Natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise de cobertura para tratamento de câncer
A patologia possui cobertura contratual e a medicação foi indicada por mais de um médico, não há como negá-la com base na alegação de que não consta no rol prévio e, provavelmente, desatualizado em comparação à evolução da tecnologia em saúde.
sexta-feira, 15 de setembro de 2023
Atualizado às 09:21
O ajuizamento de ações fundadas na negativa dos planos de saúde em conceder tratamentos aos pacientes, sob a justificativa de ausência de previsão no rol da ANS, é uma realidade em basicamente todos os tribunais do Território nacional.
Sempre se discutiu a possibilidade de cobertura de tratamentos não previstos no rol da ANS, sendo a controvérsia guiada por duas vertentes: por um lado, a necessidade de cobertura de tratamento expressamente requerido pelo médico responsável - mesmo que esse não estivesse previsto no rol da ANS - e, por outro lado, a negativa fundada na impossibilidade de cobertura de tratamento não listado pela ANS.
Mediante a necessidade de solucionar o impasse, a 2ª Seção do STJ concluiu, em 08/6/22, o julgamento dos recursos nos quais se discutia a validade das cláusulas restritivas de cobertura dos planos de saúde aos tratamentos elencados no rol de procedimentos da ANS. Por maioria de votos, o STJ naquela ocasião, entendeu pela legitimidade de os planos de saúde recusarem a cobertura a outros procedimentos que não aqueles previamente listados no "Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde" da ANS.
Muito embora o STJ tenha concluído o julgamento pela validade da taxatividade do rol, os Tribunais de Justiça de cada um dos Estados continuaram a adotar posicionamentos próprios, seja catando o posicionamento sufragado pelo STJ, seja mitigando a taxatividade do rol, com aplicação de tratamentos, de acordo com a análise caso a caso.
Em vista dessa insegurança jurídica que decisões conflitantes podiam trazer à população, foi sancionada a lei 14.454/22, 21/9/22, que, na prática, obriga os planos de saúde a cobrirem procedimentos não previstos no rol taxativo da ANS, desde que comprovada a eficácia do tratamento, ou desde que exista recomendação da CONITEC.
Nesse sentido, com a determinação advinda da nova lei em comento, contrariando seu anterior posicionamento, mas em consonância com o histórico jurisprudencial do país, a Terceira Turma do STJ decidiu, no último mês de maio, por unanimidade, que "a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa." [sic]
A mudança na orientação do STJ, prevista no referido julgamento do AgInt nos EREsp 2.001.192/SP, conduzido pela Ministra Nancy Andrighi, tanto pode ser explicada pela entrada em vigor da lei 14.454/22, mas também pela direção da opinião pública sobre o tema. A limitação de tratamentos para doenças graves em um rol taxativo é prejudicial a todos aqueles que se valem da contratação de planos de saúde.
Além disso, a evolução da medicina e da tecnologia atrelada à saúde caminha em velocidade superior ao ritmo de aprovação, validação e acréscimo de novos procedimentos no rol taxativo da ANS, especialmente para casos de doenças graves, como o câncer. Em última análise, cabe ao médico, e não à operadora de saúde, eleger qual o melhor tratamento e o medicamento mais indicado para o paciente portador de moléstia grave.
Se extrai do novo posicionamento do STJ que a autorização de tratamentos fora do rol da ANS garante que determinados tratamentos - novos - não sejam descontinuados, em especial para portadores de câncer, já que, se a patologia possui cobertura contratual e a medicação foi indicada por mais de um médico, não há como negá-la com base na alegação de que não consta no rol prévio e, provavelmente, desatualizado em comparação à evolução da tecnologia em saúde.
Mariana Mastrogiovanni de Freitas Castro
Advogada da área Cível e Resolução de Conflitos na Innocenti Advogados.