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As novas velhas nulidades e os velhos novos corruptos da Lava Jato

A decisão de Toffoli na RCL 43007-DF reforça a necessidade de que alguns "investigadores" sejam eles próprios investigados, mas não impede que o Ministério Público e demais legitimados sigam nas esferas competentes, com base em provas válidas, visando obter o pleno ressarcimento pelos prejuízos causados por atos de corrupção.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Atualizado às 14:27

Afinal, a anulação do acordo de leniência celebrado no âmbito da Lava Jato, declarada nos autos da RCL 43007-DF (decisão do ministro Dias Toffoli do último dia 06 de setembro) redundará mesmo na completa ausência de responsabilização das empresas envolvidas em atos ilícitos?

Ao manter importantes questões do verão passado lavajatista desfocadas por miopia seletiva, parte da grande mídia nacional e alguns supostos "especialistas" voltam a desinformar a população sobre um tema lateral, embora de relevância jurídica, que surgiu a partir dessa decisão de Toffoli.

Alguns "analistas de estimação" sinalizam que a empreiteira, cujo acordo de leniência foi declarado nulo, não será (ja)mais responsabilizada. Partem eles de premissa falsa, em cacoete sensacionalista e falso-moralista, parecendo crer que houve algum tipo de extinção de processo, de punibilidade ou de responsabilidade desses, como dizem, "malfeitores confessos".

Não é difícil detectar em tais "análises" uma lágrima carpideira, um certo luto lavajatista.

O "argumento" da mídia-viúva, demagogicamente sedutor, é lépido e rasteiro: como pode o réu confesso de um "assalto" ficar com o produto do crime por conta de "razões processuais"? 

Trata-se, antes de tudo, de lamúria reacionária, cujo recado embute a velha opressão tirânica: se o torturado "diz a real" está tudo bem, segue o jogo...

Mas o pior é que o argumento nasce de uma premissa falsa. Na verdade em nenhum momento se disse que o réu confesso deverá ficar (e se locupletar) com o produto do crime.

A decisão em questão declarou a "imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do Acordo de Leniência 5020175-34.2017.4.04.7000, celebrado pela Odebrecht, e dos sistemas Drousys e My Web Day B," o que - parece óbvio - não significa direito absoluto à empresa em reaver os valores e multas que despendeu em ressarcimento ao erário, notadamente em face de prova válida, inclusive confissão, acerca de conduta espúria e enriquecimento ilícito ou resultante de corrupção.

O Direito Penal (e a respectiva responsabilização), sabe-se bem, em qualquer ordenamento jurídico moderno, é considerado o último instrumento interventivo para reparação de ato ilícito e seu responsável ("ultima ratio"), o que significa dizer que as demais esferas (cível e administrativa), até porque independentes, se mantêm prioritariamente abertas. Essa lição primordial do Direito era convenientemente esquecida pelos sectários do lavajatismo, cujo afã sempre foi o de criminalizar (e dizimar) adversários políticos.

Mesmo a decisão de Toffoli, na parte em que adverte sobre a possibilidade de contaminação das provas derivadas do referido acordo de leniência "em qualquer âmbito ou grau de jurisdição", termina por atestar esse paralelismo das esferas de responsabilidade.   

Ou seja: o Ministério Público e demais legitimados podem seguir atuando sem problemas em todas as esferas de responsabilização competentes, embora - é claro - devam fazê-lo com base num plexo de provas válidas. O pleno ressarcimento ao erário, quanto aos prejuízos porventura provocados por essa empreiteira e por outras pessoas jurídicas e físicas, na medida de suas respectivas responsabilidades, hão de ser buscados pelas vias próprias, inclusive cíveis.

Porém, o mais relevante contido na (retardatária) decisão do Min. Toffoli tem sido tratado, mesma pela imprensa mais séria e isenta, de modo tímido ou enviesado. Afinal, abusos e excessos do lavajatismo já não são mais novidade...

No lado oposto, a operação Lava Jato, de metodologia e propósito clandestinos que tanto assombraram o Direito, mesmo agora em que vagueia no "modo zumbi", ainda consegue inspirar algumas redações da mídia corporativa.

Sim, o bocejo que acompanhou o despertar toffoliano foi sonoro demais. Trepidante, incomodou os setores midiáticos de alma mais lavajatista. 

Essa mesma mídia-viúva que ignorou solenemente que há menos de dois meses mais um escândalo havia sido desvelado: a Lava Jato buscara, em tratativas sigilosas e criminosas em terras do Tio Sam, a divisão do dinheiro cobrado da Petrobras em processos ajuizados em solo estadunidense.  Nossos destemidos lavajatistas propiciariam a tunga, mas reservariam a si uma parte polpuda da pilhagem... 

A conclusão é que a mídia-viúva, em função de inconfessos propósitos, preocupa-se muito mais com o destino de alguns milhões apreendidos junto a uma empreiteira privada pelo esquema que vitimava a Petrobras do que com a sangria direta de recursos dessa mesma vítima - na ordem de bilhões de reais - arquitetada por agentes públicos que atuavam na mesma operação Lava Jato.

Esse jornalismo de fachada - fonte clássica de fake news - ainda não se deu conta, mas corre o risco de se tornar rapidamente insignificante.

Quem se refestelou em simbiose parasitária no ápice do lavajatismo, ainda não percebeu o rei nu, o marreco depenado e o hospedeiro moribundo.  Segue de olhos fechados, sugando o sangue putrefato de uma operação zumbi.

Mas a sociedade brasileira evolui e parece se dar conta da traição que a vitimou.

A expressão "corrupção judicial" é o epíteto paradoxal que o cidadão comum deu à plêiade de abusos e excessos intoleráveis perpetrados em meio à operação Lava Jato.

Em nome de combater a corrupção no país, a população vem percebendo que a operação trazia ela própria o germe da corrupção, vindo de corromper o sistema persecutório-judicial.  E isso pode ser muito bem aferido pelas pesquisas de opinião. Ou melhor, pela falta delas. Como num passe de mágica, encontradiças no passado recente, as sucessivas pesquisas encomendadas pelos jornalões sobre a confiança da população na Lava Jato simplesmente deixaram de ser feitas. Encontrou-se a forma mais eloquente de silenciar...

O fato é que a expressão "corrupção da Lava Jato" não é mero exagero retórico. Desde o referido episódio com os EUA recai sobre alguns membros da operação a suspeita pela prática do mesmíssimo crime de corrupção que diziam combater.

A mídia-viúva, seletiva, esqueceu-se também, claro, daquele "fundo" arquitetado pelos lavajatistas para receber aportes bilionários. 

Conforme o plano lavajatista, o fundo seria a galinha de ovos de ouro: alimentado primordialmente por aportes vultosos da nossa Petrobras, a fortuna seria gerida pelo entourage curitibano nos projetos que avalizassem. 

Mais ou menos assim: ao argumento de que partidos políticos sangravam a Petrobras para financiar seus projetos de poder, passar-se-ia a redirecionar essa mesmíssima sangria ao clube de heróis para... financiar seus projetos de poder!

Voltando à sangria internacional da Petrobras urdida por lavajatistas, destaque para a revelação pouco repercutida: membros da própria Lava Jato, no frigir daqueles ovos dourados, propiciaram argumentos e elementos de prova utilizados para processar a Petrobras nos EUA, que teria redundado em acordos indenizatórios bilionários suportados pelos cofres da empresa (ou seja, pelo povo brasileiro).

Boa parte dessa orquestra lesiva, tal como trazida à baila em matéria do UOL assinada por Jamil Chade e Leandro Demori em 20 de julho deste ano, há muito vinha sendo alvo da suspeita ou inferência dos críticos mais atentos da malfadada operação, inclusive, de certa forma, verbalizada pelo Min. Gilmar Mendes, em julgamento célebre que declarou suspeito o principal juiz relacionado à operação.

Ocorre que, agora, tudo contextualizado, o quadro se agudiza. E muito.

O que se levanta, no momento, é a possibilidade concreta de que membros da operação possam ter se envolvido com corrupção passiva "na veia", figura típico-penal, artigo 317 do Código Penal brasileiro: "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".  Pena de 2 a 12 anos.

Vale lembrar que para a configuração da corrupção passiva não é necessário o resultado visado (como bem sabem os sectários do lavajatismo). O crime é considerado de "consumação antecipada". Basta a preparação, a solicitação e pronto: o crime está consumado.

Se um funcionário público, agindo nessa condição, usa de meios irregulares e faz tratativas espúrias com a finalidade de obter um valor bilionário para si ou para outrem (por exemplo, um fundo), que configure uma vantagem direta ou indireta (por exemplo, via gestão de um fundo), ele pode ser alcançado por essa figura típica penal.

A decisão de Toffoli na RCL 43007-DF reforça a necessidade de que alguns "investigadores" lavajatistas sejam eles próprios investigados pelos malfeitos ali delineados. "Corrupção da Lava Jato", agora, não é mais uma expressão em sentido figurado, para o desespero da mídia-viúva.

"A volta do cipó da aroeira no lombo de quem mandou dar", ementaria o Ministro Vandré.  Doa a quem doer.

Paulo Calmon Nogueira da Gama

VIP Paulo Calmon Nogueira da Gama

Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio

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