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Cabimento de mandado de segurança contra ato de lançamento do Senai

Gustavo Leite e André Freitas

Na situação narrada, há um ato concreto e coator evidentemente ilegal no qual é passível de afastamento por meio do mandado de segurança, por ser exercício de atribuição do Poder Público.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Atualizado às 09:21

Há algum tempo foi publicado um artigo sobre a "Incompetência do Senai para lançar crédito tributário".

O artigo tratava do lançamento de suposto crédito tributário pelo Senai, com base no artigo 10 do decreto 40.466/67, previsto no artigo 6° do decreto-lei 4.048/42. Trata-se, portanto, da contribuição adicional em benefício do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, quando a empresa possuir mais de 500 funcionários.

Conforme a conclusão do citado artigo, o Senai não possui competência para lançar tributos.

Todavia, na prática, tem ocorrido supostos lançamentos tributários pelo Senai, para arrecadar a contribuição adicional em benefício do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, quando a empresa possuir mais de 500 funcionários.

Com este fato, nasce a dúvida sobre o cabimento do mandado de segurança para repelir este ato ilegal.

Veja-se o que está previsto no art. 5°, inciso LXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil:

"LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por 'habeas-corpus' ou 'habeas-data', quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

É certo que o lançamento tributário é atribuição do Poder Público.

O cerne da legitimidade da autoridade apontada como coatora figurar no polo passivo do mandado de segurança, e, consequentemente, ser a via adequada para repelir o ato do lançamento, é justamente a sua suposta competência tributária.

O Senai não tem competência para realizar lançamento tributário. A lei 9.003/95 reestruturou a Secretaria da Receita Federal do Brasil e definiu a sua competência, que consiste nos assuntos relativos à política e administração tributária e aduaneira, à fiscalização e arrecadação de tributos e contribuições, bem assim os previstos em legislação específica.

Conforme a Lindb, a lei mais recente que possui o mesmo conteúdo e é incompatível com a lei mais antiga, revoga esta, basta ver o artigo 2°, §1°, do mencionado diploma.

A lei 11.457/07 deixou expresso que todas as atividades relativas à administração tributária e aduaneira são de competência da Receita federal, ao prever, em seu artigo 1°, parágrafo único que: "são essenciais e indelegáveis as atividades da administração tributária e aduaneira da União exercidas pelas servidores dos quadros funcionais da Secretaria da Receita Federal do Brasil".

Mesmo sendo dispensável, a mencionada lei, ao alterar a redação do artigo 6° da lei 10.593/02, expressamente dispôs que é atribuição do cargo de auditor-fiscal da RF a constituição, mediante lançamento, do crédito tributário e de contribuições.

Com a ocorrência do fato, qual seja, o lançamento realizado pelo Senai, o ente fica caracterizado como "agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público", conforme o inciso LXIX do art. 5° da CR, sendo cabível o mandado de segurança.

O Senai, tendo em vista o Ato Institucional 4/66 ter dado "força de lei" ao decreto 60.466/67, entende que o disposto no artigo 10 do decreto 40.466/67, não pode ter sido revogado pelo decreto de 10 de maio de 1991, uma vez que o decreto revogador seria norma hierarquicamente inferior. Com esse entendimento, o Senai entende pela manutenção de sua competência para lançar o crédito tributário com base no artigo 10 do decreto 40.466/67, previsto no artigo 6° do decreto-lei 4.048/42.

O fato de o Senai realizar lançamento de suposto crédito tributário deixa claro que ele é pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

É fato que o Senai possuía capacidade para cobrar o adicional da contribuição. O art. 10 do decreto 40.466/67 tem a seguinte redação:

"Art. 10. A taxa adicional de 20% (vinte por cento) devida ao Serviço Nacional de aprendizagem Industrial (SENAI) pelos estabelecimentos que tiverem mais de 500 (quinhentos) empregados, conforme dispõe o artigo 6º do decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942, e o artigo 3º do decreto-lei 6.245, de 5 de fevereiro de 1944, será recolhida diretamente ao SENAI, a quem incumbirá sua fiscalização."

Todavia, com a reformulação da Secretaria da Receita Federal do Brasil prevista nas leis 9.003/95 e 11.457/07, o Senai perdeu a sua capacidade de fiscalizar e cobrar a exação.

Embora o Senai seja pessoa jurídica de direito privado, ela exerce funções com fins públicos, sendo, inclusive, custeada por contribuições parafiscais. Como o ato de lançamento é privativo do Poder Público, é flagrante que o mandado de segurança é uma das ações cabíveis para afastar o ato ilegal.

O STJ entendeu cabível o mandado de segurança par afastar o ato coator do lançamento realizado pelo Senai. Veja-se:

"TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO FEDERAL. SUJEITO ATIVO DA CONTRIBUIÇÃO DEVIDA AO SENAI. FISCALIZAÇÃO E COBRANÇA. ATRIBUIÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. ILEGITIMIDADE DOS TERCEIROS. NULIDADE FORMAL DO LANÇAMENTO E DA COBRANÇA REALIZADA PELO SENAI.

1. A União é, atualmente, o sujeito ativo da contribuição devida ao SENAI, cuja constituição, arrecadação e fiscalização está a cargo dos Auditores -Fiscais da Receita Federal do Brasil, a quem cabe, também, proferir decisões em processo administrativo fiscal, restando à Procuradoria da Fazenda Nacional a eventual cobrança judicial dos respectivos créditos e ao SENAI o produto da arrecadação (art. 62, inciso I, da Lei 11.457/2007).

2. Não obstante o interesse reflexo dos chamados 'terceiros', tal interesse não lhes confere legitimidade para realizar o lançamento ou figurar na demanda como parte.

3. Reconhecida a nulidade formal do lançamento fiscal e da cobrança realizada pelo SENAI." (no original não consta grifo)

O STJ, ao julgar o EREsp 1.619.954/SC, entendeu que os serviços sociais autônomos têm legitimidade passiva ad causam. Veja-se:

"PROCESSUAL CIVIL, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A TERCEIROS. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS. DESTINAÇÃO DO PRODUTO. SUBVENÇÃO ECONÔMICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. LITISCONSÓRCIO. INEXISTÊNCIA.

1. O ente federado detentor da competência tributária e aquele a quem é atribuído o produto da arrecadação de tributo, bem como as autarquias e entidades às quais foram delegadas a capacidade tributária ativa, têm, em princípio, legitimidade passiva ad causampara as ações declaratórias e/ou condenatórias referentes à relação jurídico-tributária.2. Na capacidade tributária ativa, há arrecadação do próprio tributo, o qual ingressa, nessa qualidade, no caixa da pessoa jurídica.

3. Arrecadado o tributo e, posteriormente, destinado seu produto a um terceiro, há espécie de subvenção.

4. A constatação efetiva da legitimidade passiva deve ser aferida caso a caso, conforme a causa de pedir e o contexto normativo em que se apoia a relação de direito material invocada na ação pela parte autora.

5. Hipótese em que não se verifica a legitimidade dos serviços sociais autônomos para constarem no polo passivo de ações judiciais em que são partes o contribuinte e o/a INSS/União Federal e nas quais se discutem a relação jurídico-tributária e a repetição de indébito, porquanto aqueles (os serviços sociais) são meros destinatários de subvenção econômica.

6. Embargos de divergência providos para declarar a ilegitimidade passiva ad causam do SEBRAE e da APEX e, por decorrência do efeito expansivo, da ABDI."

A legitimidade deve ser aferida caso a caso, por exemplo, se o contribuinte pretende discutir a exigibilidade das contribuições para o Sistema S, neste caso as entidades não possuem legitimidade para figurar na ação.

Todavia, na situação narrada, há um ato concreto e coator evidentemente ilegal no qual é passível de afastamento por meio do mandado de segurança, por ser exercício de atribuição do Poder Público.

Gustavo Leite

Gustavo Leite

Advogado.

André Freitas

André Freitas

Sócio Administrador no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

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