No Dia Internacional da Democracia, a violência política de gênero no Brasil ainda lança uma sombra sobre a celebração
No Dia Internacional da Democracia, é um dever coletivo reafirmar nosso compromisso com a solidificação de uma democracia inclusiva, justa e igualitária. Mas, para isso, é necessário assegurar o respeito, a valorização e a proteção das vozes que, fundamentalmente, são as representativas de nossa diversidade.
sexta-feira, 29 de setembro de 2023
Atualizado às 08:56
Enquanto celebramos o Dia Internacional da Democracia, há uma cifra alarmante que o Brasil não pode ignorar: apesar de as mulheres serem mais da metade da população (51,8%), elas representam apenas 18% do Congresso Nacional, segundo dados do TSE. A sub-representação se agrava ainda mais quando olhamos para as mulheres pretas, pardas e indígenas em um país onde uma maioria de 56% se autodeclara como preta ou parda. Das 94 mulheres eleitas em 2022, apenas 9 são mulheres negras. Mulheres indígenas são apenas 4.
O acesso aos espaços de poder é dificultado por questões complexas: desde estereótipos sobre os papeis sociais de gênero que permeiam a sociabilização e distanciam mulheres de locais de liderança, às dificuldades de acesso a recursos para a campanha política. Em tese, os partidos deveriam atender à obrigação de 30% de vagas para candidatas mulheres, como demanda a cota de gênero da lei 9.504/97 (a Lei das Eleições) e sua obrigação derivada, a reserva de pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para financiar as campanhas de candidatas mulheres (entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADIn 5.617/18). No entanto, obstáculos continuam sendo colocados para mulheres no acesso ao fundo partidário: mulheres, e principalmente mulheres negras, continuam com baixo acesso a esses recursos. Como resposta às possíveis punições pelo descumprimento da legislação, em março deste ano foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição que anistia partidos políticos pelo não cumprimento de cotas, a PEC 9/23.
Outro elemento que tem fundamentalmente assolado a política brasileira é a violência política: no Brasil ela assola desproporcionalmente as mulheres, com destaque para mulheres negras e LGBTQIA+. Ela se manifesta em variadas formas: no caso de candidatas negras, pesquisa do Instituto Marielle Franco, de 2020, identificou que, das 142 entrevistadas, 80% sofreram violência virtual, 60% sofreram violência moral ou psicológica e 50% sofreram violência institucional. 60% foram ofendidas em decorrência de suas campanhas eleitorais. O feminicídio político de Marielle Franco permanece sem identificação de culpados. No último mês, 8 parlamentares foram ameaças de estupro corretivo. Uma breve consulta em serviços de busca traz casos novos de ameaças e violências contra mulheres na política quase todos os dias.
Exemplos como esse não apenas desafiam a promessa democrática, mas também refletem sistemas patriarcais e racistas profundamente enraizados que necessitam de ações efetivas para o seu desmantelamento. Nesse sentido, tampouco basta que as mulheres acessem mais cargos políticos. Enquanto não for possível garantir a segurança mínima para o exercício profissional das parlamentares, a democracia continuará sendo uma promessa vazia.
A lei 14.192/21 que reconhece a violência política contra mulheres é, de fato, um avanço, mas é um ponto de partida e está bastante longe de ser um ponto de chegada. Comemorados dois anos da lei em agosto de 2023, a violência política continua a ocorrer diuturnamente em todo o país, forçando mulheres a internalizar todos os custos dela para prosseguirem com suas carreiras.
As instituições precisam assegurar a proteção integral dessas mulheres para factualmente priorizar a representação inclusiva. O compromisso do governo progressista eleito em 2022 precisa ser materializado em ações efetivas para a defesa e proteção do exercício dos mandatos das mulheres legítima e democraticamente eleitas no país. É preciso investigar, combater e desmantelar as redes que seguem a atuar impunemente para achacar e afastar mulheres de sua atuação política.
No Dia Internacional da Democracia, é um dever coletivo reafirmar nosso compromisso com a solidificação de uma democracia inclusiva, justa e igualitária. Mas, para isso, é necessário assegurar o respeito, a valorização e a proteção das vozes que, fundamentalmente, são as representativas de nossa diversidade.
Yasmin Curzi
Professora e coordenadora do Programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio.