STJ reafirma que sócio retirante não tem direito a lucros futuros caso omisso o contrato social
A Quarta Turma do STJ julgou o REsp 1.904.252/RS, sob relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, ocasião em que reafirmou a impossibilidade de que a apuração de haveres, quando realizada a dissolução parcial de sociedade, englobe a projeção de lucros futuros, caso omisso o contrato social.
quinta-feira, 21 de setembro de 2023
Atualizado às 09:05
Aos 22/8/23, a Quarta Turma do STJ julgou o REsp 1.904.252/RS, sob relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, ocasião em que reafirmou a impossibilidade de que a apuração de haveres, quando realizada a dissolução parcial de sociedade, englobe a projeção de lucros futuros, caso omisso o contrato social.
Na dissolução parcial de uma sociedade empresária se faz necessário realizar a apuração de haveres, levantando os valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade empresária. A apuração de haveres se resume na representação fictícia da dissolução total da sociedade, ocasião em que se realiza um levantamento contábil capaz de reavaliar o valor de mercado dos bens corpóreos ou incorpóreos que compõem o patrimônio social, considerando do passivo da sociedade, e então projetando-se o acervo remanescente caso houvesse a dissolução total da sociedade limitada naquele momento.
Neste momento, grande parte dos conflitos entre os envolvidos está relacionada aos critérios que serão adotados para mensurar o valor que o sócio desligado terá direito a levantar em sede de apuração de haveres, considerando que a adoção de um critério ou outro implica diretamente na majoração ou redução do valor em questão. Enquanto o interesse do sócio retirante será elevar, ao máximo, o valor a ser recebido, o interesse dos demais sócios que permanecem na sociedade se traduz no exato oposto.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe que o critério a ser observado será aquele previsto no contrato social (art. 604, inc. II, do CPC), sendo esta, também, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que existindo cláusula contratual que preveja o critério a ser utilizado na apuração de haveres, este deve ser o parâmetro aplicado, em respeito ao princípio da força obrigatória dos contratos. Como exemplo, pode-se mencionar o julgamento do AgInt no AREsp 1.192.710/SP, relator Ministro Raul Araújo, da Quarta Turma, julgado aos 26.9.22, e do AgInt no AREsp 1.174.472/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, também da Quarta Turma, julgado aos 19.12.18.
Contudo, caso omisso o contrato social, o art. 606 do CPC determina que o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.
No julgamento do REsp em questão a discussão levantada recaiu sobre os critérios para apuração de haveres e quais os valores que ali estariam abrangidos, caso omisso o contrato social, de modo que a controvérsia consistiu em verificar se na apuração de haveres deveriam ser abarcados os lucros futuros da sociedade ou ainda os lucros não distribuídos durante o período em que o sócio retirante ainda a integrava.
O posicionamento da Corte Superior, confirmando o acórdão proferido pelo TJ/RS, teve como principais fundamentos os seguintes pontos: (i) a necessidade de que o valor da quota do sócio retirante corresponda o mais próximo possível ao real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu valor patrimonial real; (ii) o fato de que a jurisprudência tem se firmado no sentido de não se admitir um mero levantamento contábil para apuração de haveres, devendo-se proceder a um balanço real, físico e econômico, mas não necessariamente que projete os lucros futuros da sociedade; e (iii) sendo a base de cálculo dos haveres o patrimônio da sociedade, aqueles valores que ainda não o haviam integrado não podem ser repartidos com o sócio retirante.
O acertado entendimento do julgado em questão evidencia a preocupação da Corte Superior em apurar devidamente os valores a serem recebidos pelo sócio retirante, contudo, sem prejudicar os sócios que permanecem na sociedade. A exclusão da projeção dos lucros futuros se mostra devida, portanto, porque os referidos valores não compõem o patrimônio da sociedade no momento da retirada do sócio, de modo que o sócio retirante não pode se beneficiar dos esforços que serão despendidos pelos sócios remanescentes, que permanecem na sociedade.
Assim, o STJ reforça que, omisso o contrato social relativamente à quantificação do reembolso do sócio retirante ou excluído, deixando de fixar quais critérios serão utilizados nesta quantificação (abarcando o lucro futuro da sociedade ou não), deve ser observada a regra geral de apuração de haveres segundo a qual o sócio não pode, na dissolução parcial da sociedade, receber valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total, verificada tão somente naquele momento, não sendo possível englobar a projeção de lucros futuros da sociedade empresária.
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BRASIL. STJ REsp 1.904.252/RS. Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF, 22 de agosto de 2023. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 01 set. 2023.
BRASIL. STJ. Agravo Interno no AREsp 1192710/SP. Relator: Raul Araújo. Brasília, DF, 26 de setembro de 2022. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 04 out. 2022.
BRASIL. STJ. Agravo Interno no AREsp 1.174.472/RS. Relator: Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 19 dez. 2018.
Clara Carrocini Tamaoki
Advogada no escritório Medina Guimarães Advogados, inscrita na OAB/PR sob o n. 106.870. Mestre em Ciências Jurídicas na Unicesumar. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.