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Vazamento de informações do RG não gera dano moral, decide Justiça de SC

Evitar que a LGPD tenha seu objetivo transmudado e se torne uma pena de morte para as empresas.

sábado, 16 de setembro de 2023

Atualizado em 15 de setembro de 2023 14:39

A Justiça de SC decidiu recentemente que o vazamento de informações do RG não gera dano moral. Na decisão (processo judicial 5005676-17.2022.8.24.0004), de agosto deste ano, fica claro que este tipo de documento não se enquadra como sensível ou sigiloso.

Foi o caso de determinado cliente de duas instituições financeiras que moveu ação judicial com pedido de danos morais em razão do suposto vazamento de seu número de RG. Para o cliente, os bancos teriam compartilhado os dados ali contidos sem sua autorização. O Juízo decidiu que o cliente não comprovou que o documento indicado tenha sido obtido por compartilhamento indevido dos dados, deixando consignado que o RG não se enquadra como sensível ou sigiloso ao ponto de violar o direito da personalidade.

Este entendimento segue a linha que vem sendo adotada pelo STJ nos primeiros casos submetidos à corte superior envolvendo o tema. Em março deste ano, no julgamento do AREsp213069/SP foi decidido que "Os dados de natureza comum, pessoais, mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural, não podem ser classificados como sensíveis."

Na realidade, a quantidade de demandas sobre esse tema tem crescido consideravelmente nos últimos anos, sobretudo em razão da proximidade do tratamento da LGPD sobre os dados pessoais com as relações de consumo.

Conforme consta do artigo 2º, VI da LGPD, a disciplina da proteção de dados tem como fundamento "a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor". Ou seja, a LGPD tem como um de seus pilares a proteção das relações de consumo.

Além disso, na celebração de contratos dessa natureza, o contratante muitas vezes é obrigado a informar seus dados e apresentar documentos pessoais, o que reforça a necessidade de os fornecedores de serviço ampliarem a proteção aos dados de seus clientes e adotarem as diretrizes constantes na LGPD sobre o tema.

Somente políticas empresariais efetivas de proteção de dados são capazes de evitar que a LGPD sirva de instrumento para uma possível industrialização dessas demandas com o objetivo puro e simples de obter indenizações, ativando a conhecida "indústria" do dano moral, cuja massificação tem como marco legal no Brasil o CDC.

Precedentes como desse caso de Santa Catarina revelam que o poder judiciário está atento à necessidade de se evitar a massificação desse tipo de demanda com fins de obtenção de indenização por danos morais.

Assim como o poder judiciário, espera-se também que a ANPD adote postura colaborativa nos processos administrativos que eventualmente envolvam a aplicação de sanções pelo poder público.

Afinal, em fevereiro deste ano, foi publicado o regulamento para aplicação de sanções administrativas. Somente para a pena de multa, o valor pode chegar a R$ 50.000.000, (cinquenta milhões de reais), o que revela uma capacidade punitiva relevante para essa agência reguladora.

Como se sabe, com a entrada em vigor da carta constitucional de 1988, a atividade punitiva estatal é atingida por um processo de mutação do poder de polícia para o direito administrativo sancionador. Esse processo é perceptível nas legislações promulgadas desde então, inclusive na LGPD.

Desde então, o poder deixa de ser o centro da atividade punitiva do Estado, sendo substituído pelo binômio dever-poder. Além disso, o papel retributivo da atividade punitiva é gradativamente substituído por um papel instrumental, para que a aplicação da sanção seja um instrumento capaz de aproximar o infrator da sociedade e da administração pública, além de evitar que novas infrações voltem a ocorrer. 

É justamente o que se espera da ANPD na aplicação das sanções administrativas e do poder judiciário no julgamento dos casos concretos: evitar que a LGPD tenha seu objetivo transmudado e se torne uma pena de morte para as empresas.

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Disponível em: https://www.jota.info/justica/lgpd-vazamento-de-dados-pessoais-nao-gera-dano-moral-presumido-decide-stj-16032023#:~:text=LGPD%3A%20Vazamento%20de%20dados%20pessoais,dano%20moral%20presumido%2C%20decide%20STJ&text=A%202%C2%AA%20Turma%20do%20Superior,s%C3%B3%2C%20indeniza%C3%A7%C3%A3o%20por%20danos%20morais

Acesso em 10 de set. de 2023

Disponível em :https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-regulamento-de-dosimetria#:~:text=O%20Regulamento%20de%20Dosimetria%20e%20Aplica%C3%A7%C3%A3o%20de%20San%C3%A7%C3%B5es%20Administrativas%20%C3%A9,de%20Prote%C3%A7%C3%A3o%20de%20Dados%20Pessoais

Acesso em 10 de set. de 2023

Disponível em: https://www.brunomiragem.com.br/wp-content/uploads/2020/06/002-LGPD-e-o-direito-do-consumidor.pdf Acesso em 10 de set. de 2023

Pedro Luiz Chagas Costa

Pedro Luiz Chagas Costa

Atua no Villemor Amaral Advogados e é mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP.

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