MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Normas para se interpretar um contrato não são interpretação de cláusula contratual

Normas para se interpretar um contrato não são interpretação de cláusula contratual

Toda interpretação contratual envolve atenção ao manifestado pelas partes, compreendendo os princípios da autonomia privada e da confiança.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Atualizado às 08:39

Toda interpretação contratual envolve atenção ao manifestado pelas partes, compreendendo os princípios da autonomia privada e da confiança, com juízo de qualificação ou categorização jurídica incidente, tanto sobre a declaração negocial quanto sobre o exercício jurídico pelos contratantes.

Em verdade, a Ré seduz os mutuários com a promessa de redução mensal nos encargos mensais, e de fato, o SAC resulta no apregoado, ou seja, redução nos valores dos pagamentos mensais, porém, os devedores de boa-fé acreditam que as reduções são substanciais para depois concluírem que estas são irrisórias.

A Ré, em momento algum, informa essa circunstância aos mutuários. Assim, resta evidente a violação da boa fé e confiança.

A hermenêutica da boa-fé contratual não se esgota na intenção consubstanciada na declaração de vontade, devendo ser observada a finalidade do contrato, que no caso em julgamento visa atender o direito fundamental à moradia, ou melhor, a casa própria para a classe trabalhadora. Logo, um contrato de financiamento de imóveis para os menos favorecidos não pode ser incompatível com a realidade dos assalariados.

Que reste claro que os mutuários podem NÃO se bater contra as cláusulas do contrato e sim contra a sua vulnerabilidade na realidade econômica da classe trabalhadora.

Com efeito, é importante enfatizar que as regras 112 e 113 do Código Civil são destinadas ao intérprete para orientá-lo em vista dos casos concretos quanto às normas de interpretação do contrato, dado que o juiz deveria examinar a finalidade social do contrato.

A regra 112 do Código Civil define que, nas declarações de vontade, se deverá atender mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem.

Nos contrato de financiamento com alienação fiduciária o credor se utiliza dos recursos da poupança para financiar imóveis para a classe trabalhadora, e estes confiam seus recursos ao credor acreditando na finalidade social de facilitar a aquisição da casa própria nos termos da regra 8ª da lei 4.380/64. Sendo este o elemento nuclear do negócio jurídico e não necessariamente deve ser escrito e instrumentalizado, como ensina Judith Martins-Costa.

Vejamos, no caput dos contratos de financiamento com alienação fiduciária é dito que os recursos são oriundos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação-SFH e como recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Assim, não como deixar de acreditar que se está amparado pelo governo em função de um direito social.

 

O Juiz, aliando a boa-fé e a finalidade do contrato, de acordo com a regra 479 do Código Civil, pode promover uma modificação equitativa, apesar da norma do citado artigo conferir este direito somente ao credor. A modificação equitativa proposta pelo devedor só deverá ser rejeitada pelo credor se este comprovar que aquela lhe é prejudicial, o que não se aplica ao caso em exame, dado que a Autora pretende pagar os juros remuneratórios, taxas e seguros, e que a amortização não paga seja contabilizada em conta em separado.

-------------------------

TARTUCE, Flávio, Direito Civil-lei de introdução a parte geral, edição 2022, forense, Vol.1

TEPEDINO, OLIVA, Gustavo e Milena Donato, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª. edição, Forense,2021.

COSTA, Judith Martins, A Boa-Fé no Direito Privado- Critérios para sua aplicação, 2ª. edição, Saraiva, 2019.

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Presidente da Camerj - Central de Atendimento aos Mutuários do Estado do Rio de Janeiro.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca