Bares, a nova lei contra assédio e a crescente violência no país
A médio prazo temos que investir em educação, resgate da civilidade, em uma sociedade mais justa e com redução das desigualdades, na retomada do processo civilizatório.
terça-feira, 3 de outubro de 2023
Atualizado às 14:53
O governador de São Paulo sancionou lei que obriga bares e restaurantes a auxiliarem vítimas de assédio sexual. Casos recentes envolvendo "famosos" são apontados como deflagradores da aprovação da lei, mas trata-se de problema antigo que cresceu muito nos últimos quatro anos em meio à explosão da cultura da violência. Multiplicou-se o desrespeito ao próximo, a miséria e o povo que vive nas ruas, as agressões a indígenas, ao meio ambiente, à verdade, ao direito de circular pelas estradas sem ser parados por bandoleiros que se dizem caminhoneiros, ao respeito às eleições, ao Estado Democrático de Direito e tantas outras conquistas que íamos obtendo no processo civilizatório. Parece que grupos de caçadores-coletores que ficaram à parte desse processo de dois milhões de anos invadiram a sociedade e agem conforme seus valores primitivos, onde a violência do mais forte é a lei. Essa turbulência se reflete no dia a dia da vida social e em agressões no metrô, nas ruas, nas casas de diversões, e a sociedade tem que se defender e os donos de bares podem e devem fazer sua parte.
O setor de bares - aí incluímos restaurantes, casas noturnas, eventos de lazer - sofre com a violência. Há reflexos no funcionamento, na imagem, no posicionamento do negócio. Essas pessoas truculentas e ignorantes nunca gostaram, mas eram obrigadas a manter civilidade e respeito e agora se acham no direito de ficar gritando com o vizinho porque ele é gay ou contrário à sua preferência política, abusos inadmissíveis, agressão também ao dono do negócio, seus funcionários e demais clientes.
A ABRASEL fez o correto ao apoiar a lei, em fornecer orientações, elaborar cartazes, pleitear linhas de comunicação especiais com a polícia, alinhar-se, pois, aos anseios de quem se vê alvo de abusos e ilegalidades de toda ordem dentro de estabelecimentos do setor.
No fundo, a violência no ambiente do bar tem muito a ver com o que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro, episódio que lembrou o Coringa enlouquecendo Gotham City. Um outro tipo de agressão ocorre com as listinhas estúpidas e ilegais feitas por adeptos do candidato perdedor nas eleições presidenciais, relacionando bares que apoiaram o outro candidato. Em vez de respeitá-los e ver que há outras visões de mundo, agridem-nos tão só por pensarem diferente, como se um comerciante também não pudesse optar por projetos para o país que não fossem os do agressor. É o fanatismo, o totalitarismo à solta, manifestado pelos que dizem defender a liberdade.
A agressão dentro do bar não é, pois, só contra o cliente, mas também contra os donos e funcionários que vivem do negócio, que se sentem agredidos, não gostam que seus clientes sejam ameaçados, de ver seu negócio nas páginas policiais dos jornais ou de se envolverem eles mesmos com infrações administrativas, civis, penais, contra diretos de consumidor e outras que geram multas e punições.
O bar, para sobreviver, ter sucesso, além de ser um lugar para tomar chopinho e comer um petisco, contar estórias e escalar a seleção brasileira, deve ser um ambiente de paz, amizade, fraternidade, das pessoas se aproximarem, de festejar a diversidade de opções sexuais, de ideais, de sonhos, das opções políticas, deve ser um local aberto para o mundo. Os violentos, os que têm preconceito contra diferentes ou gente de paz, não são bem-vindos. Para manter o ambiente seguro os proprietários devem fazer sua parte, saber como detectar uma situação de anomalia, a hora e como agir como moderador se for o caso, ou chamar a polícia. Deve antes cuidar da prevenção.
O assédio acontece quando o indivíduo usa de força física ou agressão psicológica, tenta toques ou falas vulgares e inconvenientes contra outra pessoa. A aproximação entre pessoas dentro do bar deve existir com respeito e sensibilidade, aliás, assim deve ser em qualquer lugar. Tem a chamada paquera que é comportamento natural, principalmente entre jovens, é comum que estes queiram se aproximar, encontrar novas amizades. Quem toma a iniciativa tem que ter sensibilidade para aferir se está havendo a aceitação do outro, o que não é difícil. O paquerador tem que saber distinguir respostas, ser humilde e inteligente o suficiente e retirar-se quando não há abertura, quando não é aceito.
Há entre os rejeitados uns poucos que, de insistentes, chatos, passam à truculência e então o crime de assédio vai se caracterizando e é nestas horas que o dono ou funcionários do estabelecimento podem ser chamados a intervir.
No início dessa intervenção eles devem buscar informações, sentir o que acontece, o que pretendem os envolvidos e então, percebendo anormalidade, tomar decisões que podem começar inexistindo violência, com tentativa de mediação, convencendo o agressor a deixar o espaço do agredido, advertindo se for o caso. Na maioria, esses incidentes são desentendimentos e as partes, mesmo a vítima, prefere continuar com os amigos, não se envolver com polícia, inquéritos, depoimentos na delegacia e depois no fórum, continuar a ter que ver seu agressor nas audiências. Se houver agressão e a vítima insistir, deve chamar a polícia e então teremos os desdobramentos do inquérito.
Muitas vezes a insistência do agressor se deve ao álcool; chamar um amigo dele ou familiar pode ajudar na busca de solução.
A lei obriga bares a afixar cartazes nos banheiros femininos ou em qualquer outro ambiente, informando a disponibilidade do estabelecimento para auxiliar mulheres que se sintam em situação de risco. Há outra providência óbvia por parte da vítima que é dirigir-se ao proprietário ou gerente, que então deve agir. Estabelecimentos que têm mulheres trabalhando podem ter mais facilidade nesse mister. Outras formas de divulgação podem ser providenciadas pelo proprietário, segundo as características de seu negócio. Sempre com cuidado, pois como dito, os violentos estão à solta e agora com acesso à armas.
A aplicação da lei tem que seguir o princípio da razoabilidade, da sensatez. Estabelecimentos de maior porte podem destacar funcionários para acompanhar a cliente até uma parada de ônibus ou estação do metrô, em casos de maior gravidade (depois podem ter que enfrentar a acusação de obrigar o funcionário a desvio de função na Justiça do Trabalho, mas paciência). Isso é mais difícil nos pequenos negócios, que operam com um dono e dois ou três funcionários. Todos, porém, podem ajudar a cliente a chamar um Uber ou táxi e acompanhá-la até a rua onde ela irá tomar o veículo.
Essa razoabilidade tem que ser aplicada também na aferição do que de fato está ocorrendo. Relevante lembrar que na área penal qualquer cidadão pode prender o outro se em flagrante delito, poder que deve ser exercido de forma madura e equilibrada. Às vezes o que aparenta ser tumulto é simples desinteligência, alguém sendo inoportuno. E, se for chamar a polícia, o proprietário ou gerente tem que se limitar a informar o que viu ou escutou e de quem escutou, pois deve ajudar a vítima, mas ter cuidado em não cometer ele também crime de injúria, denunciação caluniosa, falsa comunicação de crime e outras equivalentes.
Essas medidas contra assédio e demais relacionadas são soluções de curto prazo, repressivas. Estas devem ir se aperfeiçoando. O preso por este tipo de agressão deve receber penas adequadas que talvez possam ser reduzidas por frequência a cursos de educação. Esse tipo de delinquente deve entender quem é o outro na sociedade, seus direitos. Se ocorrer reincidência, a pena deve ser mais enérgica. A médio prazo temos que investir em educação, resgate da civilidade, em uma sociedade mais justa e com redução das desigualdades, na retomada do processo civilizatório.