Responsabilidade tributária dos sócios
Como a dissolução irregular não gera obrigação principal, o STJ tem imputado ao sócio a responsabilidade pelo pagamento de tributos preexistentes.
terça-feira, 5 de setembro de 2023
Atualizado às 08:08
O CTN prevê duas hipóteses de responsabilidade dos sócios nos arts. 134 e 135 a seguir transcritos:
"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
[...]
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas."
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes as obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[...]
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."
Dispõe ainda o art. 124 do CTN:
"Art. 124. São solidariamente obrigadas:
[...]
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem."
Segundo a jurisprudência pacífica os tribunais esse art. 124, II não pode ser aplicado isoladamente, mas conjugadamente com os arts. 134 e 135, porque não pode haver responsabilidade objetiva.
O art. 134 cuida de responsabilidade subsidiária, enquanto que o art. 135 dedica-se à responsabilidade pessoal por substituição do sujeito passivo natural.
No presente artigo analisaremos a responsabilidade do art. 134.
A maioria da doutrina, bem como quase unanimidade da jurisprudência enxergam no art. 134 do CTN caso de responsabilidade solidária, ignorando por completo os requisitos legais dessa responsabilização.
Outros doutrinadores criticam a redação do texto normativo sustentando que a responsabilidade solidária não comporta benefício de ordem, conforme prescreve o parágrafo único do art. 124 do CTN.
Os defensores dessa tese se apegam ao conceito de solidariedade que resulta dos arts. 264, 932 e 942 do Código Civil em que, havendo mais de um devedor em relação à mesma obrigação, cada um deles responde por dívida toda.
É o caso, por exemplo, dos coproprietários em relação ao débito do IPTU, hipótese em que não cabe a nenhum deles exigir que o fisco lance a metade do valor do IPTU para cada coproprietário.
Na solidariedade do art. 134 o texto legal inicia com os seguintes dizeres:
"Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo contribuinte."
Falar em responsabilidade solidária no caso é o mesmo que perpetuar maltrato à língua pátria.
Se a responsabilização do sócio está condicionada à impossibilidade do cumprimento da obrigação tributária pelo contribuinte é óbvio que, primeiramente, o fisco deve acionar o contribuinte para, ao depois, voltar-se contra o sócio, na hipótese de malogro da cobrança feita ao contribuinte.
A solidariedade mencionada no art. 134 comporta, pois, o benefício de ordem porque é a própria norma que assim dispôs.
O legislador tributário utilizou-se da solidariedade do Código Civil conferindo, todavia, efeitos diferentes, conforme faculdade prevista no art. 109 do CTN:
"Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários."
Logo, quanto a isso não há o que discutir.
Porém, a equivocada aplicação desse art. 134 não para por aí. Os tribunais têm aceitado com regularidade a solidariedade objetiva, isto é, sem examinar a relação de causa e efeito. Basta que o nome do sócio figure no AIIM ou na CDA para validar a cobrança contra o sócio, ignorando os demais requisitos inafastáveis para a responsabilização do sócio.
Realmente, além da impossibilidade de o contribuinte satisfazer o débito tributário, o sócio só responde nos atos em que intervierem ou pelas omissões que derem causa ao surgimento da obrigação tributária principal, isto é, deve o sócio ter provocado a ocorrência do fato gerador por ação ou por omissão.
E mais, os sócios respondem por seus atos comissivos ou omissivos como antes mencionados somente quando a sociedade de pessoas estiver em regime de liquidação.
A jurisprudência do STJ fundindo as hipóteses do inciso VII, do art. 134 com o inciso III, do art. 135 do CTN tem determinado o redirecionamento da execução fiscal mediante emenda da CDA sempre que a sociedade executada não for encontrada no endereço constante na inscrição cadastral, conhecida como hipótese de dissolução irregular.
O equívoco é manifesto, pois nos casos do art. 135 do CTN os sócios só respondem pelas obrigações decorrentes de atos praticados com infração de lei, contrato ou estatuto, e não pelas obrigações preexistentes.
A maioria esmagadora dos equívocos da jurisprudência reside na violação do significado etimológico das palavras utilizadas pelos diversos textos legislativos.
No caso de dissolução irregular é óbvio que ela não se constitui no fato gerador da obrigação principal. Pode, quando muito, configurar hipótese de obrigação acessória punível com multa, se prevista em lei.
Como a dissolução irregular não gera obrigação principal, o STJ tem imputado ao sócio a responsabilidade pelo pagamento de tributos preexistentes.
Ora, não é o que diz o caput do art. 135 do CTN.
Mas, esse é um dos equívocos de dificílima reversão, porque as decisões são automatizadas.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.