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Ser juiz e não estar juiz

O juiz deve ser exemplo de serenidade. O respeito dos cidadãos não é fruto do rigor, da arrogância, do distanciamento, mais de espírito humilde, dos bons, voltado a bem servir.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Atualizado às 07:43

A vida encerra caminhada finita. É passagem onde se tem atos comissivos e omissivos. Nela, não há espaço para arrependimento. Dinâmica, faz-se calcada na profissão escolhida. Abrem-se os campos privado e público. No primeiro, tem-se leque de oportunidades, prevalecendo a busca do sustento e o da família, dos bens materiais por muitos potencializados.

No setor público, é preciso contar com predicados. O lema único: tomar o cargo ocupado não para dele se servir, mas para servir aos semelhantes. O homem público é um livro aberto, não cabendo pretender a privacidade do cidadão comum. Longe fica de estar em uma redoma. A crítica construtiva, não a crítica pela crítica, deve ser aceita e ponderada, implicando aprimoramento.

E quando se é agente político, juiz?

A cadeira ocupada tem envergadura ímpar. O juiz substitui, de forma cogente, imperativa, a vontade das partes, no que, em conflito de interesses, na mesa de negociação, não chegaram ao desejável entendimento. Mais do que isso. No campo penal, julga aquele que, na vida em sociedade, cometeu desvio de conduta, impondo lhe sanção, impondo lhe, até mesmo, a perda da liberdade de ir e vir. Assim procede não por livre arbítrio, mas de forma vinculada à ordem jurídica-normativa, à legislação de regência. Se de um lado a Justiça é obra do homem, passível de falha, de outro sobressai a busca da melhor solução para o caso concreto. Dele é exigida boa formação técnica. Esta deixa de ter valia quando desacompanhada de robusta formação humanística. Ambas são indispensáveis à realização do trinômio Lei, Direito e Justiça. As normas são feitas para os homens e não o inverso. Devem ser interpretadas. Viabilizam a boa convivência, a paz social. Ocupa, no cenário judicial, posição de destaque, estando investido em cargo vitalício. A garantia visa a independência. Ciência e consciência são os alicerces do ofício judicante. A isenção igualiza pobre e rico, não tendo o processo capa, mas sim conteúdo. Julgar é missão sublime. Quem implementa esse direito-dever há de atuar com despreendimento, com pureza d'alma, com urbanidade. A ética, retratada no respeito a princípios, a balizas consagradas no dia a dia, em hábitos voltados ao bem coletivo, é requisito viabilizador da feitura da justiça. O juiz deve ser exemplo de serenidade. O respeito dos cidadãos não é fruto do rigor, da arrogância, do distanciamento, mais de espírito humilde, dos bons, voltado a bem servir.

E a cidadã-magistrada Rosa Weber? O que é dado testemunhar sobre a vida profissional? No trato, insuplantável. No ofício de julgadora o exemplo maior. Obreira e douta, compreendendo, como ninguém, sem soberbia, a importância dos atos, com ela convivi e muito ganhei em termos de aperfeiçoamento. Presidente do Supremo, foi coordenadora ímpar, atuando como algodão entre cristais. Ainda tendo muito a dar como juíza, veio a ser alcançada pela aposentadoria compulsória. Perdeu o Estado, perdeu a nacionalidade, perderam os jurisdicionados. A confirmar que a moeda tem dois lados, que a balança da vida tem dois pratos, deixou algo perene: o exemplo de cidadã-magistrada. Obrigado Juíza Rosa Weber pelos anos de profícua convivência na bancada. Digo com orgulho: fomos colegas de sacerdócio. Vida longa e felicidade. Que sempre imperem, em nossas vidas, a compreensão, a alegria e o amor.

Marco Aurélio Mello

VIP Marco Aurélio Mello

Ministro aposentado do STF. Foi, também, ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Tribunal Superior do Trabalho.

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