Deepfake e inteligência artificial: Uso indevido da imagem e áudio da pessoa falecida para fins comerciais
O deepfake é uma tecnologia usada para criar vídeos, e às vezes bem realistas, usando a imagem, voz e movimentos de pessoas que, na verdade, não participaram da filmagem ou nunca estiveram em determinadas situações representadas através da mídia disponibilizada.
sábado, 21 de outubro de 2023
Atualizado em 25 de outubro de 2023 14:24
No começo de julho desse ano, a Volkswagen lançou uma campanha publicitária que criava um encontro entre a cantora Maria Rita e sua mãe Elis Regina, falecida em 1982. A imagem, a voz e movimentos de Elis Regina foram criados a partir de um deepfake gerado por IA. O algoritmo tem o poder de manipular imagens de rostos e criar movimentos, simulando expressões e falas inéditos.
O deepfake é uma tecnologia usada para criar vídeos, e às vezes bem realistas, usando a imagem, voz e movimentos de pessoas que, na verdade, não participaram da filmagem ou nunca estiveram em determinadas situações representadas através da mídia disponibilizada.
No começo de agosto de 2021, o Mercado Livre, em parceria com a Soundthinkers surpreendeu em um outro episódio publicitário, que através de uma ferramenta de IA, também utilizou técnicas de reconstrução digital para recriar a imagem e a voz do já falecido pai do jogador Zico.
Artistas como Whoopi Goldberg, a cantora Madonna, e Robin Williams proibiram o uso de suas imagens após morrerem. Williams faleceu em 2014, mas deixou um testamento restringindo o uso da sua imagem por 25 anos após sua morte.
Aqui no Brasil, os cartórios já começaram a receber pedidos de registros de pessoas que querem estabelecer regras sobre os seus direitos digitais após a morte. Somente nos primeiros sete meses desse ano, foram protocoladas quase 500 escrituras declaratórias ou Diretivas Antecipadas de Vontade - DAVs.
A Diretiva Antecipada de Vontade diz respeito à manifestação de vontade de forma antecipada, em relação aos cuidados e tratamentos para momentos em que a pessoa está incapacitada de se manifestar ou após a sua morte. O interessado deve ir a um cartório de notas com os documentos pessoais. O ato também pode ser realizado de forma eletrônica, por meio da plataforma digital nacional www.e-notariado.org.br.
Esses atos vêm se tornando cada vez mais frequente nos tabelionatos brasileiros e tais declarações de vontade envolvem desde a herança digital com o acesso às senhas e códigos de redes sociais, muitas vezes de canais de influenciadores monetizados por plataformas digitais, até a preservação de direitos de imagem e voz.
A polêmica envolvendo o comercial da Volkswagen com a criação do deepfake da cantora Elis Regina, impulsionou ainda a proposição de um novo projeto de lei atualmente em andamento no Senado. O PL 3.592, de 2023, que estabelece diretrizes para o uso de imagens e áudios de pessoas falecidas por meio de IA, com o intuito de preservar a dignidade, a privacidade e os direitos dos indivíduos mesmo após sua morte.
Os artigos 4º e 5º do PL 3.592/23 trazem claramente a necessidade do consentimento expresso para o uso da imagem e áudio da pessoa falecida para fins comerciais:
"Art. 4º O uso da imagem e áudio da pessoa falecida por meio de IA para fins comerciais precede de autorização expressa dos herdeiros legais ou da pessoa falecida em vida."
Art. 5º Caso o falecido tenha expressado, em vida, sua vontade de não permitir o uso de sua imagem após seu falecimento, essa vontade deverá ser respeitada."
O Código Civil Brasileiro traz legitimidade nos seus artigos 12 e 20, parágrafo único para que o cônjuge ou parentes de até quarto grau em linha reta ou colateral exerçam a defesa de diretos inerentes à personalidade da pessoa falecida.
Assim, a pessoa poderá deixar expressamente, o registro da sua autodeterminação, em um documento apto a proibir ou permitir, o uso da sua imagem e voz, após a morte. Esse instrumento de vontade tem o condão de preservar direitos inerentes à personalidade, como memórias, atributos, condutas e valores construídos ao longo de uma vida.
Danielle Campello
Advogada especialista em Compliance e Proteção de Dados no escritório Di Blasi, Parente & Associados.