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A abusividade na exclusão de dependentes plano de saúde e os direitos do consumidor

O descumprimento pelas operadoras de uma das premissas basilares da boa fé contratual: surrectio.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Atualizado às 13:29

É cediço que nos contratos de plano de saúde, o cancelamento apenas é admitido nas hipóteses de fraude ou falta de pagamento desde que comunicada pela operadora, conforme previsto no art. 13 da lei 9.656/98.

Na prática, grande parte dos usuários dos planos de saúde foi surpreendida com carta de sua exclusão, sob a alegação de perda da elegibilidade como dependente do contrato, com necessidade de ação judicial para rever a conduta das operadoras.

A partir de análise minuciosa do tema, é possível vislumbrar que em quase a totalidade dos casos os dependentes são incluídos na apólice com pouca idade, alcançaram a maioridade no curso contratual e não ocorreu nenhuma tentativa de exclusão ou sequer contestação da operadora sobre a suas idades, com pagamento regular das mensalidades e plano  de saúde ativo em seu favor até o momento.

Atualmente, se pronunciou o STJ, com destaque para necessidade de observância da boa fé contratual durante toda a execução do plano de saúde pelas partes:

O fato é que descabidas as alegações atuais das operadoras de plano de saúde de perda da elegibilidade por idade e da condição de dependente legal posto que houve pagamento e utilização regular do plano durante todo o período sem qualquer conhecimento do quanto alegado nessa fase, sendo abusiva a conduta posterior das empresas.

Destaca-se que a conduta da operadora acaba por violar, inclusive, uma das premissas basilares da boa fé contratual haja vista que provocou o surgimento de posição jurídica pelo comportamento nela contido e, como efeito desse comportamento, haveria, por força da necessidade de manter um equilíbrio nas relações sociais, o surgimento da uma pretensão.

Segundo Gonçalves, "um direito não exercido durante determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé".

O mencionado comportamento demonstra a necessidade de agir mediante conduta retilínea, impedindo que a parte oposta venha a ser pega de surpresa, sob pena de violação da boa fé objetiva que deve reger as relações contratuais desde o início até o fim do contrato.

Poderíamos falar em uma surrectio pelo transcurso do tempo e conduta das partes em aceitar que os atos fossem praticados daquela forma: se fosse o caso de exclusão dos dependentes pela maioridade, deveria ter ocorrido há muitos anos atrás, quando e atingiu a maioridade e as opções disponíveis no mercado para nova contratação seriam mais acessíveis.

Sobre a matéria, o CDC em seus arts. 12, 13 e 14 impõe a responsabilidade objetiva aos fornecedores de produtos e serviços, com base na teoria do risco da atividade, que somente é afastada mediante comprovação de culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito ou a ocorrência das excludentes do dever de indenizar elencadas na lei.

Dessa forma, uma vez recebida pelo consumidor a carta de exclusão do contrato, a via judicial é a saída para  provocar a fixação de obrigação de fazer para fins de reativação/manutenção do plano de saúde como medida que se impõe, conforme CDC, inclusive, com fixação de danos morais ao consumidor, já tendo precedentes favoráveis em todo o país.

Pelo exposto, é evidente que a prática da parte Demandada afronta os dispositivos da lei 8078/90, mormente porque não observada a norma insculpida no art. 14 do mencionado diploma legal, ao ter descumprido o contrato firmado entre as partes.

Assim é que, uma vez evidente a prática abusiva dos planos privados de saúde, cabe ao Poder Judiciário coibir a exclusão dos dependentes do contrato, caso a caso, em conformidade com as normas estabelecidas pelo CDC e lei 9.656/98, aplicando-se, ainda, os princípios da conservação dos contratos e da proporcionalidade da razoabilidade.

Milena Cintra

Milena Cintra

Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Educacional e FIES. Pós Graduada em Direito Público. Atualmente desempenhando também função de juíza leiga na Comarca de Salvador.

Tâmara dos Reis de Abreu Cintra

Tâmara dos Reis de Abreu Cintra

Advogada Pós-graduada em Direto Empresarial e em Direito Médico e da Saúde.

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