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Depoimento sobre a magistratura-sacerdotal da ministra Laurita Vaz

À ministra Laurita, saúde e vida longa para continuar tocando os nossos corações com generosidade e firmeza, em seus muitos novos projetos sociais que já se anunciam.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Atualizado às 13:23

Lá vai ela, altiva como no primeiro dia. Porém, ainda mais honrada. Há ali o peso de uma abnegada trajetória de integridade.

Já ouvi de alguns juízes que a magistratura é sacerdócio. Até conhecer a Ministra Laurita, eu tinha dúvidas de que isso pudesse ser verdade. Afinal, sacerdote é quem oferece sacrifícios, quem cumpre uma missão e um chamado.

No dia em que a Ministra me ligou para despacharmos pela primeira vez, pediu-me que eu confirmasse se alguns dados da minuta estavam corretos.

Olhei o nome do paciente, nenhum sobrenome que me chamasse atenção. Olhei o advogado, era a defensoria pública. Olhei o crime, furto de duas pizzas congeladas em um supermercado.

Sei que o caminho mental que percorri revela algo feio no Judiciário: o sentimento de que, lá nas cúpulas, os desvalidos não são vistos. Os "sem advogado" não são lidos. Os "crimes de pobre" são julgados em atropelo.

Surpreendi-me, confesso, que uma Ministra pusesse olhos atentos naquele caso. Até então, acreditava que os togados das altas cortes só encontravam tempo para causas de maior complexidade ou relevância jurídica.

Ao conhecer o trabalho da Ministra Laurita, meu coração se encheu de um realismo esperançoso, aquele que não nos faz ingênuos como os otimistas, nem chatos como os pessimistas, como diria meu conterrâneo Ariano Suassuna.

Era sua obrigação analisar os processos com cautela e zelo? Sem dúvida. Mas o cotidiano do Judiciário nos mostra que esse dever pode se tornar um detalhe esmagado pela realidade do gigantismo dos números, fruto podre da cobrança de produtividade que a todos atinge.

Imagino que alguém tampouco questionaria o cumprimento de seus deveres se ela fosse para casa depois de longas sessões de até 7 horas, mas a sua magistratura-sacerdotal sempre nos lançava a pergunta: ainda há decisões concessivas para analisar?

Algumas vezes, tentávamos preservá-la: Ministra, amanhã a senhora analisa, hoje começamos tão cedo. Ao que ela retrucava: Para quem está na espera, um dia a mais é muito. E ficava um tanto mais de horas, até finalizar todas, absolutamente todas, as decisões concessivas.

Assim era nas vésperas de feriados, recesso, férias. Nada concessivo, tampouco liminares, ficavam para trás. Tudo tinha que sair. "Dá uma chegadinha aqui", ela dizia ontem, em seu último dia, quase 22 horas, para liberarmos os derradeiros processos de sua caminhada jurídica como magistrada.

Quero crer que há muitas e muitos como ela, por aí no Judiciário, no Ministério Público, nas Defensorias e Procuradorias, formiguinhas incansáveis equilibrando, com discrição, muitos pratos pesados. A todas e todos, minhas singelas homenagens, esperando que essa história tenha sido suavemente inspiradora para que sigam suas trajetórias de bons combatentes.  

À Ministra Laurita, saúde e vida longa para continuar tocando os nossos corações com generosidade e firmeza, em seus muitos novos projetos sociais que já se anunciam.

Lorena Nóbrega de Almeida

Lorena Nóbrega de Almeida

Juíza instrutora da ministra Laurita Vaz.

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