Declarações públicas e o Direito Concorrencial
Investigações recentes do CADE indicam que, ao realizar declarações públicas ou responder a questionamentos de investidores ou jornalistas, as empresas devem se atentar ao conteúdo e à forma de suas afirmações, especialmente sobre seu comportamento futuro.
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Atualizado às 07:47
No dia a dia dos negócios, é comum que empresas participem de reuniões da indústria, organizem conferências para divulgação de resultados e concedam entrevistas a jornalistas. Em tais eventos, é também usual que manifestem sua visão sobre as perspectivas do mercado, sua estratégia comercial e os desafios de seu setor. No caso de companhias abertas, abordar esses assuntos é até exigido, em virtude de seu dever de manter os investidores informados sobre sua atividade.
Sem as devidas cautelas, no entanto, declarações públicas e informações divulgadas ao mercado podem levantar questionamentos pela autoridade concorrencial, que pode vir a interpretá-las como um ato ilegal de "sinalização" ao mercado ou "convite à cartelização".
Não se trata aqui de um cartel clássico, infração mais grave à concorrência, que é usualmente caracterizado por um acordo entre concorrentes cujo objeto é restringir a competição. O convite à cartelização é antes um ato unilateral que indica a concorrentes, mesmo que de maneira indireta, a expectativa de que todos adaptem seu comportamento comercial de determinada maneira, de forma a alinhar sua conduta.
Até hoje, essa infração não foi objeto de muitas investigações da autoridade antitruste. Recentemente, contudo, essa tendência tem se revertido: desde 2020, ao menos quatro procedimentos foram abertos para apurar potenciais sinalizações unilaterais anticompetitivas, no contexto de declarações ao mercado.
Em um caso,1 a Superintendência-Geral do CADE - SG, investigou se os anúncios públicos feitos por uma empresa do setor aéreo a respeito de políticas de preços futuros e market share poderiam levar à adoção de uma conduta uniforme entre concorrentes. Entretanto, ao analisar a integralidade e o contexto das declarações, a SG concluiu que as informações divulgadas eram meras respostas genéricas a perguntas de jornalistas, com análises superficiais do mercado e da estratégia geral da companhia, e arquivou os autos sem impor sanções.
Em outro,2 a autoridade investigou duas empresas do setor de aves e suínos, por terem indicado, no mesmo evento público, que os preços do frango subiriam em virtude do aumento do custo do milho. Ao final, a SG decidiu encerrar o processo sem impor sanções, uma vez que (i) não houve revelação intencional de informação comercialmente sensível, mas mera resposta a questionamento de jornalistas, de modo genérico, e (ii) as projeções a respeito do mercado divulgadas pelas empresas não foram as mesmas, demonstrando que suas previsões de aumento de preços não foram coordenadas, mas apenas baseadas nas mesmas premissas.
Em um terceiro caso,3 ainda em andamento, a SG investiga se declarações realizadas por uma empresa do setor de telecomunicações durante a apresentação de seus resultados trimestrais poderiam ser consideradas ilícitas, ao indicarem que o valor de seus serviços aumentaria e que haveria expectativa de que os preços de seus concorrentes também subissem. Este procedimento ainda está em fase inicial de investigação.
Por fim, no quarto caso,4 o CADE investiga uma empresa do setor de bioenergia por ter alegadamente incentivado concorrentes a combinar "uma forma de controlar estrategicamente a oferta" de certo produto, no contexto de um workshop público para toda a indústria. Nesse caso, a SG recomendou a condenação da empresa investigada, indicando que o convite à cartelização seria, por si só, um ilícito antitruste - não sendo necessário o aceite por parte dos concorrentes para que seja ilegal. O caso está, agora, em análise pelo Tribunal da autoridade.
Ainda que não exista decisão definitiva em dois dos casos acima, ao menos duas decisões do CADE sugerem que declarações genéricas sobre o mercado dificilmente levantariam preocupações concorrenciais. Mesmo assim, a orientação da autoridade é clara: as empresas devem adotar cautelas em suas manifestações públicas para evitar que possam ser interpretadas como sinalizações anticompetitivas ao mercado. Nas palavras da própria autoridade, "declarações, ainda que unilaterais e públicas, que possam influenciar comportamentos uniformes entre concorrentes devem ser motivos de preocupação", sendo "parte fundamental do compliance que os executivos e pessoas jurídicas estejam atentos à atuação das autoridades antitruste".
Giulia Gizzi Smith Angelo
Advogada da área Concorrencial do BMA Advogados.
Guilherme Morgulis
Sócio da área Concorrencial do BMA Advogados.