O tráfico de influência e a exploração de prestígio
É a venda de suposta influência como forma de desprestigiar o correto funcionamento da Administração Pública e do Poder Judiciário.
terça-feira, 3 de outubro de 2023
Atualizado às 08:23
Os crimes de exploração de prestígio e de tráfico de influência possuem características semelhantes. É a venda de suposta influência como forma de desprestigiar o correto funcionamento da Administração Pública e do Poder Judiciário.
Enquanto na exploração de prestígio o criminoso se vale da venda de facilidades sobre juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha, ou seja, de pessoa que terá influência no desfecho do processo judicial, no tráfico de influência o criminoso vende facilidades para supostamente influir em ato praticado por funcionário público que esteja no exercício da função.
Como na exploração de prestígio a venda de facilidades é mais restrita, uma vez que é direcionada àquele que terá influência no desfecho de processo Judicial, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem classificado esse crime como uma subespécie do tráfico de influência:
Na linha da jurisprudência desta Corte, "o crime de exploração de prestígio é, por assim dizer, uma 'subespécie' do crime previsto no art. 332 do Código Penal (tráfico de influência). É a exploração de prestígio, a venda de influência, a ser exercida especificamente sobre pessoas que possuem destacada importância no desfecho de processo judicial (APn n. 549/SP, Corte Especial, relator Ministro Felix Fischer, DJe 18/11/2009).
(PExt no RHC n. 55.940/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
Importante destacar que na exploração de prestígio não se exige deferência direta sobre a autoridade pública, bastando para a sua configuração que o pedido ou o recebimento da vantagem indevida se dê a pretexto de influir, de qualquer modo, junto à autoridade ou a pessoa que irá praticar ato relevante em processo judicial:
O tipo penal do art. 357 do Código Penal não exige o prestígio direto, bastando para sua configuração que o pedido ou recebimento de dinheiro ou outra utilidade se dê a pretexto de influir, de qualquer modo, junto a autoridade ou a pessoa que vai atuar em processo cível ou criminal, no caso, o magistrado competente para apreciar pedido de prisão preventiva. Recurso improvido.
(RHC 75128, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 01/04/1997, DJ 16-05-1997 PP-19976 EMENT VOL-01869-02 PP-00383)
Como a venda de facilidades sobre autoridade pública pode ser mero artifício utilizado pelo criminoso para angariar valores ilícitos, a jurisprudência tem admitido que é dispensável a identificação expressa do suposto funcionário público:
Em se tratando do crime de exploração de prestígio, não é necessário que o funcionário exista, podendo ser uma figura puramente imaginária.
(HC n. 92.194/CE, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 18/8/2010, DJe de 6/9/2010.)
Trata-se de crime que não exige resultado naturalístico para a sua caracterização, consumando-se no exato momento em que o negociador de facilidades solicita, exige, cobra ou obtém vantagem indevida, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:
Conclui-se que o delito perfaz-se com a mera prática de um de seus núcleos (solicitar, exigir, cobrar ou obter), cometidos com a específica finalidade de buscar vantagem ou promessa de vantagem, para o próprio Agente ou em benefício de terceiro, "a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função" - condutas que, realizadas dessa forma, configuram as elementares do crime de tráfico de influência. Portanto, não interfere na solução da controvérsia o fato de o sujeito passivo secundário acreditar, ou não, no poder de influência do Agente.
(HC n. 202.519/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 10/12/2013, DJe de 3/2/2014.)
Como os tipos penais em análise são caracterizados pelo oferecimento de suposta influência sobre o prestígio da Administração Pública, ainda que considerada inescrupulosa a conduta da pessoa que se propõe a aceitar a hipótese comercializada pelo vendedor de influência, não é possível imputar os crimes de exploração de prestígio e de tráfico de influência à pessoa que foi convencido a pagar pela proposta indecorosa, uma vez que os tipos penais em análise só punem o "vendedor da fumaça":
Na hipótese, a denúncia não se desincumbiu de descrever nenhum comportamento típico do ora recorrente, comportamento esse conhecido como o de "vendedor da fumaça" (venditio fumi), sob o qual poderia exercer a influência jactante, caracterizadora da exploração de prestígio. Ao revés, a incoativa descreve, amiúde, a conduta do recorrente como a de um "comprador de fumaça".
"Sujeito passivo é o Estado, pois ofendida é a administração pública [rectius: da Justiça]. Secundariamente é também vítima o comprador de prestígio, mas prestígio vão, fraudulento e inexistente. É ele que sofre prejuízo concreto ou material, com a vantagem obtida pelo vendedor de fumo. Dá-se aqui o que se passa na fraude bilateral, no estelionato [...] Não obstante a conduta ilícita do comprador de influência, não pode ele ser também sujeito ativo do crime, como alguns pretendem, conquanto sua conduta seja imoral. Realmente, ele se crê agente de um crime de corrupção em co-autoria com o vendedor de prestígio, mas dito crime não existe, é putativo" (NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Volume 4. São Paulo. Ed. Saraiva, 2003, págs. 325/326).
(RHC n. 55.940/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/9/2018, DJe de 14/9/2018.)
A propósito, ainda que o "vendedor da fumaça" esteja comercializando suposta influência a nível federal, a competência para processar e julgar essa infração penal só será da Justiça Federal quando o infrator tiver alguma relação direta com a Administração Pública Federal, caso contrário, a competência será da Justiça Estadual.
No julgamento do CC n. 37.073/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 14/3/2007, DJ de 26/3/2007, p. 194, analisou-se caso onde o infrator se dizia funcionário de órgão federal como forma de dar credibilidade à sua conduta. Por não constatar qualquer ofensa a bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades, o colegiado declarou a competência da Justiça Estadual, pois foi constatado que o artifício fraudulento foi empregado como forma de facilitar o exaurimento da exigência indevida. Confira trechos do voto exarado pela eminente Relatora do caso:
No contexto da dissidência observa-se, indiscutivelmente, a inexistência de qualquer vínculo dos agentes indiciados com o Ministério do Trabalho, em relação ao qual, no momento da prática delituosa, diziam-se fiscais; é o que se comprova à fl. 34 do apenso.
Apenas usavam do artifício de passar por servidores do órgão para facilitar o exaurimento da exigência indevida, de modo que não há cogitar-se de usurpação da função que não se tem.
Por fim, caso o "vendedor de fumaça" tenha empregado ou convertido o proveito da infração penal em ativos lícitos, poderá, também, responder por uma acusação criminal de lavagem de dinheiro, nos termos do artigo 1º da Lei nº. 9.613, de 3 de março de 1998:
No tocante ao crime de lavagem, além dos indícios de autoria e materialidade, também houve o apontamento do crime antecedente, que seria o de exploração de prestígio, o que se revela suficiente para o início da ação penal, independente da aferição da culpabilidade ou punibilidade por meio de condenação.
(HC n. 559.505/RN, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 25/5/2021, DJe de 2/6/2021.)
Como visto, os crimes de exploração de prestígio e de tráfico de influência irão se caracterizar pela venda de suposta influência como forma de desprestigiar o correto funcionamento da Administração Pública e do Poder Judiciário. É a comercialização de supostas facilidades como meio de angariar valores indevidos em detrimento à moralidade.
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Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Lei nº. 9.613, de 3 de março de 1998.
PExt no RHC n. 55.940/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 4/2/2019.
RHC 75128, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 01/04/1997, DJ 16-05-1997 PP-19976 EMENT VOL-01869-02 PP-00383.
HC n. 92.194/CE, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 18/8/2010, DJe de 6/9/2010.
RHC n. 55.940/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/9/2018, DJe de 14/9/2018.
CC n. 37.073/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 14/3/2007, DJ de 26/3/2007, p. 194.
HC n. 559.505/RN, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 25/5/2021, DJe de 2/6/2021.
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.