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Micro e pequenas empresas: desafios e oportunidades no cenário das compras públicas

Com o aumento da participação desse setor nas compras públicas, superar os desafios é fundamental para impulsionar a economia, beneficiando tanto o setor público quanto o privado.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Atualizado às 13:53

Um dos princípios gerais da atividade econômica previsto na Constituição Federal em seu art. 170, IX1 está o "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país".

Além disso, o artigo 179 da CF/1988 estipula que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm a responsabilidade de oferecer um "tratamento jurídico diferenciado" às microempresas e empresas de pequeno porte, com o intuito de fomentar seu crescimento por meio da simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, como previamente definido em legislação específica.

O tratamento favorecido para a microempresa (ME) e empresa de pequeno porte (EPP) era originalmente regulamentado por leis ordinárias em cada esfera federativa. A nível federal, especificamente, eram aplicadas a lei 9.317/96, que abordava sobre o tratamento tributário favorecido, e a lei 9.841/99, que englobava outras áreas de tratamento favorecido, como as questões administrativas, creditícias, entre outras.

No entanto, em 2003, a Emenda Constitucional 42/03 trouxe alterações ao artigo 146 da CF/1988, tornando obrigatório que o tratamento tributário diferenciado e favorável fosse regulamentado por meio de lei complementar.

Em conformidade com essa emenda constitucional, foi editada a Lei Complementar 123/06, que consolidou todos os benefícios e regimes especiais destinados a ME e EPP em um único marco legislativo. Isso abrangeu também o tratamento tributário, que passou a ser gerenciado por um sistema unificado que engloba impostos municipais, estaduais e federais.2

Definição de ME e EPP

O art. 3º da LC 123/06 define com base no faturamento o conceito de ME e EPP:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: (Redação dada pela Lei Complementar no 139, de 10 de novembro de 2011) (efeitos: a partir de 01/01/2012)

I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e (Redação dada pela Lei Complementar no 139, de 10 de novembro de 2011) (efeitos: a partir de 01/01/2012)

II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). (Redação dada pela Lei Complementar no 155, de 2016)3

Cenário atual

Fato é que atualmente, os pequenos negócios tem representado o segmento com maior número de criação de empregos (72%), responsável por nada menos que 30% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo levantamento feito pelo SEBRAE4 dos empregos criados no pais, no primeiro semestre de 2022.5

Já em 2023, em recente estudo publicado pelo SEBRAE, que resultou em um Relatório Técnico da Abertura de Pequenos Negócios no Brasil, trouxe dados impressionantes. No primeiro trimestre do ano, mesmo com uma pequena queda de 0,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, foram abertos 1.013.239 novos pequenos negócios no Brasil.

Em termos percentuais 78% é reservado ao Micro Empreendedores Individual (MEI) com um total de 798.826 empresas abertas; As Micro Empresas vêm em seguida, com 180.229 novas empresas (17,8%), enquanto as Empresas de Pequeno Porte abriram apenas 34.184 novas empresas (3,4%).6

Compras públicas

A participação desse segmento nas compras públicas tem experimentado um crescimento proporcional a cada ano. Entre janeiro e dezembro de 2022, as compras públicas movimentaram R$ 255 bilhões na aquisição de bens e serviços, dos quais, R$ 142 bilhões (55,71%) referem-se às contratações junto as ME e EPP.

Na comparação com o mesmo período de 2021, as empresas do setor aumentaram sua participação nas compras públicas em 4%.7

Desafios para o setor

Para além desse cenário otimista apresentado, é importante também mostrar o outro lado da moeda, pois, quando se fala em índice de mortalidade esse setor é o que apresenta maior taxa em até cinco anos

Os diferentes tipos de empreendimentos de pequeno porte apresentam taxas variadas de sobrevivência no mercado ao longo de cinco anos. Os Microempreendedores Individuais registram a mais alta taxa de encerramento de atividades, com 29% fechando suas portas nesse período. Em contrapartida, as ME apresentam uma taxa intermediária de mortalidade entre os pequenos negócios, com 21,6% encerrando suas operações após 5 anos. Por outro lado, as EPP desfrutam da menor taxa de mortalidade dentro deste segmento, com apenas 17% delas encerrando suas atividades no mesmo período.8

As causas variam entre o pouco preparo pessoal; planejamento e gestão, além de um elemento que atingiu a todos os setores que foi as consequências da pandemia da Covid-19 que obrigou muitas empresas a fecharem as portas.

Jogando luz aos desafios à participação das ME e EPP nas compras públicas, há questões que precisam ser melhor observadas para que essas empresas consigam cada vez mais, ganhar seus espaços como boas fornecedoras para o setor público.

Um dos principais riscos enfrentados por esse segmento reside na falta de preparação adequada para participar de licitações governamentais. Nesse contexto, os empreendedores devem realizar uma avaliação abrangente, considerando sua capacidade de produção, custos, logística de entrega, definição de preços mínimos e margens de lucro, entre outros fatores.

Além disso, é fundamental incorporar o planejamento do fluxo de produção, de modo a atender tanto os clientes regulares quanto as demandas geradas pela participação em processos licitatórios.

Cada novo edital de licitação deve ser submetido a uma análise de riscos detalhada para identificar possíveis vulnerabilidades no processo de fornecimento. Erros frequentes cometidos por empresas que participam de licitações, tais como falhas no credenciamento, preenchimento incorreto de propostas e envio de documentação em desacordo com as diretrizes do edital, para a Administração Pública, são critérios objetivos que se não cumpridos, elimina o licitante do certame.

Pelo Portal da Transparência é possível ter ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), onde consta as sanções que são aplicadas pelos órgãos às empresas que descumprem as disposições previstas no edital durante a participação do processo licitatório. É importante destacar que as obrigações assumidas pela empresa se encerram apenas com a entrega em sua totalidade do material ou da prestação de serviço ao órgão.9

As sanções mais comuns são: impedimento/proibição de contratar com prazo determinado; declaração de inidoneidade sem prazo determinado; impedimento/proibição de contratar sem prazo determinado; suspensão e declaração de inidoneidade com prazo determinado. A diferença para cada sanção depende da natureza do descumprimento das regras e a fundamentação constante no edital.

Portanto, é fundamental compreender que a simples participação em licitações não é o suficiente; o verdadeiro objetivo é participar, vencer e fornecer produtos ou serviços com uma margem de lucro satisfatória. Além disso, é crucial que a Administração Pública obtenha a proposta mais vantajosa, considerando não apenas o critério do preço, mas também a observância ao ciclo de vida útil do objeto, evitando contratações com sobrepreço, preços inexequíveis ou superfaturados, entre outros objetivos que foram inseridos no escopo da na nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021).10

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1 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

2 FORENSE, Equipe. Constituição Federal Comentada. São Paulo: Grupo GEN, 2018. E-book. ISBN 9788530982423. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530982423/. Acesso em: 07 set 2023. 

3 BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.

4 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em 07 set. 2023.

5 PEQUENOS negócios aceleram emprego e PIB no país: Estudo mostra que 51% das empresas estão situadas na região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. [S. l.], 16 jan. 2023. Disponível em: https://agenciasebrae.com.br/dados/pequenos-negocios-aceleram-emprego-e-pib-no-pais/. Acesso em: 8 set. 2023.

6 ABERTURA de Pequenos Negócios no Brasil 1° Trimestre - 2023. SEBRAE, Brasília - DF, p. 4-77, 26 abr. 2023.

7 http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra

8 A TAXA de sobrevivência das empresas no Brasil: Ainda é grande o número de empresas que não conseguem sobreviver. [S. l.], 27 jan. 2023. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/a-taxa-de-sobrevivencia-das-empresas-no-brasil,d5147a3a415f5810VgnVCM1000001b00320aRCRD. Acesso em: 8 set. 2023.

https://portaldatransparencia.gov.br/sancoes/consulta?cadastro=1&ordenarPor=nomeSancionado&direcao=asc

10 Com a nova Lei de Licitações, os objetivos da licitação passam a ser (art. 11): a) assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; b) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; c) evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos; d) incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável. OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559647347. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647347/. Acesso em: 09 set. 2023.

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ABERTURA de Pequenos Negócios no Brasil 1° Trimestre - 2023. SEBRAE, Brasília - DF, p. 4-77, 26 abr. 2023.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 07 set. 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.

FORENSE, Equipe. Constituição Federal Comentada. São Paulo: Grupo GEN, 2018. E-book. ISBN 9788530982423. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530982423/.

http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra. Acesso em 08 set 2023.

https://agenciasebrae.com.br/dados/pequenos-negocios-aceleram-emprego-e-pib-no-pais/. Acesso em 08 set. 2023.

https://portaldatransparencia.gov.br/sancoes/consulta?cadastro=1&ordenarPor=nomeSancionado&direcao=asc. Acesso em 09 set. 2023

https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/a-taxa-de-sobrevivencia-das-empresas-no-brasil,d5147a3a415f5810VgnVCM1000001b00320aRCRD. Acesso em 08 set 2023.

https://www.gov.br/compras/pt-br/agente-publico/orientacoes-e-procedimentos/7-orientacao-aos-gestores-para-aplicacao-do-decreto-no-8-538-2015     . Acesso em 07 set. 2023.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559647347. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647347/. Acesso em: 09 set. 2023.

Leonardo Fonseca Gregorio

Leonardo Fonseca Gregorio

Bacharel em Direito pela FMU. Membro colaborador da Comissão Especial de Arbitragem e Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB/SP. Trabalha com Licitações e Contratos Administrativos.

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