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A reforma sindical impõe o surgimento de um novo sindicalismo

Quanto as formas de financiamentos da estrutura sindical deverão ser regulamentadas minimamente pelo Congresso Nacional, deixando competência para as assembleias das categorias definirem percentuais e forma de arrecadação.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Atualizado às 13:53

No Brasil nunca tivemos uma ampla reforma sindical que pudesse de forma sistemática e objetiva regulamentar o papel e autuação das entidades sindicais¹. O regramento sindical vigente foi inspirado na carta del lavoro oriunda de um regime fascista. O que influenciou o governo Vargas com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que criou um capítulo próprio para a criação, funcionamento e administração dos sindicatos.

Isso, com algumas alterações perdurou até a promulgação da Constituição Federal que acabou por recepcionar referido regramento quase que na totalidade, além de assegurar a liberdade sindical e, optando pelo sistema de unicidade sindical (artigo 8º da Constituição).

1 - Breve histórico:

O sindicalismo é decorrente do conflito entre capital e trabalho, onde um detinha os meios de produção e o outro a força de trabalho.

O sindicalismo surge na Europa em meados do século XVIII - durante a primeira revolução industrial (Inglaterra). Os trabalhadores começaram a buscar formas de organização, justamente para reivindicar melhores condições de trabalho, com segurança e saúde. 

Essa organização de trabalhadores no local de trabalho dá início ao surgimento dos sindicatos. Esses primeiros sindicatos têm como meta inicial buscar melhores salários.

No século seguinte (XIX) começou a se expandir na Europa (França, Alemanha), vai para os Estados Unidos da América e vem para o Brasil. Sabemos que o movimento sindical começa a ser organizado no nosso país por volta de 1890, através de imigrantes. 

É importante destacar que a ideia inicial e central do sindicato é unir os trabalhadores em busca do bem comum, leciona NORBERTO BOBBIO quando trata de sindicato, como:

 "Ação coletiva para proteger o próprio nível de vida, por parte de indivíduos que vendem a sua força-trabalho."

Ainda no século XIX, com o desenvolvimento do sindicalismo levando a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, começa se olvidar na chamada defesa dos trabalhadores através das mobilizações e reivindicações, o que leva ao surgimento do direito do trabalho. Sabemos que a atuação sindical é fonte do direito laboral.

Tanto é verdade que é nesse período que surge a famosa encíclica papal chamada de rerum novarum do Papa Leão XIII, que fora publicada em 1891 que busca trazer o Cristianismo para essas relações, no caso do direito do trabalho.

Por isso, o direito sindical/laboral só se justifica pelo princípio da proteção do trabalhador. Nesse sentido, tratamos dessa questão no livro A REFORMA TRABALHISTA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS PARA OS TRABALHADORES BRASILEIROS.

"...não podemos esquecer que sem o PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO não há direito do trabalho."²

Já no Brasil, essas organizações de trabalhadores que conhecemos como sindicatos começa a surgir por volta de 1890 a 1906, pois já em 1906 surge um primeiro congresso de trabalhadores que foi repetido em 1912, o que mostra certa organização da classe trabalhadora.

Essa organização, levou a uma greve em São Paulo no ano de 1917, que praticamente paralisou o Estado como um todo, com isso mostra já uma certa consolidação da unidade dos trabalhadores.

Em 1930, já na ditadura Vargas é criado o Ministério do Trabalho, em 1931 fora publicado um decreto autorizando a constituição de sindicatos, a partir daí até o início da década de 1940 surgiram vários sindicatos no Brasil, especialmente por categoria profissional, e muitos desses continuam em atividade até os dias atuais.

Em 1943 com a CLT que regulamenta a estrutura sindical que sobrevive até os dias atuais, sendo que nesses anos todos que se passaram, várias alterações foram realizadas na CLT., no tocante a sindicatos, além de grandes enfrentamentos principalmente durante o regime militar de exceção.

Já com a redemocratização, em 1988 é promulgada a nossa atual constituição que garantiu a liberdade sindicalo princípio da unicidade sindical³e o direito de greve.

2 - A Reforma Sindical:

Sabemos que é necessária uma ampla reforma sindical no Estado brasileiro, especialmente porque o nosso sistema ainda mantém na sua gênese a base da carta del lavoro de um país totalitário a época.

Contudo, é necessário que se faça através de um amplo debate com a sociedade, e principalmente com os trabalhadores e empregadores, com a mediação do governo, seguindo as premissas e orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente da Convenção de 87 que assegura a liberdade sindical.

É importante destacar, que em muitos momentos de nossa história se pautou discussões legislativas no sentido de se alterar diplomas legais, com a justificativa que era para modernizar a legislação aos novos tempos e, na verdade serviu apenas para a retirada de direitos.

Isso se deu com a Reforma Trabalhista aprovada através da lei 13.467/17 que no preâmbulo diz: "...a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho..", contudo, o que se viu nesses 5 anos de vigência é que o que ocorreu foi a retirada de direitos.

O que indiscutivelmente aconteceu com a reforma trabalhista realizada pela lei 13.467/17, foi a retirada de inúmeros direitos até então consagrados, além de restringir a atuação das entidades sindicais (financiamento); da Justiça do Trabalho (sentença normativa), e do MPT, sem falar no Ministério do Trabalho que praticamente perdeu suas atividades no que se refere a fiscalização do trabalho.

Com isso, mesmo sendo assegurado na Constituição Federal de 1988 a liberdade sindical, o sistema de unicidade e o reconhecimento do direito de greve, como direitos constitucionais não tem conseguido impedir que inúmeras iniciativas apareçam no sentido de inviabilizar a atuação sindical.

2.1. A Proposta de Emenda Constitucional 196/19

A Proposta de Emenda Constitucional 196/19 em tramitação no Congresso Nacional propôs no texto original uma série de alterações no sistema sindical brasileiro, entre as propostas sugeridas inicialmente no texto destacamos as seguintes:

  • Pluralidade sindical - a PEC acima propõe a alteração do artigo 8º da Constituição Federal, mudando o sistema de unicidade para pluralidade sindical4.
  • A PEC 196/19 estabelece as representações dos trabalhadores e dos empregadores, incluindo as centrais sindicais que ficará da seguinte forma: Centrais sindicais, Confederações, Federações e Sindicatos para a representação profissional.
  • Para a representação dos empregadores ficará da seguinte forma: Confederações, Federações e Sindicatos.
  • Cria o Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS), entidade bipartite com a função de regular o setor.
  • Ainda propõe uma serie de atribuições ao CNOS, entre elas a prerrogativa para estabelecer critérios de representatividade sindical, que tem como objetivo identificar o sindicato de maior representatividade.
  • A regulamentação da Convenção 1515 e 1596 da OIT pelo Congresso Nacional.

Na justificativa apresentada para a PEC 196/19, se exalta as conquistas sindicais no Brasil, inclusive fazendo referência as primeiras greves do século XX, que sempre buscou lutar para o desenvolvimento nacional através da democracia.

Nessa luta, aponta diversas conquistas como: A CLT, Participação nos Lucros e Resultados (PLR), direitos assegurados na Constituição Federal e tantos outros.

Conclui a justificação no sentido de "...modernizar, amadurecer e constitucionalizar a atividade sindical, criando, inclusive, o Conselho Nacional de Organização Sindical (CNOS), com participação de trabalhadores e empregadores."

A referida PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, encontrando-se atualmente em tramitação regular, porém lhe foram apresentadas diversas propostas de alteração, inclusive, pelas centrais sindicais, o que não conseguiremos tratar nesse artigo.

É importante destacarmos que quando se fala em reforma sindical a primeira coisa que vem a cabeça é o "imposto sindical", contudo a reforma proposta é muito mais ampla, o que merece um acompanhamento efetivo a verificar se no caso de aprovação trará alguma contribuição satisfatória para o movimento sindical como um tudo, aqui entendido empregado, empregador e a sociedade.

2.2. A nova contribuição sindical

Tratamos em outro artigo (Retorno do imposto sindical: uma necessidade ou um incentivo a "sindicatos de gaveta"?) sobre a contribuição sindical conhecida como imposto sindical, prevista nos artigos 578 e seguintes da CLT., que com a reforma trabalhista de 2017 (lei 13.467/17) passou a ser facultativa e praticamente inviabilizou a atuação de diversas entidades sindicais quanto ao financiamento.

Dissemos ainda, que o atual governo federal tem discutido o retorno da obrigatoriedade do "imposto sindical", o que tem suscitado questionamentos de diversos seguimentos da sociedade.

Com isso, várias propostas têm se discutido com as centrais sindicais no sentido de retorno da contribuição sindical obrigatória, assim como, sua forma de arrecadação.

Tem se apresentado a proposta de se cobrar 1% do salário anual do trabalhador, sendo esse percentual aprovado em assembleia sem assegurar o direito de oposição, o que se faria através de um projeto de lei.

A iniciativa parece adequada, a discussão fica pela impossibilidade do direito de oposição, pois, poderá confrontar com a jurisprudência consolidade do STF. Nesse sentido, vejamos o que diz o professor JOSE PASTORE:

"Quanto à forma, o encaminhamento da matéria como projeto de lei me parece correta. Só o Congresso Nacional pode fixar as regras para garantir a pretendida arrecadação. Para as centrais, essa contribuição não admitirá isenção para os que não quiserem pagar, o que contraria várias decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que é garantidor do direito constitucional de oposição para uma contribuição aprovada em assembleia."7

Com isso, resta evidente que não será uma tarefa fácil tornar a contribuição sindical obrigatória, como foi durante 74 anos.

Conclusão:

Em conclusão podemos afirmar que a Reforma Sindical proposta que difere muito dar que está em andamento, em vista das diversas sugestões e emendas apresentadas ainda terá um longo caminho a percorrer até a sua eventual promulgação.

Porém, vejo com preocupação alguns aspectos apresentados entre eles o fim da unicidade sindical, porque muito embora seja relevante dizer da importância da pluralidade sindical, pois, só assim efetivamente teríamos a ampla liberdade sindical, contudo os efeitos práticos poderão ser nefastos para os trabalhadores, vejamos:

A pluralidade sindical poderá levar:

  • Criação de inúmeros sindicatos na mesma base territorial de representação, o que poderá levar a existência de um sindicato por empresa, o que inviabilizará a gestão sindical, especialmente nos aspectos de financiamentos.
  • Os próprios empregadores poderão incentivar a criação de outros sindicatos, para fazer uma negociação diferente da que faria com o sindicato já existente.
  • Essa dita concorrência entre sindicatos para o trabalhador escolher de qual será sócio, não parece salutar, além do fracionamento enfraquecer substancialmente a organização dos trabalhadores.

Quanto as formas de financiamentos da estrutura sindical deverão ser regulamentadas minimamente pelo Congresso Nacional, deixando competência para as assembleias das categorias definirem percentuais e forma de arrecadação.

Por fim, a reforma sindical impõe o surgimento de um novo sindicalismo.

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Aqui entendido como os órgãos de primeiro e segundo grau, quais sejam: Centrais sindicais; confederações; federações e sindicatos.
MEDEIROS, Jose Juscelino Ferreira de; DANTAS, Arnaldo Donizetti - A Reforma Trabalhista e suas Implicações Sociais e Jurídicas para os Trabalhadores Brasileiros.

Existência de um único sindicato na mesma base territorial. É o que estabelece o artigo 8º, II da Constituição Federal de 1988. Vejamos: "Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;"

4 A pluralidade sindical se contrapõe a unicidade porque permite mais de um sindicato na mesma base territorial, dependendo exclusivamente dos trabalhadores e empregadores.

5 A Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do Direito de Sindicalização e Relações de Trabalho na Administração Pública.

A Convenção 159 da OIT trata da Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes.

PASTORE, José. A Nova Contribuição Sindical - Jornal o Estado de São Paulo edição de 31 de agosto de 2023.

Jose Juscelino Ferreira de Medeiros

VIP Jose Juscelino Ferreira de Medeiros

Doutorando e Mestre em Direito. Especialista em Direito e Processo do Trabalho/Processo Penal e Políticas Públicas. Advogado Trabalhista, Previdenciário e Sindical. Professor. Consultor Técnico.

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