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É possível afastar judicialmente os reajustes abusivos aplicados pelos planos de saúde coletivos?

Apesar de o reajuste anual nos planos coletivos somente ser acompanhado pela ANS, é juridicamente possível arguir a clareza e correção dos reajustes anuais dos planos coletivos com base na sinistralidade

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Atualizado às 08:32

Introdução

O texto a seguir demonstra que é possível afastar os reajustes abusivos praticados pelos planos de saúde coletivos, fazendo com que as mensalidades sejam consideravelmente reduzidas até que atinjam um valor justo e adequado, sem prejuízo de que o consumidor seja ressarcido pelo valor pago a maior nos 3 anos que antecedem o ajuizamento da respectiva ação judicial.

Entendimento atual do tema pelo STJ

Inicialmente, cabe destacar que o STJ já sumulou o entendimento no sentido de que qualquer espécie de contrato de plano de saúde, incluindo os coletivos, deve obedecer às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC):

SÚMULA 608 DO STJ: "APLICA-SE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE, SALVO OS ADMINISTRADOS POR ENTIDADES DE AUTOGESTÃO"

O STJ também já pacificou a tese de que o aumento das mensalidades dos planos de saúde coletivos em razão da faixa etária é considerado legal (tema 1016 - STJ).

Da mesma forma, o STJ entende que, no plano coletivo, o reajuste anual é apenas acompanhado pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, para fins de monitoramento da evolução dos preços e de prevenção de abusos, não sendo possível a aplicação dos índices previstos aos planos individuais.

Logo, percebe-se que a jurisprudência do STJ não é favorável ao consumidor quando se trata de reajuste anual em planos coletivos.

Não obstante, é juridicamente possível arguir a clareza e correção dos reajustes anuais dos planos coletivos com base na sinistralidade.

A sinistralidade como componente do índice de reajuste anual dos planos coletivos

A sinistralidade corresponde aos custos médico-hospitalares da operadora, os quais compõem os respectivos índices de reajuste anual.

Tais custos devem ser repassados ao índice de reajuste de forma transparente, proporcional e acessível ao consumidor, sob pena de as operadoras serem obrigadas, judicialmente, a aplicarem os índices de reajuste próprios dos planos de saúde individuais, os quais são fixados anualmente pela ANS.

Com efeito, o aumento desproporcional da mensalidade do plano de saúde coletivo é vedado por lei e permite ao consumidor questionar as cláusulas sem rescindir o contrato, consoante o teor do § 2º, do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor:

"A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando se ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer o ônus excessivo a qualquer das partes."

Logo, é possível discutir as cláusulas contratuais leoninas no Judiciário sem invalidar o próprio contrato, visto que tais cláusulas podem ser consideradas nulas de pleno direito, pois são consideradas abusivas e iníquas, porque apresentam variação de preço de forma unilateral. Nesse sentido, é o art. 51, incisos IV e X, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

(...)

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

Assim, quando o aumento da mensalidade é exagerado e excessivamente oneroso, desequilibra o contrato e deixa o consumidor em manifesta desvantagem contratual.

Nesse sentido, encontra-se pacificado pela jurisprudência pátria que a falta de comprovação dos índices de sinistralidade para majorar a mensalidade do plano de saúde coletivo viola o princípio da boa-fé objetiva e caracteriza abusividade das operadoras de planos de saúde.

Por essa razão, o e. TJ/SP vem, reiteradamente, decidindo pelo afastamento dos reajustes por sinistralidade, determinando sua substituição pelos índices da ANS:

APELAÇÃO ação declaratória de nulidade de cláusula contratual - plano de saúde pretensão de afastamento de reajuste por aumento de sinistralidade promovido pela ré - Sentença de parcial procedência, afastando os aumentos em razão da sinistralidade e autorizando apenas o reajuste com aplicação do índice estabelecido pela ANS - Inconformismo da ré, que alega a inexistência de qualquer ilegalidade nos reajustes de mensalidades baseados em sinistralidade, uma vez que, além da previsão no contrato celebrado entre as partes, o aumento em razão da sinistralidade não é abusivo por evitar o desequilíbrio contratual Descabimento Caso em que a ré não se desincumbiu do ônus de comprovar que a sinistralidade tenha se avolumado, ou existência de outro fato novo que desse ensejo ao reajuste no patamar aplicado Recurso desprovido. (Apelação 1104584-73.2015.8.26.0100, 9ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, Rel. JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO, j. 18/10/16)

PLANO DE SAÚDE. PLANO COLETIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES. I. Prescrição. Aplicabilidade do lapso trienal (artigo 206, § 3º, inciso IV, Código Civil). Tese firmada pelo E. Superior Tribunal em julgamento de recursos repetitivos (Tema 610 - REsp 1.361.182/RS, Rel. Marco Aurélio Bellizze). Questão bem parametrizada na origem. Prejudicial afastada. II. Reajuste de mensalidade fundado na sinistralidade do negócio. Inexistência de nulidade per se da previsão contratual de reajuste financeiro. Imposição, contudo, de majorações sem demonstração do efetivo desequilíbrio econômico financeiro do contrato, que deve se dar de forma clara e minuciosa. Abusividade dos percentuais aplicados, tornando a obrigação dos autores onerosa e rompendo o equilíbrio contratual. Precedentes deste E. Tribunal. III. Ofensa ao princípio da boa-fé que deve nortear os contratos consumeristas. Atenuação e redução do princípio do pacta sunt servanda. Incidência do disposto no artigo 421 do Código Civil. IV. Obrigatoriedade da manutenção do valor praticado antes da aplicação dos reajustes abusivos reconhecidos, com incidência somente dos índices praticados pela ANS no período. V. Repetição do indébito, no mais, que é consequência natural do julgado e decorre da cláusula que impede o enriquecimento sem causa, na forma do artigo 884 do Código Civil. Imposição de restituição integral dos montantes, afastada a determinação de compensação. Respeito aos limites do pedido e ao princípio da efetiva reparação de danos, nos termos do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DOS AUTORES PROVIDO, DESPROVIDOS OS RECURSOS DAS RÉS." (Apelação nº 1053309-51.2016.8.26.0100, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo,Rel. Donegá Morandini, j. 02/10/2017).

Assim sendo, nas hipóteses em que a operadora de plano de saúde não seja capaz de apresentar, de forma clara e adequada, como chegou aos índices de reajustes que fez incidir nas mensalidades do consumidor nos últimos anos, caracteriza-se a abusividade do reajuste, devendo ser utilizado, subsidiariamente, os índices praticados pela ANS em relação aos planos de saúde individuais, caso não seja apurado ou apontado, nos autos, o índice de reajuste correto decorrente da sinistralidade anual. Nesse sentido é entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

PLANO DE SAÚDE CONTRATO COLETIVO - REAJUSTE ACIMA DO PERCENTUAL ESTABELECIDO PELA ANS - INADMISSIBILIDADE - LIMITAÇÃO AO ÍNDICE DE 11,75% - PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO. O entendimento do Tribunal é pacífico no sentido de que o percentual estabelecido pela ANS também deve ser observado nos contratos coletivos. (TJ/SP Agravo de instrumento 994.06.069261-0. 3ª Câmara de Direito Privado Relator: Jesus Lofrano j. 13.7.10)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO PLANO DE SAÚDE. Seguradora que pretende a majoração em virtude do alegado aumento de sinistralidade Contrato coletivo que apenas permite o aumento da mensalidade com base nos índices devidamente autorizados anualmente pela ANS, a exemplo dos contratos individuais, ou mediante a comprovação do aumento da sinistralidade Aumento da sinistralidade que deverá ser comprovada durante a instrução processual da demanda de origem, mediante a análise dos documentos contábeis que deverão ser oportunamente apresentados pela ré - Recurso provido. (Agravo de Instrumento nº 2169136-05.2016.8.26.0000 - TJ/SP)

SEGURO-SAÚDE - Modalidade: coletivo por adesão - Mensalidade - Reajustes - Contrato previsivo de reajustes anuais, subordinado a prévio ajuste entre a operadora e a contratante - Alteração de preços, todavia, imposta unilateralmente, sem prévio acerto com a contratante, a pretexto de revisão técnica e financeira, sem demonstração de efetiva necessidade - Apresentação, ademais, apenas da variação percentual, sem, entretanto, apresentar cálculos ou notas técnicas que demonstrem a correção e necessidade dos reajustes nos patamares que se pretende aplicados ao contrato em questão - Abusividade reconhecida - Exclusão do índice que majorou a mensalidade do autor nos termos do pedido inicial, mantidos os anuais autorizados pela ANS - Autor que faz jus à devolução dos valores pagos a maior, de forma simples - Sentença reformada para julgar procedente a ação. Apelação provida.(TJ/SP; Apelação Cível 1013446-36.2018.8.26.0224; Relator (a): João Carlos Saletti; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/4/21; Data de Registro: 30/4/21)

O ponto nodal do precedente supra mencionado é apontar o fato de que a ausência de prévio acerto específico entre as partes contratantes, somada à ausência de demonstração contábil e atuarial da necessidade de reajuste afastam qualquer justificativa genérica dos planos e seguros de saúde coletivos quanto aos índices de reajustes aplicados. Nesse mesmo sentido, afirma o e. Relator do precedente em testilha:

¨(...) No entanto, em nenhum momento demonstrou e muito menos comprovou documentalmente a elevação dos custos de insumos e serviços que presta, ou da elevação dos dispêndios por aumento da sinistralidade. Diversamente, a ré se limitou a justificar a legalidade do aumento, deixando de juntar planilha de análise de sinistralidade, dispensando, no entanto, a realização de prova pericial de seus documentos contábeis, único meio hábil a justificar o pretendido reajuste para o referido contrato.(...)¨(grifo nosso)

CONCLUSÃO

Ante o exposto, não obstante a jurisprudência desfavorável do STJ, é juridicamente possível garantir a continuidade do vínculo contratual com o reconhecimento judicial da nulidade da cláusula dos reajustes por sinistralidade, no sentido de rever o contrato para restabelecer o equilíbrio perdido, obrigando os planos de saúde coletivos a aplicarem tão somente os índices de reajuste autorizados pela ANS, caso não seja apurado o índice correto, evitando-se, assim, o enriquecimento ilícito das operadoras de planos em detrimento da massa de consumidores.

Amanda Fonseca Perrut

VIP Amanda Fonseca Perrut

Amanda Fonseca Perrut (OAB/RJ 114.954) é advogada com mais de 20 anos de experiência, especializada em Direito Médico e da Saúde. É fundadora da Fonseca Perrut Advocacia, com atuação em todo o Brasil.

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