As diferenças básicas entre a impugnação ao cumprimento de sentença e os embargos à execução no CPC
Parte-se da ideia de que a impugnação resiste ao título judicial, ao passo que os embargos constituem ação autônoma para contrariar título extrajudicial. Mas há outros detalhes.
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Atualizado às 13:31
O rito executório é informado pelo princípio do desfecho único e comporta uma dualidade básica de posições. De um lado, o Credor busca obter materialmente o bem da vida garantido pelo titulo executivo judicial ou extrajudicial. Do outro, o devedor executado, cuja pretensão se limita a defender ou impedir o êxito do exequente.
O executado possui a priori duas formas de defesa a depender da natureza da execução. Contra o título executivo judicial em cumprimento de sentença cabe a impugnação do art. 525 do CPC (art. 535, no caso da Fazenda Pública), ao passo que cabem embargos à execução para resistir ao rito executório de um título executivo extrajudicial conforme o art. 914 do CPC (art. 910 do CPC no caso da Fazenda Pública).
IMPUGNAÇÃO
A impugnação é apresentada nos mesmos autos, por simples petição. Não se cria novo processo incidental, tampouco se formam novos autos. Seu julgamento se dá por decisão interlocutória caso mantenha a execução ainda que parcialmente, e por sentença, em caso de extinção da execução (art. 203, § 1º, parte final, e art. 924, do CPC).
Tem lugar na defesa do cumprimento de sentença de título executivo judicial para pagamento de quantia certa. Todavia, será cabível, no que couber, com relação à obrigação de fazer ou de dar coisa (art. 536, § 4º, e art. 538, § 3º, do CPC).
Com base no caput dos art. 523 e 525 do CPC, o executado será intimado e terá o prazo de 30 (trinta) dias úteis (art. 219, do CPC) para apresentar a sua impugnação. É que os primeiros 15 dias serão para realizar o pagamento voluntário (art. 523) e, não o fazendo, posteriormente terá início automático, sem nova intimação, de um novo prazo de 15 dias para impugnar. Esses prazos contam-se independentemente de penhora ou garanta (art. 525) e em dias úteis.
Para se compreender o alcance da impugnação, deve-se partir da ideia de que na fase cognitiva o contraditório foi amplo, culminando-se em sentença prolatada pelo judiciário contra a qual foram cabíveis diversos recursos. O que se deve ter em mente é que o título judicial posteriormente executado formou-se em cognição exauriente após debates na fase de conhecimento. Então, a impugnação possui um campo limitado de discussões, já que o "núcleo duro" dos questionamentos no judiciário já ocorreram na fase anterior à execução. Vejamos os temas alegáveis na impugnação conforme se extrai do art. 525, § 1º, do CPC:
§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:
I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II - ilegitimidade de parte;
III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV - penhora incorreta ou avaliação errônea;
V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
O inciso I, que trata da nulidade de citação quando o processo na fase de conhecimento correto a revelia, constitui exceção à regra de que, ainda que no módulo de conhecimento tenha havido nulidades absolutas, não poderiam ser arguidas em via de impugnação, porque sobre as mesmas já pesa a autoridade da coisa julgada, só sendo possível a utilização da ação rescisória para cassar a parte dispositiva da sentença definitiva que tem sobre si a imutabilidade e autoridade da coisa julgada.1
Com exceção do primeiro inciso, todas as demais alegações dizem respeito a situações ocorridas após o trânsito em julgado, ou seja, falhas pontuais que surgiram ou são apreciáveis apenas no próprio modo de conduta do Credor no rito executório. Na impugnação, não há uma nova oportunidade para debater a obrigação constituída na sentença, e tampouco seria possível questionar novamente o conteúdo do título judicial.
É por isso que se afirma que a impugnação ao cumprimento de sentença não pode combater o mérito da condenação, limitando-se ao âmbito das preliminares, pressupostos processuais e condições do rito executivo. Tudo que envolve o mérito da condenação só pode ser relacionado a eventos posteriores que possam afetar a sentença e a dívida reconhecida, como pagamento, compensação ou prescrição da execução, enfatizando-se que tais eventos devem ocorrer de forma superveniente. Essa restrição em seu alcance é justificada pelos motivos mencionados.
EMBARGOS À EXECUÇÃO
Os embargos à execução têm natureza de ação judicial e devem ser distribuídos em apenso, por dependência, conforme o art. 914 e § 1º do CPC, devendo ser apresentados no prazo de 15 (quinze) dias úteis a partir da citação. Em geral, esses embargos não possuem efeito suspensivo e não exigem garantia do juízo (conforme o art. 919). No entanto, de acordo com o § 1º, o juiz poderá conceder efeito suspensivo se a parte garantir o juízo e demonstrar que os requisitos da tutela provisória estão presentes. Em outras palavras, o efeito suspensivo é concedido pelo próprio julgador (ope judicis).
Podem ser apresentados contra qualquer execução de título executivo extrajudicial. Seu julgamento se dá por sentença e comporta juízo de procedência ou improcedência, a fim de se desconstituir o título executivo extrajudicial combatido.
Mas a amplitude dos embargos à execução em muito supera a da impugnação.
É que ainda que o legislador atribua presunção de certeza, liquidez e exigibilidade ao título executivo extrajudicial, também é garantido ao executado o amplo direito de discutir em juízo a higidez do título, observando, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Esta conclusão é extraída da interpretação do disposto no art. e 917, VI, do CPC:
Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:
VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.
Diferentemente da execução de título judicial, em que a impugnação possui cognição limitada em razão de já ter havido prévia discussão e acertamento judicial da lide, os embargos à execução de título extrajudicial permitem ampla cognição por constituírem verdadeira ação de conhecimento. Afinal, é a partir dos embargos que se inaugura o debate em juízo até então inédito, podendo assim rediscutir a própria formação do título.
Nesse sentido é a lição da doutrina do prof. Humberto Theodoro Júnior:
"Embora o título extrajudicial goze de força executiva igual à da sentença, não se apresenta revestido da imutabilidade e indiscutibilidade próprias do título judicial passado em julgado. Daí porque, ao regular os embargos manejáveis contra a execução de títulos extrajudiciais, a Lei permite ao executado arguir tanto questões ligadas aos pressupostos e condições da execução forçada como quaisquer outras defesas que lhe seria lícito opor ao credor, caso sua pretensão tivesse sido manifestada em processo de conhecimento. " (Theodoro Júnior, Humberto. Processo de Execução e Cumprimento da Sentença. 25ª ED. rev. ampl. atual. São Paulo. LIV. e ED. Universitária de Direito, 2008, pág. 426)
É o mesmo posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni:
"Daí a razão fundamental da segunda diferença entre a execução dos títulos judiciais e dos extrajudiciais. A defesa do executado, na execução de títulos extrajudiciais, não se faz mediante simples impugnação, oferecida no seio do procedimento executivo. Como já dito, aqui a defesa se realiza por meio da propositura de novo processo, que veiculará uma ação de conhecimento autônoma e incidente ao processo de execução, que objetiva discutir aspectos da execução, do título e do próprio crédito demandado. O executado se tornará autor de uma ação que tem por objetivo desconstituir o título ou o direito demandado ou ainda inviabilizar o processo de execução. Este processo de conhecimento incidente ao de execução é de cognição plena e exauriente. Permite a discussão de qualquer tema (vinculado, obviamente, ao direito postulado na execução) e sua sentença é apta a tornar-se imutável pela coisa julgada." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, et al. Novo Curso de Processo Civil: Tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. V.3. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, v. d., p. 34-35)
O tratamento que a resposta do devedor dá à execução do título extrajudicial corresponde a uma verdadeira transformação da execução em ação ordinária de cobrança, pelo menos enquanto estiverem pendentes os embargos opostos pelo executado. O crédito passa a ser objeto de ampla indagação e de completo acertamento, tanto positivo como negativo2.
É por isso que se diz que o juízo cognitivo dos embargos é amplo e pode atingir tanto os fatos anteriores à formação do título (a própria causa debendi) como os posteriores, que possam provocar a modificação ou extinção do crédito ou o impedimento à sua exigibilidade. Fala-se, nesse sentido, que na execução do título extrajudicial ocorreria "execução adiantada", com "inversão da ordem das atividades jurisdicionais"3.
Comparando-se com a defesa na execução de título judicial, não há dentre os temas alegáveis na impugnação ao cumprimento de sentença um inciso semelhante ao VI, que amplia a discussão para "qualquer matéria" alegável na fase de conhecimento. Isso se dá por um motivo: tais alegações do executado-impugnante deveriam ter sido feitas na fase de conhecimento, não inaugurando a impugnação nova oportunidade, o que se dá também em atenção ao art. 508 do CPC:
Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
Embora existam inúmeras outras diferenças, neste ensaio pretendeu-se apenas destacar alguns pontos práticos e breves que merecem atenção por parte dos advogados, especialmente no que diz respeito às formalidades do peticionamento e à sutil diferença entre o alcance e as matérias alegáveis, e revela algumas das razões para essas distinções.
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1 ABELHA, Marcelo. Manual da Execução. 5a. Ed. Forense: Rio de Janeiro. 2015.
2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018. vol. III, item 513, p. 709.
3 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, t. IX, p. 63; ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução - parte geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 273