Testemunha ou investigado: eis a questão!
Nos processos penais, em geral, pode acontecer que uma testemunha, pelas provas colhidas no curso da instrução criminal, seja incluída no polo passivo da ação por aditamento à denúncia, mas, nesse caso, será obrigatório garantir a ela todos os meios de realizar sua defesa, previstos na Constituição e no CPP.
sexta-feira, 20 de outubro de 2023
Atualizado às 08:37
Tornou-se frequente nas Comissões Parlamentares de Inquérito - CPIs, sempre em tensão pelos embates políticos e pela avidez midiática, a concessão de liminares pelo STF que garantem aos depoentes deixar de responder a perguntas que os incriminem: é o princípio do nemo tenetur se detegere, ou seja, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
A Constituição assegura ao preso o direito de permanecer calado (art. 5º, inciso LXIII) e, por sua vez, o Código de Processo Penal - CPP determina que o juiz informe ao acusado que tem direito ao silêncio e que tal conduta não terá impacto negativo em sua defesa (art. 186, caput, e parágrafo único). O CPP também impõe à testemunha que preste o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203), não podendo eximir-se de depor (art. 206).
Tal antinomia, entre o direito ao silêncio e o compromisso de dizer o que sabe, é mais frequente nas CPIs porque, muitas vezes, não há clareza sobre a posição de quem vai ser ouvido, se como testemunha ou possível investigado.
O confronto dessas normas, como também a dissimulação dos propósitos de certas convocações realizadas por investigadores parlamentares, criam a esdrúxula situação de se realizar "depoimentos híbridos", em que há respostas na condição de testemunha e, a depender do que é perguntado, exerce-se o direito de permanecer calado para evitar autoincriminação, prerrogativa do investigado ou acusado.
Quando isso ocorre, o prejuízo à defesa é inquestionável, pois evidencia quais são as perguntas que o próprio depoente considera que, se respondidas, podem incriminá-lo. Assim, tal conduta aponta os possíveis rumos da investigação contra si, ainda que chamado a depor na condição de testemunha.
A melhor orientação parece ser aquela que define previamente em que condição vai se ouvir o convocado: como testemunha, portanto, respondendo a tudo que lhe for perguntado, ou como investigado, oferecendo a sua versão sobre os fatos ou exercendo o seu direito de permanecer em total silêncio, mesmo ameaçado de sofrer algum mal.
Nos processos penais, em geral, pode acontecer que uma testemunha, pelas provas colhidas no curso da instrução criminal, seja incluída no polo passivo da ação por aditamento à denúncia, mas, nesse caso, será obrigatório garantir a ela todos os meios de realizar sua defesa, previstos na Constituição e no CPP.
Antonio Ruiz Filho
Advogado criminalista (sócio do escritório Ruiz Filho Advogados). É diretor da Federação Nacional dos Advogados (FeNAdv) e presidente da Comissão de Defesa da Democracia e Prerrogativas da mesma entidade. Foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), diretor da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo (OAB/SP) e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).