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A decadente estrutura sindical brasileira

O modelo sindical corporativista adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro enfraquece a representação dos trabalhadores perante seus empregadores. Tal modelo fora criado na Era Vargas e mantido pela Constituição Federal de 1988.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Atualizado às 14:19

A liberdade sindical é tema absolutamente intrínseco às relações de trabalho, trazendo em seu bojo uma excepcional carga histórica que se relaciona com a questão da representatividade dos trabalhadores perante seus empregadores, visando as melhorias das condições de trabalho.

A denominada liberdade de cunho sindical nunca fora plena nos moldes estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, devido ao modelo sindical, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 frisa em seu artigo 8º que é livre a associação profissional ou sindical, observado determinadas diretrizes. Assim, podemos concluir com esse enunciado que a tal liberdade é limitada.

O modelo corporativista mantido pela ordem constitucional vigente é um fator limitante da atuação sindical no Brasil. O referido modelo foi instituído pelo Estado Novo que resultou da Constituição de 1937, e, especialmente, pelo Decreto-lei 1.402, de 5/7/39, que regulou a sindicalização brasileira inspirada na organização corporativa italiana.

O núcleo do autoritarismo corporativista de 1937 ainda se manteve em vigor, acolhido pela atual Carta Constitucional, fazendo com que vários dispositivos consolidados atravessem os tempos com o seu modelo corporativista e a unicidade sindical.

Em outros termos, o atual modelo sindical é o maior entrave para a democratização da estrutura sindical, como já vimos, quando o advento da Constituição Federal de 1988 avançou pouco em matéria de sindicato, mas manteve a unicidade, para garantir o monopólio da representação por categoria.

A estrutura sindical nacional está em desacordo com normas internacionais, porque a Convenção nº 87, da Organização Internacional do Trabalho OIT, prevê a liberdade sindical que não fora ratificada pelo Brasil, pois sua legislação interna não se coaduna com o teor da referida convenção.

Outrossim, a não ratificação da Convenção 87 pelo Brasil, encontra óbice em razão da existência de uma estrutura sindical arcaica, representada pelo sistema confederativo com os sindicatos, federações e confederações e sua organização por categorias, bem como, a consagração da unicidade sindical, impedindo a existência de vários sindicatos de uma mesma categoria na mesma base territorial. Fatores que limitam o pleno exercício da liberdade sindical.

A unicidade sindical prevista no inciso II do artigo 8º da Constituição Federal de 1988 autoriza a existência de apenas uma entidade representativa de categoria profissional ou econômica dentro de determinada base territorial que corresponde a área de um município; logo, vai de encontro à previsão da Convenção nº 87 da OIT; que prioriza a liberdade sindical, possibilitando que os empregados e empregadores criem diversas organizações sindicais em uma mesma base territorial, assim, instituindo a pluralidade sindical por opção dos próprios trabalhadores, e não por imposição legal como prevê o sistema atual, sendo o princípio da unicidade sindical a mais importante das limitações constitucionais à liberdade sindical juntamente com a contribuição sindical compulsória já extinta com a lei 13.467 de 2017.

A vedação da criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial superior a área de um Município, constitui uma verdadeira, como já fora frisado, uma limitação do direito de liberdade sindical. O que prejudica a representatividade em busca de melhores condições de trabalho.

Em contrapartida, a pluralidade sindical é uma forma de permitir aos empregados e empregadores, a liberdade de escolher o sindicato que melhor contemple suas necessidades, garantindo a plena liberdade sindical.

Ela é o inverso da unicidade sindical e consiste na autorização de várias entidades, na mesma base territorial, exercendo a representação da mesma categoria. Ou seja, o trabalhador ou empresário não está obrigado a se filiar a determinado sindicato, podendo se filiar a outro sindicato representativo da mesma categoria profissional ou econômica que o melhor represente.

Em suma, a unicidade sindical é reconhecida pelo Estado como uma única entidade sindical, em qualquer grau, para determinada categoria econômica ou profissional, na mesma base territorial, enquanto a pluralidade sindical consiste na criação de mais de uma entidade sindical, em qualquer grau, dentro da mesma base territorial, para uma mesma categoria, sendo garantido maior liberdade de escolha por parte dos trabalhadores e dos patrões de escolherem a entidade sindical que maior representasse seus interesses.

Contudo, com o nosso sistema atual, não há como avançar na questão do debate sobre o sindicalismo no Brasil, uma vez que possuímos uma estrutura ultrapassada de representação sindical.

As normas limitadores da liberdade sindical enfraquecem a representatividade dos sindicatos, acarretando uma representação meramente formal sem propiciar os meios adequados para melhorar as condições de trabalho.

Em 2017, tivemos um avanço para tentar desconstituir o nosso modelo sindical obsoleto por meio da lei 13.467/17 (lei da Reforma Trabalhista) a qual alterou a CLT, estabelecendo que a contribuição sindical será facultativa, devendo o empregado requerer o desconto previamente ao empregador, autorizando de forma prévia voluntária, individual e expressa, conforme dispõe o art. 579 da CLT.

O pagamento facultativo da contribuição sindical fora considerado constitucional pelo STF, cuja decisão poderia alavancar a liberdade sindical plena para os sindicatos realmente exercerem a representatividade efetiva da categoria, bem como fazer com que os trabalhadores se sintam representados, passando a contribuir de maneira voluntaria em favor de seus sindicatos.

Entretanto, o recente julgamento da Suprema Corte sobre a possibilidade da fixação, por assembleia, de contribuições assistenciais a todos os integrantes da categoria, associados ou não ao sindicato, parece contradizer o seu próprio entendimento, causando uma espécie de "esquizofrenia jurídica".

 Primeiramente, fora decidido pelo STF que é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente aos empregados da categoria não sindicalizados. O presente entendimento estava em consonância com a jurisprudência do TST e do próprio STF.

Contudo, após apresentação de embargos declaratórios, a maioria dos ministros que compõe o STF acompanhou a modificação proposta pelo ministro Barroso, para aceitar a fixação da contribuição assistencial a todos os integrantes da categoria, desde que assegurado o direito de oposição.

A justificativa para a mudança de entendimento é a necessidade de os sindicatos conseguirem recursos para poderem exercer sua missão principal, a realização da negociação coletiva, uma vez que o fim da contribuição sindical compulsória (antigo imposto sindical) teria dificultado o exercício da função social das entidades sindicais.

Data a máxima vênia, a justificativa é mais política do que jurídica, pois o fim da contribuição sindical obrigatória não impede de forma alguma os sindicatos de exercerem a sua função constitucional.

Quando a contribuição sindical passou a ser facultativa, ao invés de buscar uma representatividade efetiva junto aos membros da categoria, os sindicatos começaram a negociar gambiarras nas negociações coletivas para a maioria das vezes de forma inconstitucional, visando obter algum tipo de financiamento, nem que fosse do próprio empregador, violando de forma flagrante o princípio da Liberdade Sindical.

Em outras palavras, quando a Reforma Trabalhista transformou em facultativa a contribuição sindical prevista por lei (artigo 579 da CLT), inúmeras foram as tentativas de se criar um sistema alternativo que pudesse manter as coisas como sempre foram; fazendo surgir "anomalias jurídicas" totalmente ilegais.

A própria jurisprudência do TST sempre foi firme neste sentido de ser ilegal as cobranças de contribuição assistencial ou confederativa aos não sindicalizados, com base no Precedente Normativo de número 119, cujo teor consigna que a Constituição da República, em seus artigos 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.

Como se sabe, o artigo 513, alínea "e" da CLT, que permite o estabelecimento da contribuição assistencial, continua o mesmo de 1946. Então qual seria o motivo de o Poder Judiciário alterar o cenário atual?

Ora, pelo simples fato de as entidades sindicais não conseguirem convencer os próprios integrantes da categoria a sua importância, o que geraria contribuições espontâneas, garantindo uma representatividade mais efetiva por parte das entidades.

Podemos concluir sem dúvida alguma que, o novo posicionamento do STF irá aumentar as demandas na Justiça do Trabalho em face dos empregadores, pois o artigo 513, "e" da CLT permite o estabelecimento da contribuição assistencial, mas o artigo 545 consolidado deixa claro que não há possibilidade de desconto salarial sem a autorização dos empregados. Por último, temos o artigo 462 da CLT, que concretiza o princípio da intangibilidade salarial, vedando qualquer tipo de desconto nos salários, salvo os ali expressamente permitidos.

Além do mais, o legislador deixou claro no artigo 611-B da CLT, inciso XXVI que não pode ser objeto de negociação coletiva a liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Em suma, por mais que o STF legitime a cobrança da contribuição assistencial aos não sindicalizados, resta evidente que não será possível a realização automática dos descontos pelo empregado por força do artigo 462 do diploma celetista que é norma de ordem pública. Pois, mesmo que a norma coletiva estabeleça a contribuição assistencial, sem oposição do interessado, o desconto no salário do empregado somente pode ocorrer com sua prévia e expressa anuência.

Por sua vez, o direito à oposição da cobrança não resolve a questão, pois ele poderá ser condicionado pela própria norma coletiva que na prática irá limitar o exercício tal direto pelo trabalhador.

Ao fim e ao cabo, a decisão da Suprema Corte brasileira vem piorar um sistema sindical que já está decadente, na qual sem uma reforma profunda nunca teremos uma liberdade sindical plena.

José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira

VIP José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira

Jurista, Advogado e Consultor Jurídico, especialista em Direito do Trabalho e Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP.

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