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O PL 2.384/23 e os impactos no contencioso tributário judicial

O PL remetido à sanção em 31/8/23, além da discussão do voto de qualidade contempla modificações positivas na Lei de Execução Fiscal e limita retroativamente multas tributárias. Deste modo, o contribuinte deverá revisar seu passivo executivo, a fim de garantir a observância das novas disposições.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Atualizado às 13:44

O PL 2.384/23 tem sido objeto de elevado volume de artigos e publicações em função de sua relevância ante a nova estruturação de regras do contencioso administrativo fiscal, reestabelecendo o voto de qualidade e instaurando um novo cenário jurídico de descontos e negociações.

Seu conteúdo ganhou destaque adicional ante sua aprovação pelo Senado Federal em 31/8/23 e remessa à sanção na mesma data.

Todavia, o referido projeto de lei traz outras modificações importantes, alterando artigos da lei de execução fiscal (lei 6.830/80), as quais precisam ser avaliadas com as devidas cautelas, a fim de garantir ao contribuinte a hígida avaliação do provável novo cenário de contencioso e adoção das medidas estratégicas mais adequadas.

As alterações da lei de execuções fiscais podem ser observadas a partir do artigo 5º do destacado projeto de lei, destacando-se as seguintes previsões:

  • Possibilidade de apresentação pelo executado de seguro-garantia ou fiança bancária abrangendo somente o valor principal do crédito tributário, produzindo os mesmos efeitos da penhora, desde que, nos 12 (doze) meses anteriores à citação não tenha permanecido sem certidão de regularidade fiscal por período igual ou superior e 3 meses;
  • As garantias apresentadas sob a forma de seguro-garantia ou fiança bancária apenas serão liquidadas após o trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte;
  • Previsão de ressarcimento integral e atualizado pela Fazenda das despesas incorridas pelo executado, incluindo os custos para contratação e manutenção das garantias;

Sob nosso olhar, estas modificações são analisadas positivamente, prestigiando o contribuinte de boa-fé, o qual pretende o hígido e fundamentado debate da exação fiscal, assegurando-lhe medidas processuais facilitadoras ao acesso à justiça, além de conferir estabilidade financeira, opondo-se ao julgamento proferido pelo STJ no Recurso Especial 1.996.660, no qual reconhecida a possibilidade de liquidação antecipada da garantia antes do trânsito dos Embargos à Execução Fiscal.

Necessário recordar que permanece em tramitação o Projeto de lei 2.488/22, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, dispondo sobre a cobrança da dívida ativa da União, Estados, Municípios e respectivas autarquias e fundações, no qual se pretende a integral reforma da lei de execuções fiscais.

O segundo projeto não trata especificamente das modificações tratadas pelo Projeto de lei 2.384/23, porém tomam-se como necessárias as incorporações das favoráveis alterações já mencionadas.

Outro aspecto importante do Projeto de Lei remetido à sanção é a alteração das multas previstas no artigo 44 da lei federal 9.430, de 27/12/96, cujas proposições são a seguir resumidas

  • as multas qualificadas em caso de sonegação, fraude ou conluio passam a observar o teto de 100% do valor do tributo objeto do lançamento de ofício;
  • havendo reincidência do sujeito passivo, a multa atingirá o percentual de 150%;
  • considera-se reincidência a repetição da ação ou omissão classificada como sonegação, fraude ou conluio, nos últimos 2 anos, contados do lançamento que qualificar o ato;
  • a multa qualificada incidirá uma única vez, ainda que seus efeitos impactem o cumprimento das obrigações tributárias em diferentes competências subsequentes;
  • a qualificação da multa não será aplicada nas seguintes hipóteses: ¹não configuração individualizada de conduta dolosa, ²existência de sentença penal de absolvição com apreciação do mérito,³ divulgação dos fatos ou ausência de tentativa de omissão dos fatos que ensejam qualificação da multa, 4adoção de providências para sanar as práticas qualificadas como sonegação, fraude ou conluio.
  • a multa de ofício de 75% poderá ser reduzida em 1/3 quando ¹for constatado erro escusável do contribuinte, ²o lançamento decorrer de divergência na interpretação da legislação e ³o contribuinte tiver agido em conformidade com as práticas reiteradas da Administração Tributária ou do seu segmento de mercado;
  • a multa de ofício de 75% poderá ser relevada de acordo com o histórico de conformidade do contribuinte;
  • expressa previsão de cancelamento do percentual das multas em autuações fiscais que excederem 100% do valor do crédito tributário apurado, mesmo que a multa esteja incluída em programa de parcelamento ou refinanciamento de dívida;
  • a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional cancelará de ofício os valores correspondentes ao excedente de 100% das multas fiscais, independentemente de provocação do contribuinte, inclusive nas execuções ficais em andamento;
  • o montante de multa que exceder o patamar de 100%  já adimplido pelo contribuinte poderá ser objeto de restituição mediante propositura de ação judicial, desde que respeitado o prazo prescricional.
  • As alterações normativas vêm de encontro com impugnações disseminadas pelos contribuintes nas diversas formas de impugnação do crédito fiscal, tais quais a inafastável necessidade de comprovação individualizada das condutas dolosas de cada agente e o caráter confiscatório de multas.

Depreende-se ainda do Projeto de Lei o reconhecimento como atenuantes de práticas evidenciadoras da boa-fé dos contribuintes, os quais, muitas vezes, são autuados em razão da complexidade do sistema tributário nacional, do qual resultam múltiplas possibilidades de intepretações dotadas de legítima justificativa.

Ainda sobre este aspecto, aponta-se crítica à previsão relaciona à redução de 1/3 da multa de 75% nas hipóteses em que o contribuinte observa as práticas reiteradas da Administração.

O inciso III do artigo 100 do Código Tributário Nacional expressamente reconhece status de norma complementar a estas práticas administrativas reiteradas, autorizando, de sua interpretação, a conclusão de imperatividade de sua observância.

Deste modo, o contribuinte que atua em conformidade com tais práticas atua sob a égide da legalidade, não se identificando, ao menos nesta análise inicial, justa causa para a manutenção da penalidade.

No tocante à imediata redução das multas que superem os percentuais estabelecidos nas novas disposições, houve a observância do artigo 106, inciso II, alínea c do Código Tributário Nacional.

Não obstante a previsão de atuação automática da Procuradoria, aos contribuintes caberá a gestão de seu passivo em execução, revisão das multas aplicadas para adequação dos percentuais, cujo impacto no cálculo se seus juros será inevitável.

Por fim, com relação à restituição do excedente da multa via ação judicial desde que observada a prescrição, eleva-se, salvo melhor juízo, uma das questões mais relevantes para o contribuinte, qual seja, seu marco inicial de contagem.

Isto porque o direito à repetição e, portanto, exigibilidade do crédito, somente restará configurado com a entrada em vigor da legislação.

Sob este viés, para as execuções fiscais e parcelamentos em pleno curso, não se vislumbraria outro marco para contagem do prazo de exercício do direito que não a legislação extintiva de parcela da multa.

Ante o exposto e a partir de competentes análises do projeto de lei 2.384/23 enviado à sanção presidencial, são constatados diversos pontos de atenção e relevância para os contribuintes, cuja revisão processual e financeira de seu passivo será medida oportuna para a gestão do passivo fiscal de modo otimizado e benéfico.

Roberta Vieira Gemente de Carvalho

VIP Roberta Vieira Gemente de Carvalho

Advogada Tributarista, Especialista em Compliance e Gestão Fiscal. Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP. Especialista em contencioso estratégico.

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