Normas para se interpretar um contrato não são interpretação de cláusula contratual
Toda interpretação contratual envolve atenção ao manifestado pelas partes, compreendendo os princípios da autonomia privada e da confiança.
segunda-feira, 11 de setembro de 2023
Atualizado às 08:39
Toda interpretação contratual envolve atenção ao manifestado pelas partes, compreendendo os princípios da autonomia privada e da confiança, com juízo de qualificação ou categorização jurídica incidente, tanto sobre a declaração negocial quanto sobre o exercício jurídico pelos contratantes.
Em verdade, a Ré seduz os mutuários com a promessa de redução mensal nos encargos mensais, e de fato, o SAC resulta no apregoado, ou seja, redução nos valores dos pagamentos mensais, porém, os devedores de boa-fé acreditam que as reduções são substanciais para depois concluírem que estas são irrisórias.
A Ré, em momento algum, informa essa circunstância aos mutuários. Assim, resta evidente a violação da boa fé e confiança.
A hermenêutica da boa-fé contratual não se esgota na intenção consubstanciada na declaração de vontade, devendo ser observada a finalidade do contrato, que no caso em julgamento visa atender o direito fundamental à moradia, ou melhor, a casa própria para a classe trabalhadora. Logo, um contrato de financiamento de imóveis para os menos favorecidos não pode ser incompatível com a realidade dos assalariados.
Que reste claro que os mutuários podem NÃO se bater contra as cláusulas do contrato e sim contra a sua vulnerabilidade na realidade econômica da classe trabalhadora.
Com efeito, é importante enfatizar que as regras 112 e 113 do Código Civil são destinadas ao intérprete para orientá-lo em vista dos casos concretos quanto às normas de interpretação do contrato, dado que o juiz deveria examinar a finalidade social do contrato.
A regra 112 do Código Civil define que, nas declarações de vontade, se deverá atender mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem.
Nos contrato de financiamento com alienação fiduciária o credor se utiliza dos recursos da poupança para financiar imóveis para a classe trabalhadora, e estes confiam seus recursos ao credor acreditando na finalidade social de facilitar a aquisição da casa própria nos termos da regra 8ª da lei 4.380/64. Sendo este o elemento nuclear do negócio jurídico e não necessariamente deve ser escrito e instrumentalizado, como ensina Judith Martins-Costa.
Vejamos, no caput dos contratos de financiamento com alienação fiduciária é dito que os recursos são oriundos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação-SFH e como recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Assim, não como deixar de acreditar que se está amparado pelo governo em função de um direito social.
O Juiz, aliando a boa-fé e a finalidade do contrato, de acordo com a regra 479 do Código Civil, pode promover uma modificação equitativa, apesar da norma do citado artigo conferir este direito somente ao credor. A modificação equitativa proposta pelo devedor só deverá ser rejeitada pelo credor se este comprovar que aquela lhe é prejudicial, o que não se aplica ao caso em exame, dado que a Autora pretende pagar os juros remuneratórios, taxas e seguros, e que a amortização não paga seja contabilizada em conta em separado.
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TARTUCE, Flávio, Direito Civil-lei de introdução a parte geral, edição 2022, forense, Vol.1
TEPEDINO, OLIVA, Gustavo e Milena Donato, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª. edição, Forense,2021.
COSTA, Judith Martins, A Boa-Fé no Direito Privado- Critérios para sua aplicação, 2ª. edição, Saraiva, 2019.
Romeu Fernando Carvalho de Souza
Presidente da Camerj - Central de Atendimento aos Mutuários do Estado do Rio de Janeiro.