Responsabilidade pelo pagamento da diferença da taxa judiciária no cumprimento de sentença
A diferença da taxa judiciária na fase de cumprimento de sentença deve ser exigida diretamente da parte sucumbente, em atenção inclusive à economia processual e duração razoável do processo, sendo ilegal impor tal ônus de recolhimento ao exequente (vencedor do processo).
quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Atualizado às 09:18
O processo, como instrumento de solução de litígios realizado pelo Poder Judiciário, necessita, em regra, do pagamento de despesas para a sua existência e andamento. A gratuidade na tramitação de processos é excepcional e deve ser objeto de requerimento ao juiz da causa, que defere ou não a gratuidade pretendida.
No direito processual civil, há um regime de responsabilidade provisória em relação aos custos do processo, no sentido de que cada parte interessada arque, antecipadamente, com o custeio dos atos pretendidos. Ao final do processo, ao prolatar sua sentença, o magistrado aplica um regime de responsabilidade definitiva, de modo que o pagamento das despesas em sentido amplo recai sobre a parte vencida, ou seja, a parte que sucumbiu na demanda.
Assim, os custos iniciais para ingressar com uma demanda são pagos (antecipados), logicamente, pela parte demandante e, ao final, sagrando-se esta vencedora, serão reembolsadas pela parte sucumbente.
Após o trânsito em julgado de eventual decisão favorável a uma das partes e havendo necessidade de efetivação do julgado (execução), no Estado do RJ vigora a regra de que a taxa judiciária (uma das despesas que compõem as custas processuais) será recalculada quando iniciado o cumprimento de sentença.
Segundo a regra do Estado do RJ, a taxa judiciária atualmente é, em regra, de 3% sobre o valor dos pedidos, a menos que as partes tenham comprovadamente utilizado plataformas de resolução de conflitos oficialmente reconhecidas pelo TJ/RJ, casos em que o montante será de 2%1.
Destarte, iniciada a fase do cumprimento de sentença, deverá ser verificada a diferença entre 3% (ou 2%) do valor executado e o valor recolhido na fase cognitiva. Essa diferença deverá ser recolhida, a não ser que tenha havido o recolhimento da taxa judiciária máxima, que, na Justiça Estadual do Rio de Janeiro atualmente, é de R$ 41.004,23.
Aliás, o enunciado n. 269 da súmula do TJ/RJ estabelece que "não incide taxa judiciária específica no cumprimento de sentença, sem prejuízo no disposto no artigo 135, do Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro", enquanto o artigo 1352 do CTE prescreve que "nos processos de execução por título judicial, será levada em conta a taxa paga nos correspondentes processos de cognição".
A questão jurídica discutida na prática diz respeito sobre a responsabilidade de quem deve realizar o pagamento dessa eventual diferença da taxa judiciária. Não parece adequado o entendimento de que essa responsabilidade incumbe à parte que deflagrou o cumprimento de sentença e sagrou-se vencedora no processo.
Cobrar essa diferença da parte vitoriosa como condição para início do cumprimento de sentença acaba por impor obstáculo ao acesso à Justiça, que tem, em uma de suas facetas, não criar óbices de natureza econômica e não razoável no processo.
Portanto, parece adequado o entendimento que transfere a responsabilidade pela eventual complementação da taxa judiciária, no cumprimento de sentença, para o executado (parte sucumbente).
Esse entendimento, em primeiro lugar, é dotado de clara lógica, na medida em que há decisão transitada em julgado que imputou ao executado o dever de arcar com as despesas processuais (em sentido amplo). Atribuir tal ônus ao exequente para, posteriormente, cobrar o ressarcimento do executado importaria em claro dispêndio de tempo desnecessário, além de vulnerar a eficiência processual.
Para regulamentar essa situação, o Fundo Especial do TJ/RJ editou o enunciado 103, que contempla o entendimento aqui defendido, prevendo que "a taxa será posteriormente complementada ou recolhida após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, incidindo sobre o valor da condenação e cobrando-se da parte sucumbente a diferença ou o recolhimento integral".
Com base no entendimento acima consolidado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem se posicionando no mesmo sentido e reconhecendo que "a complementação de eventual diferença de taxa judiciária, quando existente, deve ser cobrada da parte vencida, juntamente com o débito executado"4.
Além disso, é importante registrar que o enunciado 345 da súmula do TJ/RJ prescreve que haverá pagamento de custas e taxa judiciária pela parte sucumbente até mesmo na impugnação ao cumprimento de sentença, o que evidencia a coerência do entendimento aqui defendido. Veja-se a redação do referido enunciado: "São devidas, no incidente de impugnação ao cumprimento de sentença, custas judiciais e taxa judiciária complementares aos valores a esse título recolhidos na fase de cognição, incidindo sobre o valor da condenação e cobrando-se da parte sucumbente.
Portanto, não é juridicamente aceitável impor à parte vitoriosa, que deflagrou o cumprimento de sentença, o pagamento da eventual diferença da taxa judiciária. Tal ônus deve recair sobre a parte sucumbente.
É importante registrar que tal entendimento deve ser aplicado inclusive nos casos em que a FP é parte sucumbente5. Aliás, recolher a taxa judiciária, que tem natureza jurídica tributária, e posteriormente pedir a restituição do próprio instituidor do tributo (FP), afigura-se como postura burocrática e ineficiente.
A questão aqui discutida não tem por objetivo afastar a incidência da taxa judiciária, mas sim atribuir a responsabilidade pelo seu recolhimento à parte sucumbente, e não ao exequente para, depois, cobrar seu ressarcimento devido. Isso resultaria em mais tempo de tramitação do feito e vulneração à eficiência processual.
Quando se trata de cumprimento de sentença de honorários advocatícios, a injustiça na exigência do pagamento de tal despesa pelo exequente fica ainda mais evidente. Isso porque o advogado, que não foi parte processual, pretende tão somente receber sua remuneração, dotada de inquestionável caráter alimentar (artigo 85, §14, do CPC).
Tratando da temática e reforçando o que foi afirmado, tramita na Câmara dos Deputados o PL 4538/21, que tem por objetivo isentar o advogado de arcar com custas processuais em casos de execução de honorários advocatícios. O projeto é justificado pela essencialidade da atividade advocatícia, bem como pela minimização de prejuízos ao patrono que teve sua remuneração inadimplida. A proposição legislativa é muito bem-vinda.
Sendo assim, conclui-se que a diferença da taxa judiciária na fase de cumprimento de sentença deve ser exigida diretamente da parte sucumbente, em atenção inclusive à economia processual e duração razoável do processo, sendo ilegal impor tal ônus de recolhimento ao exequente (vencedor do processo).
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1 Art. 118. Ressalvadas as hipóteses expressamente previstas neste capítulo, a taxa será calculada à razão de 3% sobre o valor do pedido, ainda que seja este diverso do valor da causa fixado para fins processuais.
Parágrafo Único - O valor da taxa judiciária será de 2% (dois por cento) nas causas em que a parte comprovar documentalmente ter se valido, previamente ao ajuizamento da demanda, para tentativa de composição, do Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania ou de plataformas de resolução de conflitos oficialmente reconhecidas pelo TJ/RJ.
2 Art. 135. Nos processos de execução por título judicial, será levada em conta a taxa paga nos correspondentes processos de cognição.
3 A taxa judiciária é devida no momento da propositura da ação, e, conforme dispõe o art. 118 do decreto-lei 05/75, incide sobre o valor do pedido. Caso este seja meramente estimativo ou genérico, ou se houver litigante ao abrigo da gratuidade de justiça, a taxa será posteriormente complementada ou recolhida após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, incidindo sobre o valor da condenação e cobrando-se da parte sucumbente a diferença ou o recolhimento integral, conforme o caso.
4 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE CONDICIONA O INÍCIO DA FASE EXECUTIVA AO RECOLHIMENTO DE TAXA JUDICIÁRIA PELO EXEQUENTE. 1.Enunciado 10 do Fundo Especial deste Tribunal de Justiça: A taxa judiciária é devida no momento da propositura da ação, e, conforme dispõe o art. 118 do decreto-lei 05/75, incide sobre o valor do pedido. Caso este seja meramente estimativo ou genérico, ou se houver litigante ao abrigo da gratuidade de justiça, a taxa será posteriormente complementada ou recolhida após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, incidindo sobre o valor da condenação e cobrando-se da parte sucumbente a diferença ou o recolhimento integral, conforme o caso. 2.Jurisprudência desta Corte de que até mesmo a complementação de eventual diferença de taxa judiciária, quando existente, deve ser cobrada da parte vencida, juntamente com o débito executado. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (0008995-31.22.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS - Julgamento: 09/06/2022 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)
5 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO OBJETIVANDO O RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS DESCONTADAS INDEVIDAMENTE DE SUA PENSÃO ESPECIAL E PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE DETERMINA O RECOLHIMENTO DA DIFERENÇA DE TAXA JUDICIÁRIA PELA EXEQUENTE. PAGAMENTO QUE DEVE SER REALIZADO PELO SUCUMBENTE, AO FINAL. ART. 82, §2º DO CPC. ENUNCIADO 10 DO FETJ. SÚMULA 345 DO TJRJ. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. DECISÃO QUE SE REFORMA. RECURSO PROVIDO. (0026120-12.22.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). LUIZ EDUARDO C CANABARRO - Julgamento: 15/2/23 - NONA CÂMARA CÍVEL)
Ruana Arcas
Advogada e sócia do Escritório João Bosco Filho Advogados.
João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.
Gabriel do Carmo da Cruz Sousa
Advogado do Escritório João Bosco Filho Advogados.