca de cem anos, sem que isto signifique que deixam de ser essenciais, relevantes e insuprimíveis, especialmente nos presentes dias."
Vemos que o critério de imprescindibilidade, já proclamado pelo STJ para se reconhecer direito a crédito de PIS e Cofins é, no fundo, o critério de "subtração" aplicado na citada decisão. Entretanto ainda há, como dito no início deste texto, uma forte resistência da RFB e de boa parte do CARF em de fato analisar a realidade de empresas que atuam no mercado digital.
Mesmo após o julgamento do tema pelo STJ os contribuintes, especialmente os que atuam no mercado digital, ainda precisam acionar o Judiciário para exercer, com segurança, reconhecimento do direito ao crédito de PIS e Cofins sobre gastos tão essenciais para o seu negócio.
Luisa Teixeira Machado
Advogada no Gaia Silva Gaede Advogados.