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AVJ: Uma armadilha tributária para as holdings familiares?

O AVJ (Ajuste a Valor Justo) é uma ferramenta segura para tentar a redução ou imunidade do ITBI nas integralizações dos imóveis na Holding?

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Atualizado às 14:57

Introdução:

Você já pensou em criar uma holding familiar para planejar a sucessão e a proteção do seu patrimônio? Você já ouviu falar que é possível reduzir ou isentar o imposto sobre a ITBI nas integralizações de bens na holding familiar usando o critério da AVJ? Você acha que essa é uma boa ideia?

Se você respondeu sim a alguma dessas perguntas, este artigo é para você. Neste artigo, eu vou te mostrar por que o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações de bens na holding familiar é uma prática arriscada, que pode gerar multas, juros e penalidades para você e sua família.

Mas antes de entrar nos detalhes, vamos entender melhor o que são esses conceitos e como eles se relacionam no contexto do planejamento sucessório e patrimonial.

O que é o AVJ?

O AVJ é um critério contábil que consiste em atribuir aos ativos e passivos de uma empresa o valor pelo qual eles poderiam ser trocados entre partes independentes e interessadas em uma transação em condições normais de mercado.

Isto é, de uma maneira bem simplista, o AVJ é uma técnica contábil onde você pode colocar o valor do bem que está dentro da empresa a um novo valor, aquele que efetivamente ele valeria no mercado. O AVJ é utilizado para fins de elaboração das demonstrações financeiras das empresas, conforme as normas internacionais de contabilidade (IFRS).

Vale ressaltar que trata-se de uma ferramenta lícita e que tem uma prestabilidade relevante, porém, vem sendo usado de maneira "duvidosa" quando o assunto é holding familiar.

Te explico a seguir, mas antes, voltamos a conceituar algumas premissas.

O que é o ITBI?

O ITBI é um imposto municipal que incide sobre a transmissão onerosa de bens imóveis ou de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia. O ITBI é cobrado sempre que há uma mudança de titularidade ou de domínio útil dos bens imóveis, seja por compra e venda, doação, permuta, dação em pagamento, incorporação, fusão, cisão ou qualquer outra forma jurídica.

O que é a holding familiar?

A holding familiar é uma empresa constituída com o objetivo de administrar e proteger o patrimônio de uma família. A holding familiar pode ser do tipo pura ou mista. A holding pura tem como atividade exclusiva a participação societária em outras empresas. A holding mista tem como atividade principal a participação societária em outras empresas, mas também pode exercer outras atividades econômicas.

Como o AVJ, o ITBI e a holding familiar se relacionam?

Uma das formas de constituir uma holding familiar é por meio da integralização de bens imóveis na empresa. A integralização consiste em transferir os bens imóveis dos sócios para a holding familiar em troca de quotas ou ações da empresa. Dessa forma, os sócios deixam de ser proprietários dos bens imóveis e passam a ser acionistas ou quotistas da holding familiar.

A integralização de bens imóveis na holding familiar tem algumas vantagens, como a simplificação da gestão patrimonial, a redução dos custos operacionais, a otimização da carga tributária, a facilitação da sucessão hereditária e a proteção dos bens contra eventuais credores.

No entanto, a integralização de bens imóveis na holding familiar também pode vir comum custo que alguns profissionais dizem ser totalmente evitável (cuidado!): o pagamento do ITBI. Como se trata de uma transmissão onerosa de bens imóveis, a integralização está sujeita ao ITBI, cuja alíquota varia conforme o município onde os bens estão localizados. Em geral, as alíquotas do ITBI variam entre 2% e 4% sobre o valor dos bens imóveis.

É aqui que entra o AVJ. Alguns contribuintes tentam utilizar o AVJ como critério para determinar o valor dos bens imóveis nas integralizações na holding familiar, alegando que esse é o valor de mercado dos bens. Como o AVJ tende a ser menor do que o valor venal dos bens imóveis, que é o valor utilizado pela administração tributária para fins de ITBI, os contribuintes esperam reduzir ou isentar o imposto a pagar.

Vou tentar explicar rapidamente o "problema". O AVJ, originalmente, deveria ser ato unilateral de uma empresa, isto é, realizado pela empresa que tem a propriedade desses bens e que, mediante ato unilateral, quer fazer essa "reavaliação".

Acontece que, na prática, as integralizações dos imóveis na Holding constituem atos bilaterais, isto é, um negócio jurídico praticado entre o sócio e a sociedade, onde no momento da integralização, e somente nesse momento, o sócio e a sociedade vão definir qual é o valor de transmissão do bem dele para a sociedade, e SEMPRE se opta por declarar o valor histórico do bem integralizado, a fim de se evitar o IRPF sobre o ganho de capital nessas integralizações.

Pois bem. Agora reflita comigo com base em um exemplo; declarei o valor histórico do imóvel na integralização na holding (o valor que está na DIRPF - na imensa maioria das vezes muito menor que o valor de avaliação do imóvel), e no exato momento posterior à integralização eu digo que esse valor subiu, e sem a incidência de nenhum tributo.

É como retirar da carteira uma nota de R$50, fazer a anotação de que ela valia R$20,00 e guardar na gaveta a mesma nota com a anotação de que agora ela voltou a valer R$50,00. Faz sentido?

Será mesmo que essa é uma prática válida e segura? Será que o AVJ pode ser utilizado como critério para o ITBI? Será que os contribuintes estão fazendo um bom negócio ao adotar essa estratégia?

Minha resposta para todas essas perguntas é não. E eu vou te explicar por quê.

Argumento 1: O AVJ não é um critério válido para determinar o valor dos bens imóveis nas integralizações na holding familiar, pois contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.

A primeira razão pela qual o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar é inválido e ilegal é que ele contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.

A legislação tributária que regula o ITBI é composta por normas de diferentes níveis hierárquicos, como a CF, o CTN, a LC 116/03, a lei 10.406/02 (CC) e as leis municipais específicas de cada localidade.

De acordo com essas normas, o valor dos bens imóveis para fins de ITBI nas integralizações de imóveis em holding deve ser o DIRPF ou valor  venal dos bens, isto é, o valor pelo qual eles seriam vendidos à vista em condições normais de mercado.

O AVJ, por outro lado, não é um critério válido para determinar o valor dos bens imóveis para fins de ITBI, por várias razões:

  • O AVJ não tem previsão legal para ser utilizado como base de cálculo do ITBI. Nenhuma das normas que regulam o imposto autoriza ou permite o uso do AVJ como critério para o ITBI.
  • O AVJ viola o princípio da legalidade tributária, que está previsto no art. 150 da CF e no art. 97 do CTN. Esse princípio determina que nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado sem lei que o estabeleça. Portanto, qualquer alteração na base de cálculo do ITBI deve ser feita por lei e não por critérios contábeis.
  • O AVJ diverge dos conceitos jurídicos de valor justo e valor venal. O valor justo é um conceito contábil que se aplica aos ativos e passivos das empresas para fins de demonstrações financeiras. O valor venal é um conceito jurídico que se aplica aos bens imóveis para fins de tributação. São conceitos distintos, com finalidades diferentes, que não podem ser confundidos ou equiparados.
  • O AVJ é subjetivo e manipulável. O AVJ depende da escolha dos critérios de avaliação pelos contribuintes, que podem utilizar métodos diversos e arbitrários para chegar ao valor que lhes convém. Além disso, o AVJ pode ser influenciado por fatores externos e conjunturais, como a oferta e a demanda, as expectativas e as preferências dos agentes econômicos.
  • O AVJ não tem fiscalização nem controle por parte da administração tributária municipal. O AVJ é calculado pelos contribuintes sem a intervenção ou a verificação dos órgãos competentes. Isso abre espaço para fraudes, sonegações e conflitos entre os contribuintes e o fisco.

Essas razões demonstram que o AVJ não é um critério válido para determinar o valor dos bens imóveis para fins de ITBI, pois contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.

A jurisprudência dos tribunais superiores, aliás, já manifestou rejeição acerca do uso do AVJ como critério para o ITBI.

Veja alguns exemplos de decisões judiciais que rejeitam o uso do AVJ para fins de ITBI:

  • No REsp 1.111.202/SP, julgado pelo STJ em 2010, o relator, ministro Luiz Fux, afirmou que "o valor venal do imóvel é aquele que consta da base de cálculo do IPTU, não podendo ser substituído pelo valor contábil ou pelo valor de mercado, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade tributária" .
  • No REsp 1.320.554/SP, julgado pelo STJ em 2014, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que "o valor venal dos bens imóveis é aquele fixado pela autoridade administrativa municipal para fins de lançamento do IPTU, não se admitindo a substituição desse valor por outro apurado mediante laudo pericial ou com base em critérios contábeis" .
  • No Agravo de Instrumento 2149069-69.2019.8.26.0000, julgado pelo TJSP em 2019, o relator, desembargador Soares Levada, afirmou que "o valor venal dos imóveis é aquele atribuído pela municipalidade para fins de cobrança do IPTU e não aquele apurado por critérios contábeis ou por laudo pericial" .
  • No Agravo de Instrumento 2150757-28.2019.8.26.0000, julgado pelo TJSP em 2019, o relator, desembargador Ricardo Dip, afirmou que "o valor venal dos imóveis é aquele fixado pela municipalidade para fins de lançamento do IPTU e não aquele apurado por critérios contábeis ou por laudo pericial" .

Essas decisões judiciais confirmam que o AVJ não é um critério válido para determinar o valor dos bens imóveis para fins de ITBI, pois contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.

Portanto, o primeiro argumento que sustenta a tese deste artigo é que o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar é inválido e ilegal, pois contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.

Argumento 2: O uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar é uma forma de elisão fiscal abusiva, que caracteriza simulação e fraude à lei tributária, sujeitando os contribuintes à cobrança do imposto devido com acréscimos legais e à aplicação de sanções administrativas e penais.

A segunda razão pela qual o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar é arriscado e ilegal é que ele configura uma forma de elisão fiscal abusiva, que caracteriza simulação e fraude à lei tributária, sujeitando os contribuintes à cobrança do imposto devido com acréscimos legais e à aplicação de sanções administrativas e penais.

Para entender melhor essa razão, vamos esclarecer alguns conceitos importantes sobre o planejamento tributário e as práticas ilícitas de evasão fiscal.

O que é o planejamento tributário?

O planejamento tributário é o conjunto de ações legais e lícitas que visam reduzir, evitar ou postergar o pagamento de tributos, dentro dos limites da lei. O planejamento tributário é um direito dos contribuintes, que podem escolher entre as alternativas juridicamente possíveis aquela que lhes seja mais favorável do ponto de vista tributário.

O que é a elisão fiscal?

A elisão fiscal é uma modalidade de planejamento tributário que consiste em evitar a ocorrência do fato gerador do tributo ou reduzir a base de cálculo do tributo, por meio de atos ou negócios jurídicos previstos na lei. A elisão fiscal é uma prática lícita, desde que respeite os princípios e as normas jurídicas aplicáveis.

O que é a evasão fiscal?

A evasão fiscal é uma modalidade de planejamento tributário que consiste em reduzir, evitar ou postergar o pagamento de tributos, por meio de atos ou negócios jurídicos ilícitos ou ilegais. A evasão fiscal é uma prática ilícita, que viola os princípios e as normas jurídicas aplicáveis.

O que é a simulação?

A simulação é uma forma de evasão fiscal que consiste em dissimular a verdadeira natureza, o objeto ou a finalidade de um ato ou negócio jurídico, para alterar os efeitos jurídicos ou tributários decorrentes. A simulação é uma prática ilícita, que viola o princípio da veracidade dos atos e negócios jurídicos.

O que é a fraude à lei tributária?

A fraude à lei tributária é uma forma de evasão fiscal que consiste em utilizar meios artificiosos ou fraudulentos para escapar da incidência do tributo ou reduzir o seu montante. A fraude à lei tributária é uma prática ilícita, que viola o princípio da legalidade tributária.

Como o AVJ, o ITBI e a holding familiar se relacionam com esses conceitos?

O uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar se enquadra como uma forma de elisão fiscal abusiva, que sinaliza uma potencial simulação e fraude à lei tributária.

Isso porque os contribuintes que adotam essa estratégia estão utilizando um critério contábil inaplicável para determinar o valor dos bens imóveis nas integralizações na holding familiar, com o objetivo de alterar os efeitos jurídicos e tributários decorrentes da operação.

Os contribuintes estão simulando um valor inferior ao valor real dos bens imóveis, para escapar da incidência do ITBI ou reduzir o seu montante. Os contribuintes estão fraudando a lei tributária, ao utilizar meios artificiosos ou fraudulentos para evitar o pagamento do imposto devido.

Essa forma de elisão fiscal abusiva, que caracteriza simulação e fraude à lei tributária, não é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, que proíbe e pune as práticas ilícitas de planejamento tributário.

Quais são as normas legais que proíbem e punem as práticas ilícitas de planejamento tributário?

As normas legais que proíbem e punem as práticas ilícitas de planejamento tributário são diversas e abrangem diferentes níveis hierárquicos, como a CF, o CTN, a lei 8.137/90 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária), a lei 9.430/96 (Lei da Denúncia Espontânea) e a LC 104/01 (Lei da Norma Geral Anti-Elisiva).

De acordo com essas normas, os contribuintes que praticam elisão fiscal abusiva, simulação e fraude à lei tributária estão sujeitos às seguintes consequências jurídicas:

  • A desconsideração da operação pela autoridade fiscal, que poderá exigir o imposto devido com base no valor venal dos bens imóveis, conforme previsto no art. 116 do CTN, no art. 150 da CF e na LC 104/01.
  • A cobrança do imposto com multa, juros e correção monetária, conforme previsto no art. 142 do CTN, na lei 9.430/96 e nas leis municipais específicas de cada localidade.
  • A aplicação de penalidades administrativas, como a inscrição na dívida ativa e a execução fiscal, conforme previsto no art. 201 do CTN e nas leis municipais específicas de cada localidade.
  • A instauração de procedimentos criminais, como a representação fiscal para fins penais e a denúncia por crimes contra a ordem tributária, conforme previsto na lei 8.137/90 e no CP.

Essas consequências jurídicas podem gerar graves prejuízos financeiros e reputacionais para os contribuintes e suas famílias, além de comprometer a segurança jurídica e a efetividade do planejamento sucessório e patrimonial.

Conclusão:

Neste artigo, eu te mostrei por que o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar é uma prática arriscada e ilegal, que pode gerar multas, juros e penalidades para você e sua família.

Eu te apresentei dois argumentos principais para sustentar essa tese:

  • O primeiro argumento é que o AVJ não é um critério válido para determinar o valor dos bens imóveis para fins de ITBI, pois contraria a legislação tributária vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores.
  • O segundo argumento é que o uso do AVJ para tentar reduzir ou isentar o ITBI nas integralizações na holding familiar pode ser considerada forma de elisão fiscal abusiva, que caracteriza simulação e fraude à lei tributária, sujeitando os contribuintes à cobrança do imposto devido com acréscimos legais e à aplicação de sanções administrativas e penais.

Eu te expliquei as razões pelas quais esses argumentos são válidos e consistentes, com base em normas legais e decisões judiciais que regulam e rejeitam o uso do AVJ para fins de ITBI.

Eu te alertei sobre os riscos de se envolver em planejamentos tributários abusivos e fraudulentos, que podem gerar graves consequências jurídicas para você e sua família.

Eu te orientei a buscar sempre a orientação de profissionais qualificados e éticos, que possam te auxiliar na constituição e na gestão da sua holding familiar, respeitando os limites da lei e os princípios da boa-fé.

Vale ainda ressaltar que as fiscalizações provavelmente acontecerão após 3 anos da constituição da holding, podendo ser fiscalizadas até 8 anos de sua criação. Será mesmo que seu planejamento tem condições de passar ileso por uma fiscalização? Fiquem ligados.

Lucas Parreira

VIP Lucas Parreira

Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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