Réu foragido pode ser interrogado por videoconferência?
A questão do acusado foragido que falta à audiência é uma intersecção complexa de ética, lei, e realidade humana. Ela desafia o sistema legal a encontrar um equilíbrio entre o respeito pela lei e os direitos do acusado.
terça-feira, 12 de setembro de 2023
Atualizado às 13:37
No complexo labirinto do Direito Penal, poucas situações são tão intrigantes e desafiadoras quanto a de um acusado que falta à audiência e está em fuga. Esse cenário levanta uma série de questões jurídicas e éticas, cada uma ressoando com as palavras imortais de grandes juristas que moldaram o nosso entendimento da Justiça.
O comparecimento em uma audiência é uma parte fundamental do processo legal e da defesa. É o momento em que as partes têm a oportunidade de apresentar seus argumentos, testemunhas são ouvidas, e o juiz pode interrogar o acusado, talvez pode se considerar este o momento em que o julgador confirma as suas convicções por uma condenação ou absolvição. Mas o que acontece quando o acusado está ausente, especialmente quando essa ausência é o resultado de uma fuga deliberada?
Neste texto, exploraremos a intrincada questão do acusado foragido, as consequências legais de sua ausência e a possibilidade de interrogatório pelo juiz. Guiados pelas reflexões de juristas famosos, navegaremos por este delicado terreno, procurando um equilíbrio entre o imperativo da Justiça e a salvaguarda dos direitos individuais.
A pergunta a ser feita é: qual o mais importante, o direito à defesa ou o direito de punir do estado?
A resposta, como toda questão jurídica, não será sempre a mesma. Cada caso é um caso, mas para o Direito Constitucional atual no Brasil, o direito à defesa sempre será prioritário.
Desenvolvimento
A busca pela Justiça é um dos pilares da sociedade civilizada. Dentro deste vasto universo, existe uma situação que desafia os princípios legais e éticos: o acusado foragido que falta à audiência. Este cenário levanta questões difíceis, tanto no que se refere às consequências legais quanto à possibilidade do interrogatório pelo juiz.
A audiência é um momento crucial no processo penal. É o palco onde a verdade é buscada, onde os fatos são analisados, e onde o destino do acusado pode ser decidido. A presença do acusado não é apenas desejada, mas frequentemente necessária. Como já disse Thomas Jefferson, "o preço da liberdade é a eterna vigilância". A ausência do acusado pode ser vista como um desafio à autoridade do tribunal e à busca da verdade.
Mas o que acontece quando o acusado está foragido?
Cada magistrado entende de uma forma, mas se a ausência física seja justificada, inclusive para não ser preso, o interrogatório deve ser realizado.
O STF assim já decidiu, no sentido de determinar o interrogatório do réu foragido.
Não bastasse, entendo ser descabida a presunção de renúncia ao direito de participar da audiência quando há pedido expresso da defesa em sentido contrário. Ora, fosse a audiência presencial, teria o acusado o direito de comparecer espontaneamente ao ato. Da mesma forma, o comparecimento à audiência virtual deve ser facultado ao acusado, a fim de que possa acompanhar a produção da prova oral e exercer sua autodefesa. Corroborando esse entendimento, cito trecho de voto percuciente da ministra Rosa Weber, (HC 116.985/PE, Primeira Turma, DJe 10.04.2014)
A emissão de mandado de prisão
Se o acusado não comparece à audiência, o juiz pode emitir um mandado de prisão. Essa medida reflete a máxima de Francis Bacon, que afirmou que "a Justiça deve ser feita, ainda que o mundo pereça". A lei deve ser respeitada, e a fuga do acusado não pode ser tolerada. No entanto, nos casos em que o mandado já foi emitido a medida se torna inócua e o prejuízo incontestável à defesa. Não se pode exigir a presença do acusado para se realizar o interrogatório, um direito fundamental da defesa e da democracia.
A possibilidade do interrogatório
A situação torna-se ainda mais complexa quando se considera a possibilidade do interrogatório do acusado foragido. A lei reconhece o direito de o acusado ser ouvido, mas como isso pode ser feito se ele estiver em fuga?
A jurisprudência permite que o interrogatório seja realizado, desde que os direitos do acusado sejam respeitados. "Onde não há igualdade, a lei é inexistente", disse Aristóteles, e esta igualdade deve ser preservada mesmo quando o acusado está em fuga.
O Estado Juiz sempre é mais forte, diferente das relações privadas em que há igualdade de armas. Portanto, conceder o direito de dar a sua versão dos fatos pelos quais o acusado é um direito essencial aos cidadãos.
O papel da defesa
O advogado do acusado desempenha um papel crucial nesta situação. Ele deve equilibrar o dever de defender seu cliente com o respeito pela lei e pelo tribunal. É um equilíbrio delicado, refletido na afirmação de Alexander Hamilton, "o primeiro dever de uma sociedade é a Justiça".
Porém, a liberdade é a regra e a prisão é a exceção.
Conclusão
O fenômeno do acusado foragido que falta à audiência é um enigma que exige uma abordagem cuidadosa e ponderada. Ao longo do processo legal, o equilíbrio entre a busca implacável pela Justiça e a preservação dos Direitos Fundamentais do acusado deve ser mantido.
Neste complexo cenário, o papel dos advogados, juízes e demais profissionais da lei é vital. A sabedoria de juristas famosos, como Beccaria e Cardozo, continua a iluminar o caminho, lembrando-nos de que a Justiça não é apenas um conjunto de regras e regulamentos, mas um ideal vivo que deve ser perseguido com integridade e compaixão.
Em um mundo onde as circunstâncias e as pessoas são frequentemente imprevisíveis, o sistema legal deve ser flexível o suficiente para se adaptar, mas firme o suficiente para manter seus princípios. Como o lendário juiz Oliver Wendell Holmes Jr. afirmou: "não se trata apenas de aplicar a lei, mas de expandir o horizonte legal". A situação do acusado foragido é um desses horizontes, desafiando-nos a olhar além do evidente, a agir com discernimento e a buscar uma Justiça que seja ao mesmo tempo firme e humana.
A questão do acusado foragido que falta à audiência é uma intersecção complexa de ética, lei, e realidade humana. Ela desafia o sistema legal a encontrar um equilíbrio entre o respeito pela lei e os direitos do acusado.
Como bem colocou o jurista Benjamin Cardozo, "a Justiça não é ser feita, mas parecer ter sido feita". Esta sutil distinção ilustra a complexidade da situação em análise e destaca a necessidade de abordar cada caso com sabedoria, sensibilidade e um profundo respeito pelo Estado de Direito.