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Argentina: alternativas para exportadores brasileiros

Apesar destas dificuldades atuais para o exportador brasileiro, a prudência indica que o esforço pode valer a pena para seu futuro posicionamento no mercado argentino.

sábado, 2 de setembro de 2023

Atualizado em 1 de setembro de 2023 14:19

Se o quotidiano dos operadores de comércio exterior é geralmente dinâmico, não há como reclamar de monotonia quando se trata de negócios com a República Argentina. Inserta numa longa crise cuja origem pode retornar décadas, o atual cenário econômico do país vizinho é particularmente desafiador.

Com efeito, os anúncios de medidas podem ser imprevisíveis, muitas vezes vinculadas ao calendário eleitoral e às tentativas do atual governo argentino de postergar a adoção de reformas impopulares. No comércio exterior, as consequências têm sido instabilidade, materializada em dois elementos: a dificuldade em obter licenças de importação e a oscilação dos meios de pagamento.

Para trazer produtos à Argentina, os interessados devem obter licenças no sistema de importação de mercadorias (SIRA) ou de serviços (SIRASE). Há diversos passos obrigatórios para ter acesso ao sistema (capacidade econômica, quotas para importar, requisitos burocráticos) que prolongam em muito o tempo para aprovação de uma licença.

Obtida a licença, o importador somente poderá ter acesso ao Mercado Livre e Único de Câmbio (MULC) em prazos alongados, que podem ser de 60, 180 ou 360 dias. Em outras palavras: o importador, para ter acesso ao câmbio oficial, tem uma expectativa futura de compra, sem saber ao certo qual será o valor (em pesos) que pagará pelo valor (em dólares) da importação.

Obviamente, o risco cambial é grande, e torna-se ainda mais complexo pela existência de outros tipos de câmbio para mercados específicos (soja, exportações, e até shows). E isso diante de uma brecha cambial - a diferença entre o dólar oficial e o dólar blue - de aproximadamente 100%.

Diante dessas dificuldades e riscos, as exportações brasileiras para a Argentina têm sofrido redução, como demonstram alguns exemplos abaixo, relativos ao último semestre:

Produtos

Variação nas Exportações

Janeiro-Julho (2023/2022)

Impacto nas Exportações

(milhões USD)

Produtos da Indústria de Transformação

-15%

- 77 mi

Matérias Plásticas Primárias

- 28%

- 42 mi

Polímeros de Etileno

- 54%

- 95 mi

Equipamentos de Engenharia

- 34%

- 42 mi

Papel e cartão

- 12%

- 37 mi

(fonte: Comexstat/MDIC)

Diante desses dados, e pressupondo que não haverá incremento no cenário de curto prazo, que alternativas existem para o exportador brasileiro manter-se ativo no mercado argentino? Primeiramente, deve-se encarar com realismo as possibilidades de pagamento existentes. A importação em dólar oficial na Argentina é uma hipótese cada vez mais remota, diante dos desafios de curto prazo para suas reservas internacionais. Na prática, a importação a preço de dólar oficial funciona como um subsídio para controlar a inflação de produtos básicos. Assim, é irrealista que sucursais de empresas brasileiras busquem o MULC para pagamento de dividendos ou de dívidas intercompany. E a previsão é de dificuldade crescente para pagamento de importação de serviços.

Em segundo lugar, é necessário analisar detidamente os interesses de cada empresa, para quem se podem propor alternativas legais que materializem a remessa internacional. Estas propostas visam sobretudo a mitigar o risco soberano (restrições de acesso ao mercado de câmbio), riscos de crédito (pela situação do importador diante de uma eventual desvalorização no futuro próximo), riscos cambiais e riscos de compliance com as legislações aduaneiras e de preços de transferência, tanto na Argentina quanto no Brasil.

Soluções neste sentido, à disposição do exportador, podem demandar uma estruturação de operação de factoring ou de supply chain finance em um terceiro mercado, para mitigar também os impactos tributários, que não são desprezíveis nos dois países. Inevitavelmente, tais soluções têm impacto nos preços de exportação, e outro desafio é manter este custo aceitável para o importador e para a competitividade do produto.

Apesar destas dificuldades atuais para o exportador brasileiro, a prudência indica que o esforço pode valer a pena para seu futuro posicionamento no mercado argentino. Um novo ciclo político pode trazer otimismo para 2024, além de que o desenvolvimento de indústrias locais (gás, lítio, recuperação da agricultura) devem equilibrar futuramente sua balança de serviços. Afinal, recorde-se que a Argentina é o principal importador de produtos industrializados do Brasil, e este dado faz merecer a dedicação dos exportadores de se manterem em seu mercado.

Welber Barral

Welber Barral

Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados, com escritórios em São Paulo, Brasília e Buenos Aires.

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