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Empréstimos consignados: STF reconheceu a constitucionalidade do aumento de margem

Na ADIn 7.223/DF o STF reconheceu a constitucionalidade da lei 14.431, a qual ampliou a margem para empréstimos consignados sobre benefícios previdenciários e permitiu essa modalidade de contrato também sobre os benefícios assistenciais e de transferência de renda.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Atualizado às 09:10

Em 12/9/23 o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADIn 7.223/DF, ajuizada pelo PDT - Partido Democrático Trabalhista. Sob relatoria do MInistro Nunes Marques, foi reconhecida a constitucionalidade da lei 14.431/22, que  operou a majoração da margem para empréstimos consignados nos benefícios previdenciários e salários, bem como propiciou a incidência desses contratos também sobre benefícios assistenciais e programas federais de transferência de renda.

A fim de bem compreender o alcance da ADIn 7.223/DF, é relevante rememorarmos o contéudo da própria lei 14.431/22, ora objeto de controle concentrado de constitucionalidade.

Em linhas gerais, e seguindo o rumo da lei 14.131/21, foi editada a Medida Provisória 1.106, posteriormente convertida na Lei 14.431, que majorou a margem para empréstimos consignados sobre os benefícios previdenciários e também passou a  permiti-los em relação ao benefício de prestação continuada da Assistência Social (Lei 8.742/93) e programas federais de transferência de renda.

É importante lembrar, inicialmente, que os artigos 114 e 115, da lei 8.213/91, estabelecem, como regra geral, o princípio da intangibilidade dos benefícios previdenciários, na esteira do que é estabelecido para a proteção dos salários, em face de seu evidente caráter alimentar.

Todavia, o próprio artigo 115 permite algumas possibilidades excepcionais de descontos efetuados sobre benefícios previdenciários, dentre estas a celebração de empréstimos bancários cuja garantia é a incidência de descontos mensais nas prestações previdenciárias - os conhecidos empréstimos consignados.

Os empréstimos consignados também encontram previsão na lei 10.820/03, que regulamenta os aspectos contratuais e bancários desta modalidade de operação.

Até a edição da Medida Provisória 1.106/22, depois convertida na lei 14.431/22, a legislação permitia que fossem efetuados empréstimos consignados até o limite de 40% do valor do benefício, correspondendo o percentual de 5% deste montante destinado exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou para operações de saques de valores por meio do cartão de crédito.

A Medida Provisória 1.106/2022 ampliou para 45% a margem para consignação de empréstimos e contratos bancários sobre o valor dos benefícios previdenciários pagos aos segurados do RGPS, mantendo a mesma perspectiva de que deste total de 45% do valor do benefício, um percentual de 5% seria destinado exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou para a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

Eis a alteração efetuada no art. 6º, § 5º, da lei 10.820/03:

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.

Outra novidade trazida pela lei 14.431/22 residiu na autorização para que também os beneficiários do BPC, previsto na lei 8.742/93, pudessem realizar empréstimos consignados incidentes sobre esta modalidade de benefício social. Eis a alteração efetuada no art. 6º, caput, da lei 10.820/03:

Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art. 1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.  

Na mesma linha, os beneficiários de programas federais de transferência de renda, a exemplo do Auxílio-Brasil e do Bolsa Família, também passaram a poder adquirir empréstimos consignados em até 40% do valor de seus benefícios. Veja-se a redação do art. 6º-B, da lei 10.820/03:

Art. 6º-B. Os beneficiários de programas federais de transferência de renda poderão autorizar a União a proceder aos descontos em seu benefício, de forma irrevogável e irretratável, em favor de instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, para fins de amortização de valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos e financiamentos, até o limite de 40% (quarenta por cento) do valor do benefício, na forma estabelecida em regulamento.

Parágrafo único. A responsabilidade pelo pagamento dos créditos de que trata o caput deste artigo será direta e exclusiva do beneficiário, e a União não poderá ser responsabilizada, ainda que subsidiariamente, em qualquer hipótese.

Estas inovações da lei 14.431/22 foram bastante criticados por alguns setores da sociedade, no sentido de haver possibilidade de ensejar o chamado superendividamento de aposentados, pensionistas e beneficiários da Assistência Social.

Nesse sentido é que foi ajuizada a referida ADIn 7.223/DF, ora julgada improcedente pelo STF.

Em sua fundamentação, no voto que foi acompanhado pela maioria dos Ministros do STF, o MInistro Nunes Marques destacou que a Portaria 2/22, do Ministério da Cidadania, foi bastante adequada na regulamentação do tema, evitando marketing ativo em relação a estes beneficiários, exigindo também que os formulários de adesão a esses contratos de empréstimo consignados sejam redigidos em linguagem coloquial acessível a esse público-alvo.

Destacou também a expressiva amplião da oferta de crédito pessoal para essas famílias, especialmente no contexto pandêmico e pós-pandêmico.

O Ministro Relator apresentou, inclusive, o argumento de que o STF já havia se manifestado sobre as formas diferenciadas de comprovação da vulnerabilidade econômica para fins de acesso ao BPC (RE 567.985, Tema 27 da repercussão geral).

De outra parte, e apresentando um ponto bem relevante, mencionou que "a alegada posição de vulnerabilidade do público-alvo não retira sua capacidade de iniciativa e de planejamento próprio. Não cabe objetificar os beneficiários da nova margem de renda consignável: o valor existencialde sua dignidade lhes confere liberdade e responsabilidade pelas próprias escolhas".

Finalmente, o voto apresenta o argumento da judicial self-restreint, no sentido de que deve haver ponderação do STF em relação a invalidar normas emanadas do Poder Legislativo, especialmente no tocante à criação e design das políticas públicas de fomento ao crédito: "Ultrapassar a atuação desta Corte como legislador negativo implicaria a invasão no exame da discricionariedade política".

Consideramos que os beneficiários do BPC previsto na lei 8.742/93, bem como os beneficiários de programas federais de transferência de renda, apesar de se encontrarem em situação de vulnerabilidade econômica, também são agentes econômicos, e efetuam pagamentos, realizam compras, etc, mormente para sua subsistência e a de suas famílias.

Nestes termos, é bastante interessante a possibilidade de que possam adentram ao mercado formal de créditos e poderem contratar empréstimos consignados inclusive sobre seus benefícios sociais.

Por fim, é importante registrar que há algumas decisões judiciais recentes, inclusive do STJ, vêm limitando em patamares mais baixos do que estes previstos em lei o desconto mensal dos empréstimos consignados, sobretudo diante do caráter alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais.

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

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