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Inteligência artificial, política, eleições e democracia

Os desafios da democracia crescem na mesma dinâmica de aumento da complexidade social e exigem novas habilidades das instituições, dos integrantes da sociedade civil e dos eleitores.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Atualizado às 08:16

A velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias e o temor sobre os riscos do uso dessas ferramentas sobre as democracias ganham novos contornos a cada dia. Em abril deste ano (2023), por exemplo, o partido Republicano dos EUA divulgou um vídeo distópico produzido por Inteligência Artificial - IA em que projetava como será o mundo caso Joe Biden continue na presidência do país. Em meio a cenas de imaginárias crises e calamidades domésticas e internacionais, no vídeo, há um pequeno aviso de que a produção foi feita integralmente com IA1.

Nem sempre, porém, as propagandas que utilizam IA informam que esse tipo de tecnologia foi empregada. No caso do vídeo mencionado, a opinião pública também levantou questão acerca do fato de não ter sido revelada qual ferramenta teria sido utilizada para a criação. Isso porque já se discute a necessidade de que as plataformas vedem a possiblidade de criação de conteúdos político com caráter inflamatório. Ademais, chama atenção a forma como o próprio aviso do uso de IA é indicado nas produções. Ao invés de pequenas mensagens no canto das telas, demonstra-se mais seguro para a opinião pública o maior destaque à informação.

Em outro caso, em maio deste ano, o Senador italiano Marco Lombardo usou o ChatGPT para fazer um discurso inteiramente gerado pelo programa de IA, como forma de destacar a relação entre IA e a política, e a necessidade de o Parlamento debater a sua regulamentação2

As mudanças acarretadas, e ainda não integralmente compreendidas, pelo Big Data e pela popularização do uso de ferramentas de inteligência artificial pendulam entre o otimismo de transformações sociais profundas, como a inclusão de mais agentes sociais, a diminuição de barreiras e a maior difusão de serviços e conhecimento, e o temor por riscos individuais e coletivos, como o aumento de polarização política, a generalização de desinformação e a excessiva personalização da experiência social. No fim, porém, tratam-se de ferramentas, cuja destinação é dependente do encaminhamento humano dado a elas.

Como mencionado por Ben Buchanan e Andrew Imbrie3, o caminho que será dado às ferramentas de inteligência artificial ainda é incerto, "se gerirmos bem esta tecnologia, ela se tornará uma tremenda força para o bem global, iluminando o caminho para muitas invenções transformadoras. Se a implementarmos demasiadamente rápido e sem uma previsão adequada, a IA irá queimar de formas que não podemos controlar".

As novas tecnologias de um modo geral e a internet ainda estão submersas em desigualdades, cuja resolução demanda muito esforço e ação proativa para balancear o acesso, o controle e as destinação das novas tecnologias. 

Nesse cenário, o uso da internet, com pautas geridas diretamente pelos interessados, e a polarização política têm cada vez mais alongado as campanhas eleitorais. Política se discute a toda hora, e assuntos variados ganham peso político. É certo que elementos surpresa podem mudar a dinâmica dos discursos, e muito ainda será revelado nos jogos de poder, mas as campanhas de 2024 já começaram a ser realizadas e iniciaram de uma forma diferenciada, como se percebe com a mensagem veiculada pelo partido Republicano antes referida.

A tecnologia digital já vem sendo utilizada em campanhas eleitorais há alguns anos, assim como dados vêm sendo manipulados para interferir na vontade do eleitor. Agora, porém, o uso da IA tem se popularizado, com aplicativos como o ChatGPT, lançado em novembro de 20224. Em decorrência disso, as potencialidades e os desafios trazidos por tecnologias e o uso da internet na propaganda, nas eleições passadas, serão, portanto, incrementados nas que estão por vir. A própria geração de algoritmos é, de todo modo, uma questão cara à democracia, dada a importancia de se pensar sobre como reproduzir a diversidade cívica nos comandos.

Diante dos potenciais impactos dessas novas formas de usar a tecnologia, o presente artigo procura pontuar algumas das possíveis relações entre IA e eleições, tendo sempre em conta seus possíveis efeitos para a dinâmica democrática5.

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1 Republicans counter Biden announcement with dystopian, AI-aided video. Disponível em https://www.washingtonpost.com/politics/2023/04/25/rnc-biden-ad-ai/

2 Senador italiano provoca parlamento com discurso gerado por IA. Disponível em  https://br.cointelegraph.com/news/italian-senator-provokes-parliament-with-ai-generated-speech

3 BUCHANAN, Ben; IMBRIE, Andrew. The New Fire: War, Peace, and Democracy in the Age of AI. Cambridge: The MIT Press, 2022, p.13.

https://olhardigital.com.br/2023/05/30/pro/6-meses-de-chatgpt-o-que-mudou-e-o-que-esta-por-vir/

5 Sf;s;

Desirée Cavalcante Ferreira

Desirée Cavalcante Ferreira

Mestra e doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Professora de Direito Constitucional. Advogada. Membro da Comissão Especial do Pacto Global do Conselho Federal da OAB, da Comissão Especial Brasil/Onu de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã para Implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas da OAB/CE e do Observatório de Violência Política Contra a Mulher.

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

VIP Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil. Integra o Observatório de Violência Política contra a Mulher.

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