Saiba quando será possível o reconhecimento de união estável com pessoa casada
É importante destacar que o reconhecimento de união estável com pessoa casada tem repercussões legais, especialmente no que diz respeito a direitos previdenciários, como a pensão por morte.
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
Atualizado às 14:14
O sistema jurídico brasileiro abriga a figura da união estável como uma entidade familiar, constituída por duas pessoas sem impedimentos matrimoniais, caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de formar uma família. Tal reconhecimento e sua eventual dissolução, inclusive após o falecimento de um dos companheiros, o que está previsto tanto na constituição como na legislação civil.
A união estável é uma entidade familiar reconhecida pela Constituição Federal e pelo Código Civil brasileiro. Ela consiste na união entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexos diferentes, que possuem convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. No entanto, existem algumas restrições legais quando se trata do reconhecimento de união estável envolvendo pessoa casada.
De acordo com o artigo 1.723 do Código Civil, a união estável é reconhecida como entidade familiar entre o homem e a mulher. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADIn 4.277-DF em conjunto com a ADPF 132-RJ, entendeu que é possível a existência de uniões estáveis homoafetivas, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, a união estável pode ser estabelecida tanto por casais heterossexuais quanto por casais homossexuais.
Não obstante, é importante ressaltar que o reconhecimento de união estável com pessoa casada é geralmente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Isso ocorre devido ao princípio da monogamia, que estabelece que uma mesma pessoa não pode contrair e manter simultaneamente dois ou mais vínculos matrimoniais ou de união estável.
Reforça-se, portanto, que a regra é clara uma pessoa casada não pode simultaneamente ter união estável com outra pessoa. Da mesma forma, uma pessoa que já vive em união estável não pode simultaneamente ter outra união estável. Essa vedação encontra-se expressamente prevista na legislação, mais especificamente na primeira parte do § 1º do artigo 1.723 do Código Civil.
Quais são as exceções a regra acima apresentada, ou seja, quando será possível o reconhecimento de união estável com uma pessoa formalmente casada?
Como citado acima, apesar do casamento ser fator impeditivo para o reconhecimento de união estável, ainda é possível vislumbrar duas hipóteses nas quais será possível o reconhecimento, notadamente quando houver separação de fato do casal e nos casos em que fiquem demonstrados o pleno desconhecimento do casamento.
Quanto a primeira situação, não há maiores discursões, na medida em que o próprio Código Civil estabelece que, se o indivíduo casado estiver separado de fato ou judicialmente, ele poderá ter união estável com outra pessoa. Essa exceção está prevista na segunda parte do § 1º do artigo 1.723.
Assim, será possível o reconhecimento de união estável com pessoa casada, sendo necessário que haja a comprovação da separação de fato ou judicial do cônjuge. Caso contrário, a relação estabelecida será considerada concubinato, não sendo reconhecida juridicamente como união estável.
Já a segunda hipótese, devido a necessidade de comprovação de requisitos específicos, bem como em virtude da controvérsia judicial, será tratada em tópico específico.
União estável putativa: ausência de conhecimento quanto ao impedimento para união estável
Nos termos do que já foi pontuado, a lei estabelece que a união estável não pode ser reconhecida como entidade familiar se algum dos impedimentos ao casamento estiver presente (art. 1.723, §1º do Código Civil), tais como o casamento vigente. Nesse contexto, quando há um segundo relacionamento que se assemelha a uma união estável e ocorre concomitantemente com a primeira, a princípio, entende-se haver impedimento legal para o reconhecimento da segunda união como entidade familiar.
Não obstante, além da situação legalmente prevista e já citada acima, a doutrina e jurisprudência têm admitido, de forma excepcional, a existência concomitante de duas uniões estáveis quando se verifica que uma das partes não tinha conhecimento da primeira relação. Assim, se a boa-fé da companheira ou companheiro que desconhecia o impedimento prévio é comprovada, aplica-se, por analogia, o princípio do casamento putativo, reconhecendo-se a segunda relação como união estável putativa.
É importante esclarecer que essa relação paralela de união estável é tida como putativa devido à ignorância de um dos parceiros em relação ao casamento do outro.
Muitos argumentam que é impossível iniciar ou manter uma união sem conhecer o estado civil do parceiro, mas isso não é verdade. Os meios de comunicação frequentemente abordam esse fenômeno. Abaixo, listamos algumas circunstâncias marcantes desse fenômeno:
- O desconhecimento do casamento por parte do parceiro;
- A coexistência das relações, com uma delas começando enquanto a outra já está em andamento;
- Uma das relações preenche os requisitos para o casamento, enquanto a outra preenche os requisitos para a união estável;
- O cônjuge adúltero mantém simultaneamente mais de um lar e família.
Os reflexos e consequências desse fenômeno ainda são pouco explorados. O parceiro enganado, além de descobrir a existência de outra família, sofre com a descoberta de que seus laços afetivos não eram exclusivos, causando um dano à sua moral.
Essa situação pode ser apenas o início de uma longa batalha judicial contra a família protegida pelo casamento. A família que se considera legítima muitas vezes busca a aquisição de todos os bens do provedor, incluindo aqueles adquiridos na união paralela, prejudicando a parceira e os filhos dessa relação.
Confira o entendimento do TJ/DF sobre o assunto, o qual, apesar de não reconhecer a existência de união estável putativa no caso concreto, resumiu bem os requisitos necessários para tanto:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÕES CONEXAS. JULGAMENTO CONJUNTO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. REQUISITOS. CONCOMITÂNCIA DE RELACIONAMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. BOA-FÉ DA COMPANHEIRA. DESCONHECIMENTO DE IMPEDIMENTO. (...) 3. A teor do art. 1.723, §1º, do Código Civil, que dispõe sobre a impossibilidade de se reconhecer a união estável como unidade familiar se identificado algum dos impedimentos que se aplicam ao casamento (art. 1.521 do C.C.), constatada a existência de um segundo relacionamento, configurado sob os moldes de união estável, mantido em paralelo com união estável anterior, a princípio, entende-se haver impedimento legal ao reconhecimento dessa segunda união como entidade familiar. 4. A doutrina e a jurisprudência pátrias têm aceitado, excepcionalmente, a configuração concomitante de duas uniões estáveis, acaso verificado que a pessoa partícipe da segunda união desconhecia a existência do primeiro relacionamento. Assim, apurada a boa-fé da(o) companheira(o) que não sabia do impedimento prévio de seu par, aplicam-se, por analogia, as regras do casamento putativo, reconhecendo-se, então, a segunda relação como união estável putativa. 6. Sentença mantida. Recursos não providos.
(Acórdão 1302240, 07321917620198070016, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 18/11/2020, publicado no DJE: 12/2/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Tais fatores evidenciam a complexidade das questões relativas à união estável e a necessidade de avaliar as circunstâncias específicas de cada situação para determinar o seu reconhecimento e os direitos decorrentes. A boa-fé das partes desempenha um papel fundamental nesse contexto, podendo influenciar a natureza jurídica da relação estabelecida.
Portanto, é inaceitável que o Estado desaproprie o parceiro enganado dos bens que ele contribuiu para adquirir e manter, sendo crucial reconhecer um instituto distinto da mera concubinagem para proteger os interesses básicos da família paralela. Afinal, uma parceira que desconhece o impedimento de seu parceiro não deve receber o mesmo tratamento jurídico que uma amante.
Conclusão
É importante destacar que o reconhecimento de união estável com pessoa casada tem repercussões legais, especialmente no que diz respeito a direitos previdenciários, como a pensão por morte. O STF, em recente julgamento sob a sistemática da repercussão geral, fixou a tese de que a preexistência de casamento ou união estável de um dos conviventes impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários.
Portanto, é fundamental que as pessoas estejam cientes das restrições legais e das consequências jurídicas ao estabelecerem uma união estável com pessoa casada. A fidelidade e a monogamia são princípios fundamentais do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, e o descumprimento desses princípios pode acarretarem implicações legais.
Em suma, em regra, não é possível o reconhecimento de união estável envolvendo pessoa casada, exceto nos casos em que haja a separação de fato ou judicial do cônjuge. É importante estar ciente das restrições legais e das consequências jurídicas ao estabelecer uma união estável nessas circunstâncias. O respeito à monogamia e aos deveres de fidelidade são fundamentais para a estabilidade das relações familiares e para o cumprimento da legislação vigente. No entanto, as situações acima tratadas, por se mostrarem legitimas, merecem proteção jurídica, tal como qualquer instituto jurídico.
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Boletim do Ministério Público de São Paulo. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.967.08.PDF. Acesso em: 20/09/2023.
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"união estável putativa, Brasília - DF". Disponível em: https://nascimentopeixotoadvogados.com.br/. Acesso em: 20/09/2023.
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